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26 de Abril de 2024
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    Crimes contra a Humanidade: Conceito e Imprescritibilidade (Parte I)

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Denúncia Genérica versus Ampla Defesa, Contraditório e Dignidade da Pessoa Humana. Disponível em http://www.lfg.com.br 04 agosto. 2009.

    Novo texto legal aprovado pelo Senado Federal: o Senado Federal acaba de aprovar a imprescritibilidade de crimes contra a humanidade. Nos termos da nova redação do 2º, do art. 109, do CP (que ainda depende de sanção do Presidente da República), se cometidos de modo generalizado ou sistemático, são imprescritíveis: I os crimes previstos nos arts. 213, 217, 218-B e 228; II os crimes previstos nos arts. 231 e 231-A, quando praticados contra menores de 18 (dezoito) anos. (NR).

    Imprescritibilidade nos crimes sexuais: o legislador brasileiro aprovou profundas alterações nos delitos sexuais (todas ainda dependem de sanção presidencial). Os dispositivos que acabam de ser mencionados estão centrados nesses delitos. Conseqüência pretendida: vários crimes sexuais, de acordo com a inovação legislativa, passariam a ser imprescritíveis, quando cometidos de modo generalizado ou sistemático. O objetivo do novo texto, claro, consiste em evitar a impunidade desses delitos ( ad aeternum ).

    Mas pode o legislador criar uma nova situação de imprescritibilidade? Da forma como o legislador redigiu o dispositivo referido (2º do art. 109) ele não estaria apenas explicitando (uma das hipóteses constitucionais de imprescritibilidade), senão criando uma quarta situação (que, para nós, está vedada). A questão que deve ser posta é a seguinte: pode o legislador interno (brasileiro) criar uma nova situação de imprescritibilidade (além das três descritas e/ou assumidas pelo constituinte de 1988)?

    Quais são as três hipóteses de imprescritibilidade no Brasil? A CF, como é sabido, prevê (expressamente) duas hipóteses de imprescritibilidade: (a) o racismo (CF, art. , inc. XLII) e (b) a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático (CF, art. , inc. LIV). Há uma terceira situação de imprescritibilidade, presente no plano internacional, que versa sobre os crimes contra a humanidade (ou crimes de lesa-humanidade). Essa espécie de imprescritibilidade, que na verdade não passa de uma extensão ou complementação (ou seja: de um desdobramento) do que está previsto no citado art. , LIV, da CF, vem dos chamados Princípios de Nuremberg, de 1950 (que foram aprovados e adotados pela ONU).

    Instrumentos das Nações Unidas e tratados: de acordo com a Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, a noção de instrumentos internacionais é mais ampla que a de tratados, visto que inclui os atos unilaterais de organizações internacionais e os instrumentos concordados não convencionais, além dos tratados propriamente ditos (essa definição foi dada pela Comissão referida em 06 de julho de 2004 cf. Parecer técnico firmado pelo Presidente do Centro Internacional para a Justiça de Transição, in Memória e verdade , coordenação de Inês Virgínia Prado Soares e Sandra Akemi Shimada Kishi, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 371). Os Princípios de Nuremberg, nesse contexto, pertencem à categoria dos instrumentos internacionais. Não são propriamente um tratado ou convenção internacional.

    Alcance do 2º do art. da CF: na eventualidade de que se admitam os Princípios de Nuremberg (contemplados nos instrumentos das Nações Unidas) com o mesmo valor dos tratados, é certo que o 2º do art. da CF, então, lhes teria dado expresso amparo (no direito interno), na medida em que os direitos e garantias explicitados na Constituição não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Claro que, no que se relaciona com a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade, estamos a falar de direitos e garantias das vítimas das violações jushumanitárias (não dos perpetradores dessas violências). Se os instrumentos da ONU não forem equiparados aos tratados, de qualquer modo, não seria o caso de refutá-los porque eles estão de acordo com o regime e os princípios adotados na CF (arts. , e ) (cf. a primeira parte do art. , inc. LIV, da CF).

    Limitação do legislador derivado: o legislador ordinário (derivado), de acordo com nosso entendimento, para além das três situações narradas (racismo, ação de grupo armado contra o Estado constitucional e democrático e crimes de lesa-humanidade), não possui poderes (constitucionais) para ampliá-las (ou seja, em matéria de direitos fundamentais o legislador ordinário não está autorizado a restringi-los além daquele espaço demarcado ou admitido pelo constituinte).

    Princípio da vedação de retrocesso: por força do princípio da vedação de retrocesso os direitos humanos devem sempre (e cada vez mais) agregar algo de novo e melhor ao ser humano, não podendo jamais retroceder na proteção de direitos. Ou seja, os Estados estão proibidos de proteger menos do que já protegem, estando os tratados internacionais por eles concluídos impedidos de impor restrições que diminuam ou nulifiquem direitos anteriormente já assegurados tanto no plano interno quanto no plano internacional. (cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público , 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 740).

    A vedação de retrocesso também é chamada de efeito cliquet : À proibição existente de as normas internas regredirem (ou retrocederem) em matéria de direitos humanos tem-se denominado efeito cliquet dos direitos humanos. O chamado cliquet é um instrumento de alpinistas que somente permite que aquele que pratica uma escalada suba e não desça , ou seja, vá cada vez mais para cima sem voltar para trás, tal como deve ocorrer com as normas internas relativamente à proteção dos direitos humanos: sempre proteger mais, sem retroceder (regredir) nessa proteção (cf. GOMES, Luiz Flávio & MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica ), 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 37).

    Também no que diz respeito à prescritibilidade (ou imprescritibilidade) não pode o legislador ordinário retroceder à situação anterior ao advento da CF de 1988, quando tinha ampla liberdade de cuidar desse tema. Se o constituinte, em 1988, demarcou e/ou admitiu com precisão as hipóteses de imprescritibilidade (três no total, de acordo com nossa opinião), não pode agora o legislador ordinário ampliá-las, retrocedendo ao status quo ante (precedente a 88).

    A relação jurídica que (sempre) se estabelece entre o agente do delito e o Estado (na data do delito), em matéria punitiva (ou seja: todas as vezes em que uma norma penal é violada), especificamente no que diz respeito à prescritibilidade do delito, ganhou um certo patamar de estabilização com a CF de 88. Demarcou-se e assumiu-se aí o que é prescritível e o que é imprescritível. A regra é a prescritibilidade dos delitos. A exceção é a imprescritibilidade (e essas exceções, assumidas em 1988, são três, de acordo com nosso ponto de vista). Imaginar que, agora, possa o legislador ordinário avançar e alterar o quadro definitório dado (ou assumido) pelo constituinte é ir muito além do que está permitido ao legislador derivado.

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