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    Aspectos críticos sobre a privatização dos presídios no Brasil - Luciano Chacha

    há 15 anos

    Como citar este artigo: CHACHA, Luciana. Aspectos críticos sobre a privatização dos presídios no Brasil . Disponível em http://www.lfg.com.br. 15 de abril de 2009.

    1 INTRODUÇÃO

    A privatização dos presídios é tema divergente no mundo inteiro, no plano teórico e prático, sendo necessária sua profunda análise.

    Ainda, que não seja objeto deste o exame da privatização dos presídios nos países pioneiros (Estados Unidos da América e França) e seus seguidores, se torna de extrema importância, ao menos, sintetizar as suas diretrizes gerais de funcionamento.

    Nos Estados Unidos, a tendência, não a regra, é a privatização total, ou seja, é permitido constitucional e infraconstitucionalmente a direção e gerenciamento do preso, sob a tutela privada, onde, ainda assim, o Estado deve fiscalizar diariamente, por meio do seu funcionário denominado Contract Monitor, para acompanhar a administração e ficar vigilante quanto à preservação da dignidade e dos direitos humanos no tratamento penitenciário.

    Depreende-se, por outro lado, que na França seu sistema não admite a privatização total, utilizando-se da "gestão mista", onde a direção geral, administração e segurança externa do presídio cabem ao setor público. Para a iniciativa privada: a construção do estabelecimento, a guarda interna dos presos, a promoção do trabalho, da educação, do transporte, da alimentação do lazer, bem como, a assistência social, jurídica e espiritual, a saúde física e mental do preso.

    Embora no Brasil, diferentemente dos países originários, sabiamente, não se admita no ordenamento jurídico a delegação da atividade jurisdicional e da atividade administrativa judiciária neste setor, será demonstrado cabalmente a possibilidade de o Estado recorrer à iniciativa privada em algumas atividades, havendo, por conseqüência, a possibilidade de satisfazer em maior grau os direitos constitucionais (art. 5º, XLVII, XLVIII, XLIX,L) e legais do preso (art. 11 c/c 41 da LEP), bem como, o alcance de uma gama de fatores positivos para a sociedade e o Estado.

    2 PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL - ASPECTOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS - FUNÇÃO JURISDICIONAL INDELEGÁVEL - POSSIBILIDADE DE PRIVATIZAR APENAS O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE EXTRAJUDICIAL ADMINISTRATIVA

    A realidade brasileira quanto ao cárcere e os diversos problemas daí decorrentes são ainda mais catastróficos que a dos países norteadores e seus seguidores.

    Entretanto, para que haja a possibilidade de privatização no país, deve-se em primeiro lugar analisar qual (is) o (s) tipo (s) de atividade (s) que a iniciativa privada pode (em) intervir sem que contrarie a constituição e as normas infra-constitucionais, ou seja, para que haja vigência, validade e eficácia.

    Neste sentido, o ilustre Edmundo Oliveira classifica com propriedade a natureza jurídica da execução penal, no fito de limitar a atribuição privada no setor prisional:

    a) atividade jurisdicional, que compete ao juiz da execução penal, na qualidade de comandante da execução para garantir o cumprimento das disposições legais fixadas pelo Direito Penal, pelo Direito Processual Penal e pela Constituição Federal (art. 66 da LEP);

    b) atividade administrativo-judiciária a qual é exercida pelo servidor público, para os fins da relação jurídica estabelecida entre o preso e o Estado, que é o titular do jus puniendi, situam-se, nesse conjunto, as tarefas pertinentes ao Ministério Público, ao Conselho Penitenciário e ao Departamento Penitenciário (arts. 67, 69 e 71);

    c) atividade administrativa extrajudicial, que pode ser exercida por órgãos do próprio Estado ou por entidades privadas, conforme previsão em lei federal ou estadual. É o caso da promoção de trabalho e da assistência religiosa, jurídica, educacional e à saúde do preso. (Oliveira, Edmundo. Futuro Alternativo das Prisões,1.ed. Forense, RJ,p. 336)

    Depreende-se que a atividade jurisdicional e a atividade administrativo- judiciária permanecem absolutamente indelegáveis pelo Estado, entretanto, no tocante à atividade administrativa extrajudicial, relacionada com: saúde, trabalho, estudo, limpeza, vestuário, lazer, construção de presídio ou parte dele etc... pode ser oportunizada ao ente privado

    Veja que tais atividades estão amplamente difundidas na LEP , respectivamente, nos artigos , 13 , 14 , § 2º , 20 , 36 , 78 e 80 :

    Art. 4º - O Estado deverá recorrer a cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança.

    Art. 13 - O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração.

    Art. 14 - A assistência `a saúde do preso e do internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. § 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.

    Art. 20 - As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

    36 - O trabalho externo será admissível para os presos em regime fechado somente em serviço ou obras públicas realizadas pelo órgão da administração direta ou indireta, ou entidades privadas, desde que tomadas as cautelas contra fuga e em favor da disciplina.

    Art. 78 - O Patronato público ou particular destina-se a prestar assistência aos albergados e aos egressos

    Art. 80 - Haverá, em cada comarca, um Conselho da Comunidade, composta, no mínimo, por um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela seção da Ordem dos Advogados do Brasil e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais.

    Resta cristalina a possibilidade legal da iniciativa privada exercer tais atividades.

    Ocorre que nesta Lei Federal Geral não se traçam os parâmetros para se efetivarem tais normas, assim, é com grande júbilo que será colacionado o dispositivo constitucional - 24, I e § 2º - que possibilita que os Estados Federados legislem sobre o direito penitenciário, e, logo possam implementar meios que busquem a satisfaçam destas atividades com a iniciativa privada, senão vejamos:

    Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

    I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.

    § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

    Assim, é ponto incontroverso, incontestável, irrefutável que o ente privado tem a possibilidade, em havendo interesse, do exercício no setor prisional das atividades extrajudiciais administrativas.

    3 IMPORTANTES PONDERAÇÕES SOBRE AS AFIRMAÇÕES DOS CONTRÁRIOS A PRIVATIZAÇÃO NO BRASIL

    São inúmeros os contrários a implantação da privatização dos presídios no Brasil, mas, se verificará que tais interpretações são em peso originadas de análises superficiais e preconceitos infundados, senão vejamos:

    a) O dever constitucional de punir e recuperar delinqüentes é exclusivo do Estado;

    Eles estão absolutamente corretos e assegurados pela Constituição da República, pois tal dever de forma alguma, nem por meio de emenda constitucional, deve ser alterado. Entretanto, pecam, quando generalizam o entendimento acreditando somente na privatização total (EUA) ou mista (França), esquecendo que a LEP e a Constituição Federal possibilitam que o ente privado exerça as atividades extrajudiciais administrativas, conforme alhures mencionadas.

    b) A preocupação da iniciativa privada é o lucro e não o interesse na reinserção social do delinqüente e muito menos o bem-estar da comunidade;

    A iniciativa privada pela sua natureza, excluindo as pessoas ou entidades assistenciais, visa o lucro, e, quanto a isto não há prejuízo algum. O ente privado para ser atraído a lidar com o sistema prisional tem que visualizar algum lucro seja ele financeiro e/ou a sua imagem. E, isto é amplamente possível respeitada as limitações legais e constitucionais envolvidas. Terá também extremo interesse na reinserção social, fazendo tudo dentro de suas possibilidades para diminuir a reincidência criminal, e, por conseqüência a reinserção social do preso, demonstrando zelo e eficiência, já que se isto não ocorrer, o Estado não terá motivo algum para permitir sua entrada e sua postergação. E, em conseqüência desta participação, o preso, a comunidade, a sociedade e o Estado se beneficiam.

    c) Implantação de trabalho forçado sem a livre adesão do preso

    Neste ponto, é sabido que o preso tem açambarcado constitucionalmente o direito de não ser forçado física nem moralmente (art. 5º, XLVIII, alínea c) ao trabalho, entretanto, o trabalho é um dever, ou seja, uma obrigação do preso, atendidas as suas aptidões e capacidades (art. 31 da LEP).

    Se a empresa contrariar tais preceitos, ela estará cometendo um crime, e, portanto será penalizada, inclusive em flagrante.

    Ademais, nem nos EUA, onde se possibilita a privatização total, a empresa possui seu total livre arbítrio, pois como já afirmado categoricamente, lá eles tem sempre um funcionário do Estado (Contract Monitor) responsável pela fiscalização diária do cumprimento das cláusulas do contrato, que, se não forem obedecidas, geram multas para a parte culpada, ou, até mesmo, a rescisão do contrato.

    d) Perigo de prisão controlada por empresa que tem negócios com crime organizado

    Como já excessivamente esposado, a iniciativa privada não tem respaldo constitucional e legal algum em controlar (administração, gerência ou direção) a prisão no Brasil.

    Mas, se, ainda assim, houver algum envolvimento do crime organizado, tal falha e responsabilidade será do Estado que não teve meios suficientes para prevenir.

    e) E se a empresa falir, ou, realizar greve;

    Este ponto se deve ter muita cautela, pois a falência pode ocorrer, e, para isso o Estado deve estar preparado com normas e/ou cláusulas a esse respeito, para que possa ter um controle do faturamento, e, com isso previna ou remedeie o mais rapidamente, assumindo o controle imediato ou oportunizando outra empresa no controle daquela atividade.

    Com relação a greve, embora, seja um direito constitucional assegurado, este não pode ser exercido no setor prisional, pois se trata de um serviço público essencial, e, portanto não pode ser suspenso ou interrompido.

    f) O Poder Público poderá punir um funcionário da empresa privada que venha a prejudicar a eficiência da execução penal?

    Não só pode, como deve, pois está subordinado ao Estado, por contrato ou lei, impondo as sanções cabíveis para o caso concreto. Ainda que seja uma parceria público privada, podem haver cláusulas exorbitantes.

    4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS A PRIVATIZAÇÃO DA "ATIVIDADE ADMINISTRATIVA EXTRAJUDICIAL" NO SETOR PRISIONAL

    a) A empresa privada dispõe de maior habilidade para administrar porque está liberada da morosa e complicada burocracia do setor público, assim, além de conseguir remediar com menor custo é ainda mais rápido.

    b) A participação privada propiciará, mesmo que de maneira diminuta, um atalhamento quanto ao alcance da dignidade humana do preso, já que poderá oferecer mais eficazmente: trabalho, escola, lazer, vestuário, local mais higiênico, construção de celas e presídios. Enfim, proporcionará chances maiores do preso não voltar a delinqüir, ser útil, ao ponto de disputar vaga de emprego, alfabetização etc...

    c) Auxiliando o Estado, nestes aspectos (emprego e estudo), estará concorrendo para a satisfação (direito fundamental e garantia da ordem econômica) do valor social do trabalho, livre iniciativa, busca do pleno emprego, tudo isto, para que se tenha uma existência digna (caput e VIII do art. 170 da CF).

    d) Ainda, que no início a empresa privada não consiga se subsistir lá dentro com renda própria, e, necessitar do pagamento do Estado, ao menos, em tese, este estará despendendo um gasto com maior contrapartida.

    e) Outro ponto que atrairá a iniciativa privada cuja atividade seja no oferecimento de emprego, é que a Lei de Execução Penal prevê que o preso deva ganhar ao menos a remuneração de ¾ do salário mínimo vigente (caput do art. 29), e que sua jornada normal de trabalho será entre 6 a 8 horas diárias de segunda à sábado com descansando domingos e feriados (art. 33).

    Clarividente se torna que, respeitados tais direitos trabalhistas, não há qualquer outro envolvido, tal como: concessão de férias com remuneração, décimo terceiro salário, hora extra, descanso semanal remunerado, adicionais, multas pelo não cumprimento, acidente de trabalho, etc..

    Assim, se a iniciativa privada conseguir capacitar os presos para certo labor, e houver por parte destes uma produção considerável, seus lucros poderão ser vultosos.

    f) Não tem dever de pagar aposentadoria ao preso, assim, fica a critério do preso contribuir privativamente. O que se torna quase impossível com os encargos atribuídos nas alíneas do artigo 29 da LEP .

    g) será incentivado por outros benefícios que o Governo poderá oferecer por intermédio de contrato ou pela lei.

    5 CONCLUSÃO

    Verificou-se que apesar do ente privado visar ao lucro, em tese, detém maior possibilidade em manter um serviço muito mais eficiente e rápido, diverso da burocracia estatal, possuindo todo o interesse na atividade empreendida, em trabalhar com ética e zelo, já que estará integralmente sob a vigilância estatal, podendo calhar com a pena de rescisão contratual, outras sanções e negatividade de sua imagem.

    É sabido que o tato com o setor prisional requer bastante cautela e análise aprofundada, entretanto, com a realização de um contrato e/ou lei que regulem o ente privado (atraindo-o com benefícios) acompanhado da fiscalização estatal, o preso, a sociedade e o Estado terão benefícios inúmeros, conforme sintetiza Oliveira:

    a) atender aos preceitos constitucionais da individualização da pena (art. 5 , XLIX , da Constituição da República) e de respeito à integridade física e moral do preso (art. 5 , XLIX , da CF);

    b) lançar uma política ambiciosa de reinserção social e moral do preso, de modo a se confiar nos efeitos da reabilitação;

    c) baixar o fardo da reincidência;

    d) introduzir, no sistema penitenciário, um modelo administrativo de gestão moderna, suscetível de produzir efeitos duráveis na evolução dessa gestão;

    e) reduzir os encargos e gastos públicos, na vida prisional ociosa, onde um preso custa, em média, cerca de 4 (quatro) a 5 (cinco) salários mínimos por mês, no Brasil;

    f) favorecer o desenvolvimento de salutar política de prevenção de criminalidade, mediante participação organizada da comunidade nas tarefas de execução da pena privativa de liberdade;

    g) aliviar, enfim, a dramática situação de superpovoamento no conjunto do parque penitenciário nacional. (op.cit. p. 335)

    Em que pese os inúmeros apontamentos contrários à privatização dos presídios no Brasil, restou evidente que o Estado permanecerá com as funções jurisdicionais indelegáveis constitucionalmente, apenas, havendo a possibilidade de cada Estado Federado implantar, de acordo com as peculiaridades de cada Região, a realização de parceria com a iniciativa privada nas atividades administrativas extrajudiciais.

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