Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Subtração de uma bicicleta: é fato insignificante?

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Subtração de uma bicicleta: é fato insignificante?. Disponível em http://www.lfg.com.br 06 julho. 2009.

    O sujeito subtrai uma bicicleta, de R$ 70,00, de um trabalhador pobre, e, em seguida, uma garrafa de uísque (de um estabelecimento comercial). É possível aplicar o princípio a insignificância nesse caso?

    Proposições possíveis, dentre outras:

    Consoante a decisão do STF, (Primeira Turma), no HC 96003/MS , as respostas seriam as seguintes:

    a) sim, porque deve ser levado em conta exclusivamente o valor do objeto.

    Assertiva falsa

    b) não, porque deve ser levado em conta também as posses da vítima.

    Assertiva verdadeira

    c) sim, porque não importa se foram dois fatos.

    Assertiva falsa

    d) não, porque importa sim serem dois fatos.

    Assertiva verdadeira

    Decisão da Primeira Turma do STF: "A Turma indeferiu habeas corpus em que se pleiteava a aplicação do princípio da insignificância a condenado por 2 furtos praticados contra vítimas distintas. No caso, o paciente subtraíra para si uma bicicleta - avaliada em R$ 70,00 - e, em ato contínuo, dirigira-se a estabelecimento comercial, onde furtara uma garrafa de uísque - avaliada em R$ 21,80 -, sendo preso em flagrante. Entendeu-se que não estariam presentes os requisitos autorizadores para o reconhecimento desse princípio. Aduziu-se que o paciente, ao cometer 2 crimes de furto em concurso material, com vítimas distintas, demonstrara possuir propensão à prática de pequenos delitos, os quais não poderiam passar despercebidos pelo Estado. Asseverou-se que, embora o reconhecimento da atipicidade penal pela insignificância dependa da constatação de que a conduta seja a tal ponto irrelevante - desvalor da ação e do resultado - que não seja razoável impor-se a sanção penal descrita na lei, isso não ocorreria na espécie. Enfatizou-se que a bicicleta fora furtada de pessoa humilde e de poucas posses, que a utilizava para se deslocar ao seu local de trabalho, de modo a revelar que esse bem era relevante para a vítima, e cuja subtração repercutira expressivamente em seu patrimônio. Por fim, considerou-se que a situação dos autos fora devidamente enquadrada como infração de pequeno valor, na qual incidente causa de diminuição de pena referente ao furto privilegiado (CP , art. 155 , § 2º), distinguindo-a, no ponto, da figura da infração insignificante, que permite o reconhecimento da atipicidade da conduta. HC 96003/MS , rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2.6.2009 ". (Informativo 549 do STF).

    Fundamentos da rejeição: no HC 96.003-MS , a Primeira Turma do STF não aplicou o princípio da insignificância no caso concreto descrito por duas razões: (a) porque o agente praticou dois fatos seguidos (o que revela propensão à prática de pequenos furtos); (b) a vítima era pobre (para ela a bicicleta era de grande significância).

    Vetores orientativos: não temos nas leis brasileiras os critérios de aplicação do princípio da insignificância. São os juízes que estão construindo esses critérios. No HC 84.412-SP , o Min. Celso de Mello fixou os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta, (b) a ausência de periculosidade social da ação, (c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica. Esses vetores vêm sendo observados, de um modo geral, pelos juízes e tribunais.

    Caso concreto: o voto proferido pelo Min. Ricardo Lewandowski deixou claro a indispensabilidade da análise do caso concreto para a aplicação do princípio da insignificância. Todos os vetores orientadores da aplicação do referido princípio devem ser analisados concretamente.

    Pontos decisivos: dois pontos foram decisivos: (a) o fato de o autor ter praticado duas subtrações seguidas; (b) o fato de a vítima ser pobre (ou seja: na aplicação do princípio da insignificância também entra em consideração o patrimônio da vítima ou a relevância do objeto para a vítima, nas circunstâncias em que ela se encontra). Por exemplo: a subtração de uma garrafa d´água, normalmente, é insignificante. Mas se o agente faz isso quando a vítima está atravessando o deserto do Saara, o fato deve ser valorado de forma totalmente distinta.

    Patrimônio ou circunstâncias da vítima: a subtração de uma bicicleta pode ser ou não ser insignificante. Normalmente é. Mas no caso em comento, a mesma fora furtada de pessoa humilde que a utilizava como meio de transporte para o trabalho. Essa circunstância torna impossível a aplicação da insignificância. Foi esse o entendimento firmado pelo Ministro Lewandowski: verificou-se (acertadamente) a ausência do desvalor do resultado (consequência gerada à vítima - perda do seu meio de transporte para trabalhar, possivelmente único bem).

    Para muitos, uma bicicleta pode, realmente, ser insignificante, para a vítima desse caso concreto, não. Uma coisa é furtar uma bicicleta, por exemplo, de um empresário rico e, outra, completamente distinta, é furtá-la uma pessoa nessas condições. Por isso, ressaltamos, mais uma vez, a importância da análise de cada caso concreto para a aplicação desse tão importante princípio.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876171
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações807
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/subtracao-de-uma-bicicleta-e-fato-insignificante/1503309

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)