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25 de Abril de 2024

É possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua vigência? - Fernanda Braga

há 15 anos

O Código de Defesa do Consumidor - Lei nº. 8.078 /90 - enquanto instrumento normativo inovador da ordem jurídica nacional, responsável por um corte profundo nos variados ramos do direito, tem gerado diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais desde sua edição.

Ao entrar em vigor, em 11 de março de 1991, a lei 8.078 /90, encontrou uma série de relações jurídicas regularmente constituídas.

Diante disto, surgiu uma questão, qual seja, a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua entrada em vigor, a respeito da qual ainda não há entendimento pacífico.

Observa-se que o debate envolve a proteção aos atos jurídicos perfeitos, a defesa do consumidor e a aplicação imediata das leis de ordem pública.

Destarte, para melhor entendimento do embate doutrinário e jurisprudencial, há que se analisar cada um destes problemas.

A Constituição Federal , em seu art. , XXXVI , traz um comando dirigido ao próprio legislador, que impõe o respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido.

Por sua vez, o art. do Lei de Introdução ao Código Civil , ao impor a irretroatividade das leis, para salvaguardar o ato jurídico perfeito, além do direito adquirido e da coisa julgada, em seu § 1º define o ato jurídico perfeito como aquele ... já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Aqui, cabe indagar se o adjetivo consumado significa ato constituído regularmente, em conformidade com as normas legais, ou ato que, além disso, tenha seus efeitos realizados.

O Supremo Tribunal Federal vinha adotando a primeira posição, ou seja, um contrato celebrado por agente capaz, sem vícios de consentimento, respeitando, se for o caso, as formas legais e com objeto lícito, quando da entrada em vigor de uma lei, não pode ser atingido pelas suas determinações.

No entanto, se se abraçar o posicionamento desta Côrte, acabar-se-á por retirar da esfera de atuação do Judiciário, a fiscalização de uma série de contratos, celebrados antes de 11.03.91, mas cujos efeitos se perfizeram, ou deveriam se perfazer, após a entrada em vigor do CDC .

A segunda posição parece mais plausível, na exata medida em que se a Lei de Introdução ao Código Civil fala em consumação segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou, o simples fato de ter um contrato sido assinado antes da entrada em vigor do CDC não faz dele um ato jurídico perfeito.

Aqui surgi a necessidade de se distinguir os contratos instantâneos de execução imediata, os instantâneos de execução diferida e aqueles de duração.

Os contratos instantâneos ou de execução única são aqueles cujas prestações podem ser realizadas em um só instante. Entre os contratos de execução única distinguem-se os de execução imediata e os de execução diferida. No primeiro caso, a execução do quanto pactuado se dá com a conclusão do contrato, já no segundo, embora possa haver o cumprimento imediato das obrigações, a natureza do quanto contratado e a vontade das partes determinam que ele se protraia no tempo, dando origem aos tão comuns contratos a prazo, ou sob termo ou condição.

Já os contratos de duração são compostos por prestações cuja satisfação é impossível em um só momento, devendo ser cumpridas num dado período de tempo, continuamente. Os contratos de duração podem ser de trato sucessivo e de execução continuada, mas o presente texto não comporta esta distinção, que também se faz completamente despicienda, neste contexto.

É vital compreender que, ao considerar como ato jurídico perfeito somente o ato que teve seus efeitos perfeitos, está se especificando que, quando da assinatura, somente poderá ser considerado como tal o contrato de execução instantânea e imediata.

Em verdade, não se pode afirmar em caráter absoluto que, todas as vezes em que estivermos diante de um contrato de execução diferida ou de duração, será aplicável as normas introduzidas por uma lei que entre em vigor durante a sua execução. Ao fixar se haverá ou não aplicação de uma determinada nova lei, deve-se ter em conta a intenção do legislador e a compatibilização dos deveres que ela pretende resguardar com o ordenamento nacional.

É nesse ponto que, com relação especificamente ao Código de Defesa do Consumidor , há que se observar os comandos dos arts. , XXXII e 170 , V da Constituição Federal , o que se passa a analisar.

Ademais, ao editar o Código de Defesa do Consumidor , o legislador ordinário deu cumprimento ao comando oriundo de dois dispositivos constitucionais: o art. , XXXII e o art. 170 , V da Constituição Federal .

Assim, há que se compreender que ao entrar em vigor alei 8.078/90 inovou sim a ordem jurídica, mas o fez para coaduná-la com uma garantia constitucional, o que só vem a recomendar o abrandamento no conceito de ato jurídico perfeito a fim de que se possa compatibilizar o princípio que impõe a sua proteção com o da defesa do consumidor.

Ora, a ordem constitucional não traz hierarquia entre sua normas, assim, diante de garantias antagônicas, faz-se necessária a compatibilização, em conformidade com regras de interpretação e permitindo a sobrevivência de ambas as garantias.

É evidente que o entendimento de ato jurídico perfeito como contrato simplesmente assinado, imporá que a proteção do ato jurídico perfeito, excluirá a proteção ao consumidor que firmou contrato antes de 11.03.91, ainda que os efeitos do contrato não tenham se perfeito.

Para que possam subsistir harmoniosamente as duas garantias, é muito mais razoável considerar que estão excluídos do campo de incidência da lei 8.078 /90 apenas os contratos cujos efeitos já haviam se perfeito em 11.03.91.

O art. 1º da multicitada lei assevera que ela estabelece normas de proteção e de defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social. Por tal razão, como destaca Luiz Antônio Rizzatto Nunes:

suas normas se impõem contra a vontade dos partícipes da relação de consumo, dentro de seus comandos imperativos e nos limites por ela delineados, podendo o magistrado, no caso levado a juízo, aplicar-lhe as regras ex officio , isto é, independentemente do requerimento ou protesto das partes .

Um diploma legislativo com tamanha força, que encerra um verdadeiro estatuto, a reger as relações de consumo, em conformidade com princípios manifestados pelo ordenamento através de sua mais alta expressão, a Constituição Federal , impõe sim a reconsideração do conceito de ato jurídico perfeito e a modificação do sistema de aplicação e eficácia da lei previsto no Código Civil .

DA POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA:

A jurisprudência dominante nos tribunais é no sentido de ser plenamente possível a aplicação retroativa do CDC aos contratos de execução continuada ou diferida, ou seja, àqueles contratos cujos efeitos se concretizaram após a entrada em vigor deste CDC.

Esse é o entendimento esposado pelo E. Tribunal do Distrito Federal, na decisão abaixo transcrita:

DIREITO DAS OBRIGAÇÕES. Contrato Celebrado antes da vigência do CDC . Suas normas. Aplicação. Apelação Desprovida.

Aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de execução diferida, não obstante ter sido pactuado antes da vigência deste diploma legal - art. 1º.

Improcede o pedido de perda das parcelas parcelas pagas, porque nula é a cláusula contratual que a estabelece, em face da sua manifesta abusividade.

(...)

Muito embora o contrato existente entre as partes tenha sido pactuado antes da vigência doCódigo de Defesa do Consumidorr , de acordo com o seu art. 1ºº , contém norma de ordem pública e esta é de aplicação imediata; duas, porque, embora o contrato tenha sido pactuado antes da vigência do supracitado código, a situação jurídica posta foi atingida porque ainda não integralmente consolidadas no tempo, bem como os efeitos da relação ainda estão em execução.

É esse também o entendimento do E. Tribunal de Justiça de Sergipe, in verbis:

COMPRA E VENDA - Bem Imóvel - Rescisão Contratual - Devolução das quantias pagas pelo comprador - Irrelevância da avença ser anterior à vigência do Código de Defesa do Consumidor - Abatimento, porém, dos gastos efetuados com a corretagem.

Ementa oficial: A devolução de quantias pagas pelo comprador está agora consagrada no Código de Defesa do Consumidor que veio afirmar entendimento jurisprudencial anterior a ele.

O Código de Defesa do Consumidor é norma de ordem pública, atingindo , portanto, os contratos confeccionados anterior à sua vigência.

Contudo, tratando-se de contrato de execução diferida ou de duração, deve sim ser o Código de Defesa do Consumidor ser aplicado em sua disciplina, evidentemente resguardados os efeitos já perfeitos quando da sua entrada em vigor.

É esta também a conclusão de Cláudia Lima Marques, in verbis :

... deve o CDC receber aplicação imediata ao exame da validade e eficácia atual dos contratos assinados antes de sua entrada em vigor, seja porque norma de ordem pública, seja porque concretiza também uma garantia constitucional, ou simplesmente porque positiva princípios e patamares éticos de combate a abusos existentes no direito brasileiro antes mesmo de sua entrada em vigor .

Repita-se, pois, a conclusão do II Congresso Brasileiro do Direito do Consumidor: 'O Código de Defesa do Consumidor tem aplicação imediata aos contratos com eficácia duradoura, conforme art. 170 da Constituição Federal e art. da Lei de Introdução ao Código Civil .

Conclui-se que, antes que uma violação ao art. , da LICC , como pretenderam alegar os defensores da tese contrária, é a aplicação do CDC , aos contratos de eficácia prolongada, o cumprimento do quanto nele determinado.

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2 Comentários

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Muito bom o artigo. O CDC ainda, mesmo depois de 20 anos de sua edição, causa questionamentos e artigos como esse nos possibilitam pensar a importância dessa lei, o que ela realmente quer proteger: o consumidor. continuar lendo

excelente análise, com profundidade jurídica e muito adequada. continuar lendo