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    O Supremo e a omissão do Poder Legislativo - Jornal " Valor ECONÔMICO" - 29/09/2008

    há 16 anos

    O Senado Federal aprovou regras sobre o nepotismo no ano de 1997. Desde o fim dos anos 90 até hoje, o que temos visto diretamente de Brasília é que a Câmara dos Deputados vem empurrando o assunto com a barriga, sob os mais variados e duvidosos pretextos. Mas o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu colocar um basta nisso. Uma das principais razões para a recente edição da Súmula Vinculante nº 13, que proíbe o nepotismo nos três poderes, pelo Supremo, reside nessa omissão legislativa. Durante décadas, nossa corte suprema, sob o império da visão legalista - de que todo o direito está fundado na lei -, sempre aceitou servilmente a renitente omissão do legislador. Dizia-se: sem lei nada pode ser feito.

    Agora, com a vigência da matriz constitucionalista, considerando-se que a lei foi destronada e que a importância do legislador foi mitigada, uma vez constatado o vácuo legislativo, vem o Supremo assumindo uma nova postura, a de regrador geral do país. Ou seja: tolerância zero para as omissões legislativas. Se quem dá as regras tem as rédeas na mão, parece lícito concluir que o Supremo, decisivamente, neste século XXI, está assumindo o posto de "senhor do direito".

    Alguns parlamentares, pouco afeitos ao novo paradigma do neoconstitucionalismo, vêm se insurgindo contra as recentes decisões da corte suprema. Argumentam tratar-se de invasão de competência, esvaziamento do Poder Legislativo etc. As críticas, de um modo geral, não procedem porque o Supremo, ao editar súmulas vinculantes, nada mais está do que agindo dentro do que lhe permite a Constituição Federal , aprovada pelo próprio Congresso Nacional em 1988.

    De qualquer modo, é certo que o novo ativismo judicial do Supremo está impregnado de vários riscos. O primeiro deles reside no enfraquecimento da democracia. Deputados e senadores são os legítimos e diretos representantes da sociedade. O produto legislativo que resulta das atividades dos parlamentares, portanto, quando compatível com a Constituição , é muito mais democrático que uma norma do Poder Judiciário. Por outro lado, atuando o Supremo como legislador ativo, há sempre também o risco de "aristocratização do direito", ou seja, o direito pode derivar de uma casta elitizada, e não da vontade dos representantes do povo. Conforme a composição do Supremo, pode-se, ademais, descambar para uma "hipermoralização do direito", que significa priorizar as regras morais sobre o direito positivado.

    Caso os magistrados do Supremo venham a se engajar com as ondas involutivas do estado de polícia, há também o risco de "hitlerização do direito" (direito nazista). Se conferirem primazia para a religião, em detrimento das regras jurídicas, há a ameaça da "fundamentalização do direito" (direito fundamentalista). Se não observarem nenhuma regra vigente no momento das decisões, pode-se chegar à "alternativização do direito" (direito alternativo). O direito construído pelo Supremo, de outro lado, pode resultar absurdamente "antigarantista" - aliás, essa é a censura que muitos já estão fazendo em relação à Súmula Vinculante nº 5, que dispensa a presença de advogado nos processos disciplinares.

    Para se evitar a ocorrência de qualquer um desses riscos, é importante analisar quais as precauções que podem ser tomadas. A meu ver, são inúmeras, a começar por uma mudança na postura do Legislativo, que não pode ser um poder omisso. Há, também, a necessidade imperiosa de se melhorar a técnica legislativa. Ao mesmo tempo, é imprescindível ao legislador desprender-se de pretensões monopolizantes e preocupar-se em elaborar leis mais modestas, mais genéricas. É preciso, ademais, justificar melhor suas opções legisferantes, evitando-se a produção autoritária de normas. O Legislativo, embora eleito diretamente pelo povo, não deveria nunca mandar para sanção presidencial uma nova lei sem antes ouvir, depois de redigido o texto, uma comissão de especialistas no assunto. Evitaria, com isso, a promulgação de leis de constitucionalidade duvidosa.

    Diante destes questionamentos inevitáveis, há um específico para os magistrados do Supremo: o que devem eles fazer? Se os juízes dão a última configuração do direito, impõe-se descobri-lo profundamente. De outro lado, mais cultura constitucional, mais filosofia jurídica e, acima de tudo, vigilância permanente no seu autocontrole. O "self-restraint" deve conduzir tais juízes à ponderação, ao equilíbrio e à reflexão. O confronto de opiniões é inevitável, assim como a consulta à jurisprudência constitucional dos tribunais e países que contam com similitude cultural com o Brasil.

    Por ora, o Supremo vem legislando adequadamente, mas no exercício dessa função não se pode julgar soberano e nem soberbo. O risco de uma produção legislativa autoritária nunca pode ser menosprezado.

    Luiz Flávio Gomes é professor doutor em direito penal pela Universidade de Madri, mestre em direito penal pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG

    Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

    Artigo publicado originalmente em 29/09/2008, no jornal "Valor ECONÔMICO" e no site: http://www.valoronline.com.br/ValorImpresso/MateriaImpresso.aspx?tit=O+Supremo+e+a+omissão+do+Poder+Legislativo&dtmateria=29/09/2008&codmateria=5171742&codcategoria=197

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/o-supremo-e-a-omissao-do-poder-legislativo-jornal-valor-economico-29-09-2008/115378

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