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26 de Abril de 2024
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    Princípio da insignificância: intervenção mínima do direito penal ou impunidade? - Ana Luiza Moura de Sena e Silva

    há 16 anos

    Como citar este artigo: SILVA, Ana Luiza Moura de Sena e. Princípio da insignificância: intervenção mínima do direito penal ou impunidade? Disponível em http://www.lfg.com.br, 12 de setembro de 2008.


    O princípio da insignificância é alvo de discussões pela doutrina e jurisprudência brasileira no que tange especialmente aos limites da sua aplicação, todavia a sua presença em inúmeros julgados expressa a força que tal princípio apresenta na defesa de um direito penal mínimo e garantista.

    A natureza jurídica da insignificância, como princípio jurídico do Direito Penal, é incontestável por aqueles que defendem sua aplicação.

    Assim, é possível dizer que o princípio da insignificância vem a lume e impõe-se em razão da necessidade de se vislumbrar, na estrutura do tipo penal, um conteúdo material que leve à percepção da utilidade e da justiça de imposição de pena ao autor de um delito. Configura-se, pois, num meio qualificador dos valores da estrutura típica do Direito Penal, já que em face de sua adoção não mais se contenta a simples adequação do fato à norma, com um caráter puramente legalista.

    Dentro dessa natureza principiológica, é lapidar que no campo de um Direito Penal Mínimo se vislumbre com maior destaque a incidência do princípio da insignificância, uma vez que o minimalismo se concretiza na idéia de que o sistema jurídico penal seja reduzido ao mínimo de mecanismos punitivos necessários.

    Vale dizer que a insignificância se traduz na tese de que o Direito Penal deve abster-se de intervir em condutas irrelevantes juridicamente, deixando tal atuação para outras formas menos gravosas, seja no âmbito civil ou administrativo.

    Não há como deixar de traçar um vínculo entre esse princípio e o Direito Penal Mínimo, guiado pelo seu caráter fragmentário e subsidiário. Falar em intervenção mínima do Direito Penal nada mais é do que defender a aplicação do princípio da insignificância no ordenamento jurídico como uma construção dogmática, com base em conclusões de ordem político-criminal, que procuram solucionar situações de injustiça provenientes da falta de relação entre a conduta reprovada e a pena aplicável.

    Por meio desse princípio geral do Direito Penal - princípio da insignificância- permite-se, na maioria dos tipos, excluir, desde logo, danos de pouca monta, havendo de se partir da afirmação de que uma conduta somente pode ser coibida por meio de uma pena quando resulta de todo incompatível com os pressupostos de uma vida pacífica, livre e materialmente assegurada.

    Evidencia-se, desse modo, que o princípio da insignificância atua como base de sustentação de um Direito Penal Mínimo, pois falar em insignificância é falar em princípio da lesividade, em ultima ratio do Direito Penal, em seu caráter fragmentário e subsidiário, no garantismo penal tão difundido por Ferrajoli [ 1 ].

    É com fulcro nessa conjuntura minimalista e de atuação da insignificância que não nos parece precipitado afirmar que a utilidade prática desse princípio salta aos olhos na medida em que se analisa o atual sistema penitenciário brasileiro, no qual as mazelas são notórias, não havendo espaço suficiente para a quantidade de indivíduos que se acham amontoados nos presídios, penitenciárias e cadeias públicas, vivendo em condições desumanas e sem nenhuma perspectiva de re-socialização.

    Assim, o princípio da insignificância assume um inevitável papel social, quando se coloca em prática as idéias defendidas pelo Direito Penal Mínimo, de modo a evitar que autores dos chamados "delitos de bagatela" sejam enviados aos presídios, tão - somente porque as condutas que praticaram estavam minuciosamente descritas em um tipo penal, como se o tipo fosse assim tão avalorativo e como se o direito penal se resumisse ao tipo.

    Em face de tudo isso, mostra-se danosa em todos os sentidos a condenação dos autores de condutas cujo potencial lesivo a bem jurídico é verdadeiramente nulo, embora possam ser encaixadas formalmente ao descrito objetivamente no tipo, em nada se estaria aplicando as garantias penais tão essenciais a nossa ordem jurídica.

    O princípio da insignificância, no que tange à justa aplicação da pena e à correta concepção do tipo, é o elo entre a criminologia e a realidade social que circunda o caso concreto. Logo, dado o seu incomensurável alcance e a incontestável magnitude que apresenta, é mister que o mencionado princípio saia da seara da idealização doutrinária e, invada, a passos largos, o campo das decisões judiciais como expressão concreta da intervenção mínima do direito penal.

    1. Insignificância e a Impunidade

    Mais precisamente pelos que se opõem ao princípio da insignificância, a falta de atuação do Direito Penal nas condutas ditas "bagatelares" ensejaria uma impunidade para os autores de tais delitos, além de gerar grande insegurança jurídica, no que tange à ausência de uma exata definição do que realmente seria insignificante quando da prática delituosa.

    Para os defensores de tais idéias, não seria possível aferir o que é realmente, insignificante, medindo o valor do bem para dar-lhe proteção jurídica. Logo, o princípio seria muito liberal e esvazia o Direito Penal.

    Este não nos parece ser o melhor entendimento acerca do princípio da insignificância, pois o direito deve andar em consonância às inovações que aperfeiçoem a sua aplicação.

    Não há dúvidas que se torna inconcebível aceitar que o autor de um fato insignificante fique totalmente impune. Não é isso a que se propõe com a aplicabilidade do princípio da insignificância. Alguma sanção ele pode e deve ter que experimentar, tudo vai depender do caso concreto, a sanção pode ser moral, civil, trabalhista, administrativa etc. O que não se justifica, evidentemente, é a incidência da solução mais drástica, qual seja a intervenção do Direito Penal, que resulta nas mais drásticas conseqüências à vida do condenado.

    Alega-se, ainda, que a adoção da insignificância traria para a sociedade a sensação de ausência de proteção jurídica, como asseverou SANGUINÉ [ 2 ]:

    A adoção do princípio da insignificância, para alguns, gera o perigo de um recuo do direito penal, com o alastramento de ausência de direito e de tutela jurídica, sem qualquer compensação e com conseqüências incontroláveis.

    Tal crítica não merece respaldo, posto que decorre puramente da falta de reconhecimento da natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal. O que se pretende é fazer com que condutas pouco expressivas em termos de violação dos bens tutelados pelo ordenamento jurídico passem a ser tratadas através de um controle social, fora do direito penal, por seu caráter de bagatela. Não se busca tornar lícito o que é ilícito, mas, tão somente, dar um tratamento diferenciado, com análise e solução por outro ramo do direito, levando-se em consideração todas as circunstâncias concomitantes, muitas vezes adversas à própria vontade do sujeito ativo da figura típica.

    Devemos reconhecer, contudo, que algumas resistências ao princípio da insignificância podem até ser aceitáveis em razão da sua inexatidão conceitual, porém tal princípio deve ser aplicado seguindo os parâmetros do caso concreto em análise, ou seja, a fragmentariedade do direito penal, como corolário da intervenção mínima, atuará como guia norteador da insignificância. Não se fala aqui numa utilização sem parâmetro do princípio da insignificância, de maneira a gerar impunidade aos autores de crimes efetivamente praticados. Não é isso que busca aquele princípio.

    O que se propõe é a exigência de uma ofensa material suficiente para acarretar a atuação estatal. Não existe necessidade em iniciar um processo de persecução criminal, traumatizante ao acusado, sem ocorrência substancial de lesão. É a isso que se opõe os defensores do princípio da insignificância.

    Não seria justa, por exemplo, a aplicação da mesma pena a um indivíduo que subtrai coisa alheia móvel no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) e a outro que pratica, nas mesmas condições, um furto no valor de R$ 3,00 (três reais). Como se vê, nos parece se tratar de injustiça e não de impunidade.

    Em suma, nos parece que a aplicação do princípio da insignificância não deve ser confundida com impunidade ou ausência de tutela jurídica, mas encarado como um avanço na análise da conjuntura criminal atual, guiando-se por preceitos de ordem constitucional e tendo os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana como base na intervenção penal.

    Em suma, o princípio da insignificância ou delito de bagatela se manifesta a partir da existência de uma lesão ou dano mínimo, que não proporciona um prejuízo relevante a outrem, não exigindo os rigores do direito penal.

    Defende o princípio da insignificância que o Estado não deve acionar sua máquina penal diante de fatos de pouca relevância jurídica, contribuindo, dessa forma, para a morosidade e para o dispêndio do erário público, além de comprometer a celeridade e o bom funcionamento do judiciário na resolução de litígios de maior importância social.

    Estruturado nos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade, o princípio decorrente da criminalidade de bagatela se apresenta como um vetor interpretativo restritivo da aplicação do Direito Penal, restringindo-o às lesões ou perigo de lesões consideradas relevantes socialmente. Atua, dessa maneira, como uma excludente de tipicidade que, tendo como base a divisão da tipicidade elaborada pela moderna teoria do tipo em tipicidade formal e material, exclui do rol de tutela penal os crimes de pequena e insignificante monta. Assim, uma conduta insignificante, ou seja, isenta de um resultado socialmente danoso, é atípica, pois lhe falta a tipicidade material, a despeito de possuir uma aparente tipicidade formal.

    A exclusão das condutas irrelevantes do Direito Penal indica a necessidade da resolução dos litígios em outras esferas do direito, tais como o direito civil ou administrativo. Dessa maneira, apoiado nos ditames do Direito Penal Mínimo, se os comportamentos decorrentes da criminalidade de bagatela podem ser alvo de sanções extra penais, não há necessidade de qualquer atuação penal. O Estado, diante do caráter subsidiário do Direito Penal, não deve recorrer a ele se possível a proteção do bem jurídico através de meios extra penais de controle social.

    A insignificância penal apresenta o princípio da intervenção mínima como uma base precípua para a sua aplicabilidade, tomando como parâmetro o princípio da lesividade, de maneira a possibilitar a análise mais objetiva das situações tidas pela doutrina e jurisprudência como insignificantes. Não obstante, a desconsideração do princípio da insignificância compromete os valores da liberdade e da dignidade da pessoa humana, princípios estes que devem ser observados diante da intenção de se utilizar o sistema repressivo penal, visto que o tolhimento da liberdade é monopólio do Estado, evitando, dessa maneira, formas absurdas e ilegítimas de constrangimento.

    A análise da jurisprudência pátria permite concluir pela aceitação ponderada do princípio pelos tribunais como um instrumento de interpretação restritiva, descriminalizando condutas que, embora aparentemente típicas, não apresentam uma lesão significativa ao bem jurídico. Como um princípio, deve ser eivado de uma aplicabilidade cautelosa, tornando necessária, para legitimá-lo, uma análise particular de cada caso, com estudo das variáveis pertinentes.

    A fixação de limites para a adoção do princípio é o principal empecilho para a sua aplicabilidade pelos tribunais do país. No entanto, a partir de novas variáveis inseridas pelos tribunais superiores, tornou-se possível estabelecer parâmetros para a aplicação do princípio, a partir de critérios como o desvalor da ação, do resultado, o grau de lesividade do bem jurídico tutelado e a noção da nocividade social.

    Defende o Supremo Tribunal Federal, em julgado de grande relevância para a consolidação do princípio da insignificância, que devem ser considerados para legitimar a aplicabilidade do princípio, a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

    Contudo, a análise dos julgados ainda insere dúvidas a respeito da necessidade da consideração de critérios subjetivos, como a culpabilidade do agente, antecedentes criminais e as demais circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal . Os acórdãos dos tribunais penais pátrios enfatizam a necessidade de serem analisadas todas as vertentes e circunstâncias da situação fática observadas, defendendo, a despeito do posicionamento da maior parte da doutrina, a observância das circunstâncias pessoais do agente.

    Já as vozes doutrinárias defendem que a aplicabilidade do princípio da insignificância depende exclusivamente da análise dos critérios do desvalor da conduta e do resultado, de maneira a aferir o grau quantitativo-qualitativo da lesividade da conduta em relação ao bem atingido, não sendo considerados critérios de ordem subjetiva relacionadas com a conduta ou com as condições pessoais do agente. Excluiriam-se, dessa maneira, as denominadas circunstâncias judiciais, previstas no art. 59 do Código Penal .

    Observa-se, dessa maneira, que, embora o princípio da insignificância ainda suscite dúvidas nos campos jurisprudenciais e doutrinários, no tocante aos limites da sua aplicabilidade, o seu reconhecimento nos tribunais pátrios e na doutrina é crescente e inevitável. Não mais existem divergências sobre a possibilidade da sua aplicação, a despeito de ainda emergirem vozes defendendo a sua ilegalidade ou a impossibilidade de sua aplicação por ausência de previsão legal ou de definições objetivas.

    O princípio da insignificância é um elemento de compreensão e interpretação do Direito Penal, na tentativa de enfatizar o seu caráter subsidiário e fragmentário, esquecido em virtude de um pensamento social direcionado para a repressão penal como único meio de obtenção da paz social.

    Diante da visibilidade cada vez maior dos grandes crimes cometidos pelos grupos mais favorecidos da sociedade e de um sistema penal complexo e por vezes meramente simbólico, a impunidade deixa transparecer um Direito Penal ineficaz. No entanto, a ocupação desse mesmo sistema com crimes ínfimos e irrelevantes só traz à tona a expressão popular e quase sempre verdadeira que o Direito Penal é para os pobres.

    A insignificância penal, construída nos moldes de um Direito Penal Mínimo, sugere um sistema repressivo penal voltado para as condutas realmente necessitadas da ação penal.

    Desta feita, o Direito Penal deve atuar apenas quando insuficientes os demais ramos do direito e somente diante de condutas que realmente lesionem o bem jurídico tutelado penalmente. Não há que se falar em impunidade ou em descriminalização de condutas, visto que o conteúdo do princípio da insignificância, como mais um meio interpretativo do Direito Penal, nada mais afirma que a importância e a relevância do Direito Penal no sistema jurídico, não devendo ele, portanto, se ocupar com bagatelas.

    Pois bem, a aplicação da insignificância nos crimes que não afetem de forma relevante um bem jurídico não se traduz em impunidade, mas num Direito Penal moderno em consonância com o princípio constitucional da dignidade pessoa humana.

    O Direito Penal deve ter como fim maior a certeza de que a sua aplicabilidade é útil e efetiva para a sociedade e que a sua intervenção trará ao ordenamento jurídico mais resultados positivos do que negativos.

    O que deve ser compreendido, em síntese, é que o princípio da insignificância não surge para aumentar a descrença da sociedade no Poder Judiciário, sobretudo, no direito penal e sim para propiciar que apenas casos de relevante violação a ordem jurídica devem ser apreciados penalmente com a sua conseqüente intervenção. Ainda que sob o âmbito estritamente legalista, o furto de um pote de shampoo seja uma conduta típica, antijurídica e culpável, num âmbito axiológico e valorativo da conduta típica não há crime diante da inexistência de uma tipicidade material, acarretando a não intervenção penal e as suas seqüelas atentatórias a liberdade humana.

    1. FERRAJOLI, 2002.

    2. SANGUINÉ, 2004, V.3, p. 48.

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