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19 de Abril de 2024
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    Médico, acusado de associação para o tráfico, obtém liberdade provisória

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Médico, acusado de associação para o tráfico, obtém liberdade provisória. Disponível em http://www.lfg.com.br 03 julho. 2009.

    Um médico realizou um parto e, ao mesmo tempo, retirou substância entorpecente do corpo da grávida. Foi preso, em seguida, sob acusação de ter cometido o crime de associação para o tráfico de drogas. Questionamentos:

    1º) Qual o tipo legal do crime de associação ao tráfico de drogas? Com o advento da Lei nº. 11.343/06, o crime passou a ser previsto em seu art. 35. A conduta típica consiste em associarem-se duas ou mais pessoas com o objetivo de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos artigos 33, "caput" e 1o, e 34 da Lei Antidrogas.

    2º) O crime de associação para o tráfico pode ser considerado crime hediondo? Não, pois não representa o tráfico de entorpecentes em si, mas apenas a finalidade para realizá-lo.

    3º) Quando ocorre a consumação do crime em tela? Ocorre a consumação quando os agentes, para além do vínculo subjetivo, se associam concretamente para o cometimento de um dos crimes previstos.

    4º) A causa de aumento de pena antes prevista no art. 18 III, Lei nº. 6.368/76 continua sendo aplicada? Não. No HC 65.402 , rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 18.12.06, p. 451: a Lei nº. 11.343/06 não previu a associação como causa de aumento para o crime de tráfico, de forma que a mesma não pode mais incidir. Trata-se de norma benéfica ao réu e, portanto, com eficácia retroativa.

    Notícia divulgada pela assessoria de imprensa do STJ : "A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu, por unanimidade, habeas corpus para garantir a liberdade provisória de médico preso após atender paciente grávida que ocultava um pacote de maconha na vagina. O médico foi detido sob a acusação de associação para o tráfico de drogas. A Turma seguiu o entendimento do ministro relator Nilson Naves. Em 31 de março deste ano, a grávida transportou de São Paulo para o município de Assis, no interior do estado, um pacote de quase 140 gramas de maconha. Ao tentar remover o pacote e não conseguir, ela procurou a Santa Casa de Misericórdia de Assis. Lá foi atendida pelo médico, que removeu a droga e realizou o parto da criança. No mesmo dia, o médico foi preso em flagrante, sob a acusação de tráfico de drogas e associação para o tráfico, com o agravante de o crime ter sido cometido em estabelecimento hospitalar (artigos 33 e 40, inciso III, da Lei n. 11.343, de 2006, e artigos 29 e 61, inciso II, do Código Penal). A defesa do médico entrou com pedido de habeas corpus, sendo negado na primeira e na segunda instância. Justificou-se a manutenção da prisão com base na gravidade do suposto delito e na equiparação deste a crime hediondo. A defesa, então, impetrou habeas corpus no STJ, alegando que a prisão preventiva seria flagrantemente irregular. O médico atenderia todos os requisitos para a concessão da liberdade provisória. Acrescentou ainda que existiam declarações favoráveis ao médico feitas pelo prefeito, pelo secretário de saúde e demais médicos da Santa Casa. Por fim, alegou que o atendimento da gestante não foi clandestino, já que houve abertura de prontuário no hospital. Em seu voto, o ministro Nilson Naves entendeu conceder o habeas corpus ao médico, considerando a ordem de prisão" despida de razoabilidade ". Para o ministro, faltou fundamentação a tal ordem, pois não foi demonstrada a ameaça à ordem pública e o simples fato de um crime ser equiparado aos hediondos não seria motivo para decretar a restrição cautelar da liberdade de um réu. O ministro afirmou ainda o fato que os próprios legisladores alteraram a legislação para acomodar a possibilidade da concessão de liberdade provisória a acusados de crimes hediondos. O ministro também destacou que o artigo 310 do Código de Processo Penal garante o direito de liberdade provisória mesmo para os acusados desses delitos."Ainda há a questão das dúvidas sobre o procedimento hospitalar e a questão do sigilo entre médico e paciente, garantido em lei", comentou. Com essa fundamentação, o ministro concedeu o habeas corpus, garantindo a liberdade provisória do médico".

    Comentários: com o advento da Lei nº. 11.343/06 Lei Antidrogas -, o crime de associação para o tráfico passou a ser tratado em seu art. 35, com a seguinte redação:

    Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, 1o, e 34 desta Lei:

    Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

    Parágrafo único. Nas mesmas penas do caput deste artigo incorre quem se associa para a prática reiterada do crime definido no art. 36 desta Lei.

    São requisitos objetivos do crime:

    1) reunião de duas ou mais pessoas (pelo menos duas pessoas);

    2) vínculo psicológico para o tráfico de drogas (artigos 33, "caput", 1º, ou 34);

    3) objetivo de reiteração (ou não);

    4) associação estável e permanente.

    Cuida-se de crime doloso, que exige vontade livre e consciente de se associar a outra pessoa, para o cometimento do crime de tráfico (Art. 33, caput e 1º e art. 34, Lei nº. 11.343/06). A especial intenção (requisito subjetivo do tipo) é exigida expressamente pelo tipo. Trata-se, ademais, de associação, de forma estável, por tempo indeterminado.

    Aparentemente, pelo que se lê na notícia, a prisão em flagrante do médico teria sido totalmente aberrante. Se os fatos acontecidos são somente os que foram narrados, o absurdo é incomensurável. Supor que o médico, no exercício da sua profissão, na tentativa de realizar um parto, tenha se associado à mulher (grávida e traficante) para a concretização de tráfico é uma aberração. E mais, reconhecer vínculo psicológico entre ambos (para o cometimento do crime) é uma anomalia.

    Pelo que foi narrado nenhum dos requisitos exigidos para a configuração do crime está presente. Sem dúvida, um fato atípico que jamais deveria ter ensejado a prisão do indivíduo. Foi esse o entendimento firmado pelo STJ que, sabiamente, deferiu o HC, garantindo-lhe a liberdade.

    Ponto relevante consiste em sublinhar a admissibilidade (em tese) da liberdade provisória no delito de tráfico de entorpecentes. Correto se nos afigura esse entendimento. Depois da Lei 11.464/2007, que derrogou o art. da lei dos crimes hediondos (Lei 9.072/1990) para admitir a liberdade provisória nos crimes hediondos e equiparados, não tem nenhuma pertinência a posição contrária, que não admite tal liberdade provisória, sobretudo quando argumenta que se a lei proíbe fiança, automaticamente, também proibiria liberdade provisória. Se proíbe um também proíbe o outro instituto. Em Direito penal tudo que não está proibido está permitido. Acertou o Min. Nilson Naves em conceder a liberdade provisória ao medico (acusado de associação para o tráfico de entorpecentes).

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