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19 de Abril de 2024
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    Opinião do autor - Direito e analogia

    há 16 anos


    É comum dar-se à analogia, no direito e fora dele, tratamento secundário, por se pressupor, em geral, que o meio mais apropriado para a interpretação/aplicação do direito é a subsunção, em nome da segurança jurídica principalmente. Afirma-se assim que a analogia só é admitida no direito penal quando for para beneficiar o réu (in bonam partem), jamais para prejudicá-lo (in malam partem); distingue-se ainda analogia de interpretação analógica, que seriam institutos distintos.

    Ocorre, no entanto, que, se, conforme vimos, um conceito surge da postulação de identidade de coisas não idênticas (v.g., a única coisa em comum entre matar alguém e soltar balões é sua tipificação jurídico-penal), força é convir que a analogia não constitui um elemento acidental, mas essencial ao conhecimento, porque os juízos sobre o belo, o justo ou o legal são construídos em verdade a partir de comparações, de analogias, isto é, recorrendo-se, conscientemente ou não, a experiências (sempre novas) de beleza, de justiça e de legalidade, uma vez que algo é belo, justo ou legal em relação (comparação) a alguma outra coisa. Nossos juízos de valor são juízos analógicos.

    Significa dizer que a analogia está assim subjacente a nossos juízos éticos, estéticos, jurídicos etc., ainda quando dele não nos apercebemos, de modo que, quando afirmamos, por exemplo, que algo ou alguém é bom ou ruim, partimos sempre de nossas referências/experiências (permanentemente em mutação) sobre tais assuntos; e se eventualmente somos questionados ou contestados sobre o juízo que expressamos a esse respeito, não raro dizemos que "não tem comparação", "é incomparável", "não há nada igual" etc.

    Exatamente por isso, isto é, formamos nossos juízos a partir de experiências analógicas, é que, com freqüência, o que antes julgávamos belo ou justo julgamos agora feio ou ultrapassado ou injusto e vice-versa. É que mudam nossos objetos de comparação, mudam as nossas experiências, mudam os nossos juízos sobre as coisas, mudamos enfim nós mesmos. Naturalmente que isso não significa que coisas antigas se tornem necessariamente piores ou desinteressantes com o passar do tempo, embora possam se tornar ultrapassadas (v.g., arquitetura, bens de consumo etc.); e mesmo quando as coisas não mudam, muda nossa percepção sobre elas.

    Mas a analogia é essencial ao conhecimento, jurídico em especial, por um outro motivo: ao recorrerem, na fundamentação de suas decisões, a leis, precedentes judiciais ou doutrina, juizes e tribunais, a pretexto de fazerem subsunção, em realidade fazem analogia, pois as situações em comparação nunca são idênticas, mas mais ou menos semelhantes. Dito de outro modo: as leis, precedentes, doutrina e situações a que se referem nunca são absolutamente iguais nem absolutamente desiguais, e sim, mais ou menos análogos; e quando as semelhanças prevalecem sobre as dessemelhanças - e isso requer um juízo de valor sempre questionável -, damos-lhe tratamento unitário; caso contrário, damos-lhe solução diversa. Com efeito, não existe, v.g., um furto nem um homicídio absolutamente idêntico a outro, pois as múltiplas variáveis, de tempo e espaço inclusive, que sempre envolvem tais atos, tornam cada ação singular, única.

    Por isso que os casos habituais de subsunção são em verdade casos de analogia, pois, conforme assinala Arthur Kaufmann, só se poderia separar logicamente subsunção e analogia, se existisse uma fronteira lógica entre igualdade e semelhança, mas tal fronteira não existe, porque a igualdade material é sempre mera semelhança e a igualdade formal não ocorre na realidade existindo apenas no domínio dos números e sinais matemáticos (lógico-formais)[1].

    Por fim, não faz sentido falar de interpretação analógica, por se tratar de mais um caso de analogia.

    1. Filosofia do Direito, cit., p. 186.

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