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20 de Abril de 2024

STJ manifesta-se sobre adoção à brasileira e paternidade sócioafetiva (Info. 400).

há 15 anos

Informativo n. 0400

Período: 22 a 26 de junho de 2009.

As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Assessoria das Comissões Permanentes de Ministros, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.

TERCEIRA TURMA

ADOÇÃO À BRASILEIRA. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA.

Na espécie, o de cujus, sem ser o pai biológico da recorrida, registrou-a como se filha sua fosse. A recorrente pretende obter a declaração de nulidade desse registro civil de nascimento, articulando em seu recurso as seguintes teses: seu ex-marido, em vida, manifestou de forma evidente seu arrependimento em ter declarado a recorrida como sua filha e o decurso de tempo não tem o condão de convalidar a adoção feita sem a observância dos requisitos legais. Inicialmente, esclareceu o Min. Relator que tal hipótese configura aquilo que doutrinariamente se chama de adoção à brasileira, ocasião em que alguém, sem observar o regular procedimento de adoção imposto pela Lei Civil e, eventualmente assumindo o risco de responder criminalmente pelo ato (art. 242 do CP), apenas registra o infante como filho. No caso, a recorrida foi registrada em 1965 e, passados 38 anos, a segunda esposa e viúva do de cujus pretende tal desconstituição, o que, em última análise, significa o próprio desfazimento de um vínculo de afeto que foi criado e cultivado entre a registrada e seu pai com o passar do tempo. Se nem mesmo aquele que procedeu ao registro e tomou como sua filha aquela que sabidamente não é teve a iniciativa de anulá-lo, não se pode admitir que um terceiro (a viúva) assim o faça. Quem adota à moda brasileira não labora em equívoco. Tem pleno conhecimento das circunstâncias que gravitam em torno de seu gesto e, ainda assim, ultima o ato. Nessas circunstâncias, nem mesmo o pai, por arrependimento posterior, pode valer-se de eventual ação anulatória, postulando desconstituir o registro. Da mesma forma, a reflexão sobre a possibilidade de o pai adotante pleitear a nulidade do registro de nascimento deve levar em conta esses dois valores em rota de colisão (ilegalidade da adoção à moda brasileira, de um lado, e, de outro, repercussão dessa prática na formação e desenvolvimento do adotado). Com essas ponderações, em se tratando de adoção à brasileira a melhor solução consiste em só permitir que o pai adotante busque a nulidade do registro de nascimento quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de socioafetividade com o adotado. Após formado o liame socioafetivo, não poderá o pai adotante desconstituir a posse do estado de filho que já foi confirmada pelo véu da paternidade socioafetiva. Ressaltou o Min. Relator que tal entendimento, todavia, é válido apenas na hipótese de o pai adotante pretender a nulidade do registro. Não se estende, pois, ao filho adotado, a que, segundo entendimento deste Superior Tribunal, assiste o direito de, a qualquer tempo, vindicar judicialmente a nulidade do registro em vista da obtenção do estabelecimento da verdade real, ou seja, da paternidade biológica. Por fim, ressalvou o Min. Relator que a legitimidade ad causam da viúva do adotante para iniciar uma ação anulatória de registro de nascimento não é objeto do presente recurso especial. Por isso, a questão está sendo apreciada em seu mérito, sem abordar a eventual natureza personalíssima da presente ação. Precedente citado : REsp 833.712-RS , DJ 4/6/2007. REsp 1.088.157-PB, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 23/6/2009.

NOTAS DA REDAÇÃO

As razões expostas no presente informativo são muito claras e precisas, servindo de importante fonte de pesquisa aos estudiosos, no que tange à adoção à brasileira e a paternidade sócio-afetiva. Sendo assim, faremos breves comentários acerca dos dispositivos legais que regram a matéria.

É possível afirmar que o grande março legislativo, sem dúvida, foi a previsão inserta na Constituição Federal de 1988, no artigo 226, § 6º, que pôs fim a absurda diferenciação que havia até então, não apenas de qualificação, mas quanto aos direitos que poderiam ser reconhecidos em favor dos filhos tidos como naturais, em desfavor daqueles cuja concepção fosse feita fora do casamento.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

(...)

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação .(grifos nossos).

No mesmo sentido, o novo Código Civil de 2002 também previu expressamente a regra acima defendida pela Carta Maior, no artigo 1596 que prescreve:

Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

O Código Penal, por sua vez, incrimina o fato de quem registra como seu o filho de outrem, apenando com reclusão de dois a seis anos. Trata-se de crime contra o estado de filiação, cuja conduta que aqui nos interessa é a de inscrever no registro civil como sendo seu filho o de outra pessoa, fato anteriormente punido como crime de falsidade ideológica. É a chamada adoção à brasileira:

Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de recém-nascido

Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem ; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena - reclusão, de dois a seis anos . (grifos nossos).

Como se vê, as normas em vigor punem com severidade os responsáveis por uma "adoção à brasileira". As sanções de ordem civil, por exemplo, vão desde a anulação do assento de nascimento maculado pelo vício acima mencionado, até a possível retirada do adotado do convívio do casal responsável pelo ato. Por outro lado, vale mencionar o entendimento de Maria Berenice Dias sobre o assunto. Trata-se de uma visão social sobre a matéria que visualiza o lado prático e humano de alguns institutos do direito de família. Serve de reflexão sobre a verdadeira função social da prestação jurisdicional e do valor que os operadores do direito podem ter na sociedade.

"Filiação socioafetiva, adoção à brasileira, posse do estado de filho são novos institutos construídos pela sensibilidade da Justiça, que tem origem no elo afetivo e levam ao reconhecimento do vínculo jurídico da filiação. É de tal ordem a relevância que se empresta ao afeto que se pode dizer agora que a filiação se define não pela verdade biológica, nem a verdade legal ou a verdade jurídica, mas pela verdade do coração (...) Há filiação onde houver um vínculo de afetividade. Aliás, essa palavra está referida uma única vez no Código Civil, exatamente quando fala da proteção à pessoa dos filhos, ao dizer que a guarda deve ser deferida levando em conta a relação de afinidade e afetividade (1.584, parágrafo único). Quando se trilha o caminho que busca enlaçar no próprio conceito de família o afeto, desprezá-lo totalmente afronta não só a norma constitucional que consagra o princípio da proteção integral, mas também o princípio maior que serve de fundamento ao Estado Democrático de Direito: o respeito à dignidade de crianças e adolescentes.". DIAS, Maria Berenice. Adoção e a espera do amor . Disponível em: www.mariaberenicedias.com.br.

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Excelente publicação, bem objetiva. Mas, uma dúvida me surgiu em razão do exposto. A questão patrimonial! Por Exemplo, se o Bruno (pai biológico) vier a falecer, sendo o Vitor ainda menor, tendo no seu registro civil o André como pai (adoção à brasileira - pai socioafetivo). Sendo que o Bruno, em reconhecimento de paternidade (DNA) foi reconhecido como o pai biológico. De acordo com o STJ o documento civil do Vitor permanecendo com o Bruno como pai. Em caso de falecimento do Bruno, o filho biológico seria herdeiro? E em caso de falecimento do André, o filho socioafetivo seria herdeiro? Meio confuso. Não consegui chegar a conclusão alguma. Desde já agradeço. continuar lendo