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23 de Abril de 2024
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    O Fim da Prisão Civil do Depositário Infiel

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadoras: Patricia Donati e Áurea Maria Ferraz de Sousa

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. O Fim da Prisão Civil do Depositário Infiel. Disponível em http://www.lfg.com.br. 11 de agosto de 2009

    O sujeito teve sua prisão civil decretada pelo Juizado Especial Cível de Cruz Alta por ter sido considerado depositário infiel, já que teria descumprido ordem judicial de informar a localização de bens penhorados ou de depositar os valores correspondentes, em ação de execução contra ele. Questionamentos:

    1º) O ordenamento pátrio vigente prevê a possibilidade de prisão civil por dívida do depositário infiel? Nos planos legalista e constitucionalista sim. No plano internacional não. A Constituição Federal prevê expressamente em seu texto a prisão civil por dívida do alimentante inadimplente e do depositário infiel.

    2º) Essa norma é compatível com os valores adotados pelo Brasil, como signatário do Pacto de São José da Costa Rica?

    Não. O STF, no julgamento do RE 466.343-SP, firmou o entendimento de que a prisão civil do depositário infiel está vedada pela Convenção Americana de Direitos Humanos .(art. 7º, 7)

    3º) Agiu acertadamente o magistrado de primeiro grau ao decretar a prisão civil na hipótese em apreço?

    Não. Definitivamente, a matéria está pacificada na mais alta Corte nacional, no sentido de que não se pode mais cogitar da prisão civil por dívida do depositário infiel. Acertou o TJ-RS.

    4º) Qual o fundamento para que o STF afaste a norma constitucional e aplique entendimento contrário à prisão civil do depositário infiel?

    O fato de o Brasil ser signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que admite somente a prisão civil a devedor de alimentos, impede qualquer outro tipo de prisão.

    Decisão da Terceira Turma Recursal Cível do TJ/RS: Confirmado habeas corpus preventivo a depositário infiel. É incabível a prisão civil de depositário infiel, somente sendo admitida, pelo ordenamento constitucional brasileiro, a prisão de devedor de alimentos. Com o entendimento unânime, a 3ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais do Estado tornou definitivo o salvo conduto concedido a músico, que teve decretada prisão civil de depositário infiel pelo Juizado Especial Cível de Cruz Alta. A medida de segregação considerou ter ocorrido descumprimento de ordem judicial para que o músico informasse a localização de gaita e mesa de som penhorados ou depositasse os valores correspondentes, em ação de execução contra ele. Confirmando liminar no habeas corpus preventivo em favor do músico, o Juiz-Relator da Turma Recursal, Ricardo Torres Hermann, afirmou que o Brasil é signatário do tratado internacional sobre Direitos Humanos. Ressaltou que o Pacto de São José da Costa Rica admite prisão civil somente a devedor de alimentos. Destacou precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) no mesmo sentido. Salientou que o músico informou que os bens penhorados foram furtados no Estado do Paraná, quando estava em viagem de trabalho. Segundo relato do profissional, ainda, ele não tinha recursos financeiros para depositar os valores correspondentes aos bens, estimados em R$ 7 mil. Acompanhando parecer do Ministério Público, o magistrado reforçou os motivos que embasaram o deferimento da liminar. Referiu ser incabível a manutenção da ordem de prisão civil do paciente, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da necessidade de observância do Pacto de São José da Costa Rica. Lembrou que o Brasil ratificou em 1992, sem reservas, os tratados internacionais dos Direitos Civis Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Pacto de São José da Costa Rica. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. Na atualidade, reiterou, a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. Confirmou, assim, a suspensão definitiva da ordem de prisão civil do músico. Votaram de acordo com o relator, os Juízes Heleno Tregnago Saraiva e Jerson Moacir Gubert.

    Comentários: não aplicou o direito vigente o Juizado Especial Cível de Cruz Alta. Atuou sob o império do paradigma da legalidade (e também da constitucionalidade), que hoje deve ser conjugado com o da internacionalidade. O tema (da prisão civil do depositário infiel, como já escrevemos neste nosso blog), já se encontra pacificado pelo STF, que reconheceu o valor supralegal dos tratados de direitos humanos em vigor no Brasil (RE 466.343-SP, j. 03.12.08). Com isso, excluiu-se qualquer possibilidade de decretação de prisão civil, que não a do devedor de alimentos.

    Embora haja previsão constitucional sobre a matéria, a mesma não deve prevalecer, devendo-se aplicar o novo entendimento elaborado pelos tribunais. O Direito, como se vê, não se confunde com a lei (nem só com a Constituição). Ele começa com o constituinte e termina com a jurisprudência dos tribunais (nacionais e internacionais). A lei é uma parte desse oceano. Pode ser válida ou não: tudo depende da sua compatibilidade com as normas superiores (internacionais e constitucionais).

    Isso implica que o juiz já não pode se contentar em conhecer apenas as leis e os códigos. Esse modelo de juiz (legalista positivista) está morto. Será cada vez mais reconhecido como jurássico (ou dinossáurico). O que se lamenta (em pleno século XXI) é que ele está morto mas (ainda) não foi sepultado! A atual (assim como as futuras gerações) conta com o dever de extirpar do nosso mundo jurídico esse juiz legalista. Marcação sob pressão nele, esse é o nosso desafio! O STF fez a parte dele. Todos os demais operadores jurídicos, agora, devem fazer a sua, posto que é assim que caminha a jurisprudência brasileira (e a humanidade).

    Acertadamente, assim, a 3ª Turma Recursal Cível dos Juizados Especiais do Estado do Rio Grande do Sul confirmou liminar no habeas corpus preventivo impetrado pelo paciente. A nosso ver, outra não poderia ser a decisão. Trata-se de entendimento que se coaduna perfeitamente aos valores e princípios adotados por um Estado Constitucional de Direito como o Brasil.

    O conflito entre os tratados internacionais e o direito interno (Constituição ou leis ordinárias) resolve-se por dois novos critérios (da jurisprudência internacional): (a) vedação de retrocesso e (b) princípio pro homine (em matéria de direitos humanos aplica-se sempre a norma mais favorável).

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