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    O tratamento diferenciado conferido à Fazenda Pública quando de sua atuação em juízo

    há 15 anos

    Como citar este artigo: MEDEIROS, Ana Louise Holanda de. O tratamento diferenciado conferido à Fazenda Pública quando de sua atuação em juízo . Disponível em http://www.lfg.com.br. 17 de abril de 2009.

    A Fazenda Pública goza de várias prerrogativas não estendidas aos particulares, quando de sua atuação em juízo.

    Entre as referidas prerrogativas, podemos destacar o juízo privativo, prazos dilatados para contestar e recorrer (CPC , art. 188), isenção de custas, processo especial de execução (CPC , art. 730), duplo grau de jurisdição (CPC , art. 475 , inc. I e II), entre outras.

    É pertinente ressaltar que tais prerrogativas são decorrentes do regime jurídico-administrativo atinente à Fazenda Pública, o qual estabelece uma relação de desigualdade, um desequilíbrio nas tratativas entre o Poder Público e o particular. Isso ocorre porque de um lado temos um particular, que tutela interesse individual e de outro temos o Poder Público, que tutela interesse coletivo, ou seja, interesse de toda a população.

    Nessa esteira, acrescentamos que a natureza da administração pública, de acordo com o ilustre doutrinador Hely Lopes Meirelles:

    "é a de um múnus público para quem a exerce, isto é, a de um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Como tal, impõe-se ao administrador público a obrigação de cumprir fielmente os preceitos do Direito e da Moral administrativa que rege m a sua atuação. Ao ser investido em função ou cargo público, todo agente do poder assume para com a coletividade o compromisso de bem servi-la, porque outro não é o desejo do povo, como legítimo destinatário dos bens, serviços e interesses administrados pelo Estado". [ 1 ]

    Como se depreende do trecho acima, além das prerrogativas inerentes ao Poder Público, tem-se também as sujeições, ou seja, para alcançar a sua finalidade, o Poder Público deve se sujeitar a determinados preceitos, como por exemplo, os princípios constitucionais elencados no artigo 37 da Carta Magna , quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência ou ainda ao poder-dever de agir, o dever de probidade e dever de prestar contas.

    Para Maria Sylvia Zanella di Pietro o regime jurídico-administrativo se resume basicamente em prerrogativas e sujeições. [ 2 ]

    Essa compensação entre prerrogativas e sujeições é necessária para evitarmos a tirania, a opressão, figuras temidas e repudiadas na constância de um Estado Democrático de Direito.

    Retomando o exame das prerrogativas, mais precisamente as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo, objeto do presente trabalho, observa-se que o tratamento diferenciado dispensado à Fazenda se deve ao princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o que estabelece, conforme já citamos, um desequilíbrio processual em relação ao particular.

    Entretanto, o que se questiona na atualidade é se esse desequilíbrio processual é realmente efetivo em alguns casos.

    Nesse sentido, vale destacar as indagações de Regina Helena Costa [ 3 ]:

    "Diante destas 'clássicas' prerrogativas mencionadas, a indagação que se faz é a seguinte: tal disparidade de tratamento, tal como está posta hoje, é justificável ante a realidade atual? Logo de início salientou-se que nas relações de Direito Público existe um desequilíbrio entre as partes e que ele é perfeitamente justificável pela presença do interesse público e do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Resta, contudo, saber se este regime processual (com prerrogativas especialíssimas) realmente se justifica no presente contexto normativo e social. Em outras palavras, essas prerrogativas não estariam representando, às vezes, autênticos privilégios?"

    A autora ressalta que certas prerrogativas da Fazenda Pública chegam a ser consideradas privilégios [ 4 ], pois, não se coadunam com a realidade fática e atual.

    A doutrina se divide ao analisar se as prerrogativas da Fazenda Pública violam ou não o princípio da isonomia.

    Para alguns autores como José Roberto de Moraes, seguindo as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, as prerrogativas conferidas ao Poder Público devem ser analisadas sob o prisma do princípio da razoabilidade [ 5 ].

    Dessa forma, podemos destacar as prerrogativas como razoáveis. Já, o que for considerado desarrazoável, seriam privilégios.

    Interessante nos reportarmos à análise da professora Ada Pellegrine Grinover a respeito do que venha a ser uma prerrogativa ou um privilégio:

    "(...) tanto as prer¬rogativas como os privilégios, no direito atual, só podem admitir-se por exceção, em razão da diver¬sidade de posições subjetivas, dentro do ordena¬mento jurídico. Ambos ? prerrogativas e privilé¬gios ? constituem, assim, exceções ao regime co¬mum: a diferença entre elas está em que o privi¬légio é instituído visando à proteção de interesses pessoais, enquanto a prerrogativa decorre do inte¬resse público. Resulta daí ser uma prerrogativa irrenunciável (...) (...) Assim sendo, ao analisar as prerrogativas con¬cedidas à Fazenda Pública, como excecões ao re¬gime comum da igualdade substancial, há que se ter em mente que o ordenamento jurídico exige, por vezes, que o indivíduo ceda o passo à avultação do interesse público ou social: justificam-se tais prerrogativas, em geral, em razão da natureza, da organização e dos fins do Estado moderno. Mas devem elas ser analisadas, em concreto (...)". [ 6 ]

    Nesta esteira, poderíamos, por exemplo, classificar a isenção de custas como prerrogativa razoável, porquanto, quem pagaria as custas do Poder Público seriam os próprios contribuintes e, no caso de um litígio com a Fazenda Pública, esse contribuinte estaria pagando por duas vezes as custas, de forma direta e indireta.

    Quanto ao reexame necessário das decisões proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público, salvo melhor juízo, mostra-se contrário ao princípio da isonomia e da razoabilidade, uma vez que, a Fazenda já goza de dilação de prazo para recorrer e, com o reexame, além de retardar ainda mais o desfecho da lide, dá mais uma opção de revisão, o que fará o Poder Judiciário rever sua própria decisão, tão somente, para constatar ou não um eventual equívoco do juízo a quo.

    Em relação à dilação de prazos, assim como no reexame necessário, classificamos como privilégio, uma vez que, nos dias de hoje, temos vários fatores que já não justificam sua utilização.

    A exemplo, temos que os princípios vigentes no processo civil atual são, entre outros, o da instrumentalidade e o da celeridade. Do mesmo modo, é sabido também que os avanços da informática e as facilidades trazidas pela internet, tornaram o serviço público muito mais eficiente, facilitando dessa forma, o desempenho dos servidores, entre eles os procuradores, que realizam a defesa da Fazenda em juízo.

    Sob essa ótica, há quem entenda ainda que a Administração Pública dispõe dos mais bem preparados servidores, porquanto, em tese, todos teriam sido aprovados em concurso público.

    Diferentemente das razões acima entende o ilustre doutrinador Nelson Nery Júnior [ 7 ]:

    "É por demais conhecida a dificuldade enfrentada pelas representantes da Fazenda Pública e do Ministério Público, para o bom desempenho de suas funções processuais. Há dificuldade na coleta de material para elaborar-se uma contestação ou um recurso, bem como, colabora para agravar ainda mais essa dificuldade, a carga de serviços a que estão afetos. Em face disto, o legislador concedeu a eles uma prerrogativa processual, levando em conta a função relevante por eles desempenhada na atividade processual. Não é, como parece a alguns, um privilégio."

    O autor ressalta a dificuldade de alguns servidores na coleta de material para a elaboração de peças processuais.

    Conforme razões já explanadas no presente trabalho, entendemos que tais argumentos já não são aplicáveis na atualidade.

    Quanto ao juízo privativo, tem-se que na Justiça Estadual, em diversas comarcas temos varas especializadas da Fazenda Pública, exceto quando se tratar da União, entidade autárquica federal ou empresa pública, pois, nesse caso a esfera de competência é da Justiça Federal.

    Compartilhamos do entendimento de que essa seria uma prerrogativa razoável, pois, se justifica diante do grande volume de processos movidos contra a fazenda e o reduzido número de magistrados. Ocorrendo a divisão de competência das varas, facilita-se o trabalho do magistrado, pois, se assim não o fosse (e em algumas comarcas ainda não é), por uma conclusão lógica, não teria condições de desempenhar um bom trabalho, tendo de se interar ora de assuntos ligados, a direito criminal, ora de assuntos ligados à infância e família, ora de assuntos ligados à Fazenda Pública.

    Na Justiça Estadual, com as varas especializadas em Fazenda Pública, é bem provável que haja um melhor desempenho do magistrado, do que nas Comarcas que ainda não possuem essa divisão.

    Por derradeiro, trazemos à análise a prerrogativa consistente na restrição à concessão de liminar e à tutela antecipada.

    A Lei nº 8.437 , de 30 de junho de 1992 impede a concessão de medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal (art. 1º).

    É dizer, haverá restrição quando se tratar de ação que vise, por exemplo, pagamentos de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor (art. 1º , § 4º , da Lei nº 5.021 /66); liberação de bens, mercadorias ou coisas de qualquer espécie vindos do estrangeiro (art. 1º da Lei 2.770 /56); reclassificação ou equiparação de servidores públicos (art. da Lei nº 4.348 /64).

    As restrições atingem também o instituto da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, de acordo com o art. da Lei 9.494 /97.

    Nesse contexto, compartilhamos do entendimento da já citada autora Maria Sylvia Zanella di Pietro, em seu artigo "Privilégios da Administração Pública" [ 8 ], no qual a autora ressalta que todas essas restrições à concessão de liminares e tutela antecipada são de valor relativo, pois o Poder Judiciário não pode adotá-las quando estiverem em risco os direitos das pessoas, sob pena de ofensa ao artigo , inciso XXXV , da Constituição Federal . In verbis : "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

    Acrescentando o entendimento da autora, salientamos que em um Estado Democrático de Direito, jamais poderíamos admitir que uma conduta do Poder Legislativo (quando da edição das leis 8.437 /92 e 9.494 /97), obrigue o Poder Judiciário a se abster de julgar cada caso concreto, provocando a adoção de uma posição geral, antecipada e definitiva quanto à concessão desses institutos pelo Juiz. Cada caso é um caso.

    Igualmente, os tribunais superiores vêm assentando entendimento contrário às citadas leis. Prova disso foi a edição da Sumula 323 do Supremo Tribunal Federal na qual se diz inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.

    Nesse sentido o Tribunal Regional Federal da 1ª região no AG -0/BA, AMS nº-0/MG e AMS nº

    -2.

    De mais a mais, entendemos que as prerrogativas da Fazenda Pública em juízo devem se pautar, de modo geral, no interesse público primário, ou seja, aquele que atende aos anseios da população.

    Nesta esteira, tais prerrogativas devem guardar íntima relação com a efetividade (em sentido amplo) do processo, para que não haja exageros capazes de prejudicar os administrados e desvirtuar o objetivo do ordenamento jurídico brasileiro, que consiste na administração da justiça, através de processos judiciais de razoável duração.

    1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 86 e 87.

    2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

    3. Costa, Regina Helena. As prerrogativas e o interesse da Justiça, In Direito Processual Público - A Fazenda Púbica em Juízo, coordenado por Carlos Ari Sundfeld e Cássio Scarpinella Bueno. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 83.

    4. Nesse sentido, DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2005. p. 655-63.

    5. Moraes, José Roberto. Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública., In Direito Processual Público - A Fazenda Púbica em Juízo, coordenado por Carlos Ari Sundfeld e Cássio Scarpinella Bueno. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 67.

    6. GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios Constitucionais e o Código de Processo Civil . São Paulo: José Bushatsky, 1975. p. 31.

    7. Nery Júnior, Nelson. O Benefício de Dilatação do Prazo para o Ministério Público no Direito Processual Civil. Revista de Processo, n. 30, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 109-156, abr./jun.1983. No mesmo sentido: CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2005. p. 34.

    8. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Privilégios da Administração Pública. In Direito Administrativo, 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, pp. 691-698. Material da 1ª aula da disciplina Fazenda Pública em Juízo, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Público UNIDERP/REDE LFG.

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