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25 de Abril de 2024

Corte Constitucional Argentina descriminaliza a posse de droga para uso pessoal (PARTE IV)

há 15 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Corte Constitucional Argentina descriminaliza a posse de droga para uso pessoal (PARTE IV). Disponível em http://www.lfg.com.br - 08 de setembro de 2009.

Na atualidade, em termos mundiais, quatro (pelo menos) são as tendências político-criminais em relação à posse de droga para uso pessoal (cf. nosso livro Comentários à lei das drogas , 3. ed., RT):

a) Modelo norte-americano : prega a criminalização e a prisão, inclusive para o usuário de droga. Abstinência e tolerância zero. De acordo com a visão norte-americana as drogas constituem um problema policial e particularmente militar; para resolver o assunto adota-se a pena de prisão e o encarceramento massivo dos envolvidos com drogas; diga não às drogas é um programa populista, de eficácia questionável, mas bastante revelador da política norte-americana. O paradoxo: na Guerra do Vietnã os EUA trocaram apoio por drogas. De outro lado, a solução militar para o problema da droga não vem produzindo bons efeitos: a interminável guerra na Colômbia, v.g., evidencia a dificuldade enorme dessa política exageradamente repressiva, que vem sendo muito criticada [ 1 ].

A ONU, de um modo geral, vinha sustentando essa posição norte-americana. No seu relatório anual de 2002, v.g. , divulgado pelo Comitê Internacional de Controle de Narcóticos (em 26.02.2002, cf. O Estado de São Paulo de 27.02.2002, p. C6), alertava que a liberalização da maconha traria drásticas conseqüências para todos os países. Criticava, ademais, os vários países europeus por adotarem outro enfoque sobre o tema [ 2 ].

b) Modelo liberal radical (liberalização total) : a famosa Revista inglesa The Economist , com base nos clássicos pensamentos de Stuart Mill, vem enfatizando a necessidade de liberar totalmente a droga, sobretudo frente ao usuário; salienta que a questão da droga provoca distintas conseqüências entre ricos e pobres, realçando que somente estes últimos vão para a cadeia.

c) Modelo da redução de danos (sistema europeu) : em oposição à política norte-americana, na Europa adota-se uma outra estratégia, que não se coaduna com a abstinência ou mesmo com a tolerância zero. A redução dos danos causados aos usuários e a terceiros (entrega de seringas, demarcação de locais adequados para consumo, controle do consumo, assistência médica etc.) seria o correto enfoque para o problema. Esse mesmo modelo, de outro lado, propugna pela descriminalização gradual das drogas assim como por uma política de controle (regulamentação) e educacional; droga é problema de saúde privada e pública [ 3 ].

A maconha, nesse contexto, seria a droga de saída (o usuário que é dependente de drogas mais pesadas pode sair delas fazendo uso de maconha): há programas eficientes nesse sentido em todos os países avançados.

d) Justiça terapêutica: centra sua atenção no tratamento e, por conseguinte, propugna pela disseminação dessa reação como a forma adequada para cuidar do usuário ou do usuário/dependente. É patente a confusão que se faz entre o usuário e o dependente: Assim como nem todos que tomam um copo de uísque são alcoólatras, também há quem use drogas sem ser dependente. Em termos médicos, é risível condená-lo a tratamento compulsório [ 4 ].

A decisão da Corte argentina (no sentido de que é inconstitucional o 2º, do art. 14, da Lei 23.737/1989, que punia a posse de drogas para uso próprio), a rigor, não se enquadra em nenhuma das alternativas aventadas. Está mais próxima da terceira (redução de danos), mas, na verdade, com ela não se confunde. O que a Corte fez foi reconhecer, no plano formal, a descriminalização da posse de droga para uso pessoal. Isso, no entanto, não significa implantar uma nova política em relação às drogas. A Sentença reformulou o posicionamento jurídico sobre o tema, mas não cuidou (obviamente) de traçar uma política para o usuário de droga. É certo que ele já não constitui um problema da polícia ou do judiciário. É só isso que a Sentença decidiu. O que fazer com o usuário é uma questão de política pública que compete ao Estado traçar. Leva-lo para a delegacia ou para o judiciário é que não pode mais. Claro que o correto é procurar proteger o usuário, sobretudo quando ele é dependente. Mas essa política fica sob a responsabilidade do Estado e da sociedade civil.

A sentença foi muito enfática no sentido de que não está legalizando a droga na Argentina: Que la decisión que hoy toma este Tribunal, em modo alguno implica "legalizar la droga". No está demás aclarar ello expresamente, pues este pronunciamiento, tendrá seguramente repercusión social, por ello debe informar a través de un lenguaje democrático, que pueda ser entendido por todos los habitantes y en el caso por los jóvenes, que son en muchos casos protagonistas de los problemas vinculados con las drogas (Ordoñez-Solis David, "Los Jueces Europeos en una Sociedad Global: Poder, Lenguaje y Argumentación", en European Journal of Legal Studies, vol. I EJLS, nº 2).

Notas de Rodapé:

[1] CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. 3. ed. Rio de Janeiro: Luam, 1996. p. 146 e ss.

[2] Para informações atualizadas conferirCfCf. CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. 3. ed. Rio de Janeiro: Luam, 1996. p. 156 e ss.

[4] Lei descuidada. Folha de São Paulo, publicado em 06.01.2002, p. A-2.

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