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26 de Abril de 2024
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    Lei Maria da Penha X Relação de Namoro

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Souza

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Lei Maria da Penha X Relação de Namoro. Disponível em http://www.lfg.com.br. 10 de agosto de 2009

    O sujeito foi denunciado com base na Lei Maria da Penha, por agressões à sua ex-namorada. Questionamentos:

    1º) A coabitação é requisito para a aplicação da Lei nº. 11.340/06 e o reconhecimento da violência contra a mulher?

    Não. Trata-se de jurisprudência pacífica dos nossos tribunais.

    2º) A Lei Maria da Penha pode ser aplicada em relação às agressões praticadas quando já findo o relacionamento entre as partes?

    Sim, desde que as agressões guardem vínculo com a relação anteriormente existente.

    Decisão da Terceira Seção do STJ: Não é necessário coabitação para caracterização da violência doméstica contra a mulher. O namoro evidencia uma relação íntima de afeto que independe de coabitação. Portanto, agressões e ameaças de namorado contra a namorada mesmo que o relacionamento tenha terminado que ocorram em decorrência dele caracterizam violência doméstica. O entendimento é do ministro Jorge Mussi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), fundamentando-se na Lei Maria da Penha para julgar conflito negativo de competência (quando uma vara cível atribui a outra a responsabilidade de fazer o julgamento) entre dois juízos de Direito mineiros. Segundo os autos, o denunciado teria ameaçado sua ex-namorada, com quem teria vivido durante 24 anos, e seu atual namorado. O juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, então processante do caso, declinou da competência, alegando que os fatos não ocorreram no âmbito familiar e doméstico, pois o relacionamento das partes já tinha acabado, não se enquadrando, assim, na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).O juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete, por sua vez, sustentou que os fatos narrados nos autos decorreram da relação de namoro entre réu e vítima. Afirmou, ainda, que a Lei Maria da Penha tem efetiva aplicação nos casos de relacionamentos amorosos já encerrados, uma vez que a lei não exige coabitação. Diante disso, entrou com conflito de competência no STJ, solicitando reconhecimento da competência do juízo da Direito da 1ª Vara Criminal para o processamento da ação. Ao decidir, o ministro Jorge Mussi ressaltou que de fato existiu um relacionamento entre réu e vítima durante 24 anos, não tendo o acusado aparentemente se conformado com o rompimento da relação, passando a ameaçar a ex-namorada. Assim, caracteriza-se o nexo causal entre a conduta agressiva do ex-namorado e a relação de intimidade que havia entre ambos. O ministro destacou que a hipótese em questão se amolda perfeitamente à Lei Maria da Penha, uma vez que está caracterizada a relação íntima de afeto entre as partes, ainda que apenas como namorados, pois o dispositivo legal não exige coabitação para configuração da violência doméstica contra a mulher. O relator conheceu do conflito e declarou a competência do juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete para processar e julgar a ação.

    Comentários: a Lei nº. 11.340/06 Lei Maria da Penha - em seu art. estabelece que:

    Art. 5º. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

    I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas

    II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

    III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. (Grifo nosso)

    Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

    A norma aplicável ao caso em comento é, como se pode ver, o inciso III. O namoro se caracteriza como relação íntima de afeto. E a própria Lei dispensa, de forma expressa, a coabitação.

    Sendo assim, podemos elencar as seguintes premissas em relação à aplicabilidade da Lei nº. 11.340/06:

    a) NAO há exigência de coabitação, a lei impõe apenas convívio permanente;

    b) NAO há exigência de habitualidade da agressão, pois seria admitir que o Estado devesse tolerar uma agressão antes de agir;

    c) por unidade doméstica entende-se o ambiente de convívio caseiro;

    d) por âmbito familiar entende-se as relações: conjugal, de parentesco (linha reta ou colateral) ou por vontade expressa (adoção);

    e) a relação íntima de afeto configura o relacionamento entre duas pessoas fundado no amor, na amizade, na camaradagem, portanto, bastante amplo, englobando o relacionamento entre namorados.

    Nesse sentido, é a jurisprudência brasileira:

    C ONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. RELAÇAO DE NAMORO. DECISAO DA 3ª SEÇAO DO STJ. AFETO E CONVIVÊNCIA INDEPENDENTE DE COABITAÇAO. CARACTERIZAÇAO DE ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. LEI Nº 11.340/2006. APLICAÇAO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL .1. Caracteriza violência doméstica, para os efeitos da Lei 11.340/2006, quaisquer agressões físicas, sexuais ou psicológicas causadas por homem em uma mulher com quem tenha convivido em qualquer relação íntima de afeto, independente de coabitação. 2. O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica. 3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir os conflitos nºs. 91980 e 94447, não se posicionou no sentido de que o namoro não foi alcançado pela Lei Maria da Penha, ela decidiu, por maioria, que naqueles casos concretos, a agressão não decorria do namoro.4. A Lei Maria da Penha é um exemplo de implementação para a tutela do gênero feminino, devendo ser aplicada aos casos em que se encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar.5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete -MG"(CC nº 96.532/MG , Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora Convocada no TJ/MG, Terceira Seção, publicado em 19/12/2008) (Grifo Nosso)

    CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER (LEI 11.340/06). VIAS DE FATO. JUIZADO ESPECIAL E VARA CRIMINAL. PREVISAO EXPRESSA DE AFASTAMENTO DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS (LEI 9.099/95). ARTS. 33 E 41 DA LEI 11.340/06. PARECER DO MPF PELA COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE. CONFLITO CONHECIDO, PARA DECLARAR A COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA VARA CRIMINAL DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE ITAJUBÁ/MG, O SUSCITANTE .1. A conduta atribuída ao companheiro da vítima amolda-se, em tese, ao disposto no art. ., inciso I da Lei 11.340/06, que visa a coibir a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher. 2. Ao cuidar da competência, o art. 41 da Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) estabelece que, aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais). O art. 33 da citada Lei, por sua vez, dispõe que enquanto não estiverem estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as Varas Criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decorrentes de violência doméstica. 3. Afastou-se, assim, em razão da necessidade de uma resposta mais eficaz e eficiente para os delitos dessa natureza, a conceituação de crimes de menor potencial ofensivo, punindo-se mais severamente aquele que agride a mulher no âmbito doméstico ou familiar.4. A definição ou a conceituação de crimes de menor potencial ofensivo é da competência do legislador ordinário, que, por isso, pode excluir alguns tipos penais que em tese se amoldariam ao procedimento da Lei 9.099/95, em razão do quantum da pena imposta, como é o caso de alguns delitos que se enquadram na Lei 11.340/06, por entender que a real ofensividade e o bem jurídico tutelado reclamam punição mais severa.5. Parecer do MPF pelo conhecimento e declaração da competência do Juízo suscitante.6. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direito da Vara Criminal da Infância e Juventude de Itajubá/MG, o suscitante" (CC 96.522/MG , rel. Min. NAPOLEAO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, p. no DJe de 19-12-2008). (Grifo nosso)

    A nosso ver, outro não poderia ser o entendimento. Trata-se de interpretação que melhor se coaduna aos objetivos buscados pelo legislador quando da edição da Lei: a proteção da mulher.

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    Thaisa Figueiredo Lenzi, Advogado
    Artigoshá 8 anos

    Lei Maria da Penha para namorado. Pode?

    Gilberto Assunção, Advogado
    Artigoshá 7 anos

    A lei Maria da Penha só protege a esposa ou companheira?

    2 Comentários

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    Este artigo foi muito esclarecedor. Fui hoje (18 de novembro) com minha irmã em uma delegacia fazer o B.O contra o ex namorado dela que a agrediu. Gostaria de saber se devo também leva-la até uma Delegacia da Mulher. continuar lendo

    texto excelente!
    namoradas agredidas, procurem uma delegacia da mulher urgente!!! continuar lendo