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20 de Maio de 2024

Lei Maria da Penha: aplicação para situações análogas

há 15 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Lei Mmaria da Penha: aplicação para situações análogas. Disponível em http://www.lfg.com.br 26 junho. 2009.

Objetivos da lei Maria da Penha : a Lei 11.340 /2006 (lei Maria da Penha) criou mecanismos para coibir a violência doméstica, familiar ou no âmbito de relacionamentos íntimos (relação de afeto). Assinalou como sujeito passivo dessa violência a mulher. A preocupação central da lei, como se vê, não foi disciplinar (toda) a violência doméstica (fenômeno muito grave no nosso país), que tem como sujeito passivo qualquer pessoa. Buscou-se especificamente a tutela da mulher, não por razão de sexo, sim, em virtude do gênero.

Violência de gênero (conceito): sexualmente falando a diferença entre o homem e a mulher é a seguinte: o homem faz a mulher engravidar; a mulher menstrua, faz a gestação e amamenta. Fisicamente falando essa é a diferença. Fora disso, qualquer outro tipo de distinção é cultural (e é aqui que reside a violência de gênero). Cada sociedade (e cada época) forma (cria) uma identidade para a mulher e para o homem. O modo como a sociedade vê o papel de cada um, com total independência frente ao sexo (ou seja: frente ao nosso substrato biológico), é o que define o gênero. Todas as diferenças não decorrentes da biologia e "impostas pela sociedade" são diferenças de gênero.

O homem tem "direito" de bater na "sua" mulher?: pesquisa da ONG Promundo, com homens jovens da Maré, no Rio, mostrou que 35% acham "justificável" bater em mulher quando ela se veste ou se comporta de maneira provocante (O Globo de 30.03.09, p. 10). Mais: 10% acham que é legítimo o uso de violência psicológica contra a mulher e 15% admitiram que bateram em "sua" mulher nos últimos seis meses. Essa crença popular de que o homem pode bater na mulher é que expressa a violência de gênero (que é, repita-se, cultural).

Números que comprovam a violência machista: a cada dezoito segundos uma mulher é agredida no planeta (dados da ONU, segundo Xavier Torres, no prefácio do livro Maltrato, um permiso milenario, de Ana Kipen e Mônica Caterberg, Barcelona: Internón Oxfam, 2006, p. 23). No Brasil temos um espancamento contra a mulher em cada quinze segundos (pesquisa levantada por Alice Bianchini junto à Fundação Perseu Abramo). Isso justifica que preocupação número um das mulheres no Brasil continue sendo a violência doméstica (56%, conforme Pesquisa feita com duas mil pessoas em todas as regiões do país, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 2009 - Ibope e Instituto Avon).

Justificação da constitucionalidade da lei: a diferença de tratamento (criada pela cultura - sociedade - marcadamente machista), que está na base da violência do homem contra a mulher, justifica de forma irrefutável a constitucionalidade de todas as medidas protetivas previstas na lei Maria da Penha . Note-se que, na parte criminal, o tratamento é igualitário (ou seja: a pena para o delito de homicídio ou de lesão corporal é idêntica, não importa quem foi o autor e a vítima). O que a lei trouxe de novidade foi uma decisiva carga protetiva pró mulher, que é a que mais sofre nesse embate familiar e doméstico. Isso feriria a isonomia? Não. O princípio da igualde é não somente formal, senão sobretudo material. Cabe à lei tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente. Em matéria de violência de gênero a mulher é desigual em relação ao homem. Logo, deve ser tratada de maneira diferente. Não existe uma discriminação odiosa, não justificada, em favor da mulher. Ao contrário, é com as medidas protetivas da lei que se busta o equilíbrio. A mulher, no contexto cultural em que vivemos, necessita dessa proteção (não, obviamente, por se tratar da machista visão de sexo frágil), porque ela é a que mais sofre.

Aplicação analógica da lei Maria da Penha : as medidas protetivas desta lei poderiam ser aplicadas analogicamente em favor de outras pessoas? Desde que se constate alguma analogia fática, sim. Por exemplo: violência doméstica contra o homem. Nesse caso, constatada que a violência está sendo utilizada pela mulher como uma forma de imposição, não há dúvida que todas as medidas protetivas da Lei 11.340 /2006 podem favorecer o homem, impondo-se a analogia in bonam partem (TJMG, Apel. Crim. 1.0672.07.249317-0, rel. Judimar Biber, j. 06.11.07). Nesse mesmo sentido, decisão do juiz Mário R. Kono de Oliveira (Cuiabá-MT), que sublinhou: o homem que, em lugar de usar violência, busca a tutela judicial para sua situação de ameaça ou de violência praticada por mulher, merece atenção do Poder Judiciário.

Agressões familiares entre militares: o militar que agride a mulher também militar, no ambiente doméstico, comete crime comum ou militar? Três posições: (a) o crime é militar, por força do art. , I , a , do Código Penal militar , não se podendo aplicar nenhum dispositivo da lei Maria da Penha ; (b) o crime é comum e aplica-se totalmente a lei Maria da Penha; (c) o crime é militar impróprio, podendo ter incidência a lei Maria da Penha (na sua parte protetiva). Para nós, a terceira corrente é a mais ajustada. Embora a lei Maria da Penha esteja voltada para a criminalidade comum, é certo que suas medidas protetivas podem ter incidência analógica benéfica mesmo quando o delito seja militar. Em outras palavras: a natureza militar da infração não impede a incidência das medidas protetivas da lei Maria da Penha , porque se trata de uma aplicação analógica benéfica.

Aplicação analógica favorável da lei de forma ampla: diante de tudo quanto foi exposto, parece-nos acertado afirmar que, na verdade, as medidas protetivas da lei Maria da Penha podem (e devem) ser aplicadas em favor de qualquer pessoa (desde que comprovado que a violência teve ocorrência dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo). Não importa se a vítima é transexual, homem, avô ou avó etc. Tais medidas foram primeiramente pensadas para favorecer a mulher (dentro de uma situação de subordinação, de submetimento). Ora, todas as vezes que essas circunstâncias acontecerem (âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, submissão, violência para impor um ato de vontade etc.) nada impede que o Judiciário, fazendo bom uso da lei Maria da Penha , venha em socorro de quem está ameaçado ou foi lesado em seus direitos. Onde existem as mesmas circunstâncias fáticas deve incidir o mesmo direito.

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