Anulado o acórdão condenatório, restabelece-se a decisão absolutória de primeira instância
LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Anulado o acórdão condenatório, restabelece-se a decisão absolutória de primeira instância. Disponível em http://www.lfg.com.br - 30 setembro. 2009.
O indivíduo fora absolvido em primeira instância e, posteriormente, condenado, em razão do recurso interposto pelo órgão ministerial. E, como consequência da condenação, teve decretada a sua prisão. O acórdão condenatório foi alvo de anulação pelo STJ.
Questionamentos:
1º) A prisão poderia ter sido determinada como consequência "automática" da condenação em segundo grau?
NAO. A prisão, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, deve, sempre, ser fundamentada. Não mais se reconhece a execução provisória da pena, mesmo quando foi interposto RE ou REsp.
2º) Qual o efeito da anulação do acórdão condenatório? Nesse caso, o réu poderia ser mantido preso?
Como efeito da anulação do acórdão condenatório tem-se o restabelecimento da decisão absolutória, proferida na primeira instância. Como o réu será levado a novo julgamento, a regra é colocá-lo em liberdade, mas, se houver fundamentos, pode ser mantida a sua prisão, em caráter cautelar.
DECISAO DA PRIMEIRA TURMA DO STF: RESTABELECIMENTO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA E EXECUÇAO PROVISÓRIA. A Turma deferiu habeas corpus para determinar que o paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado do novo acórdão proferido pelo tribunal de justiça local, ressalvada, neste período, a possibilidade de se decretar a prisão cautelar se presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP. Tratava-se, na espécie, de writ impetrado contra acórdão do STJ que, embora reconhecendo a nulidade de julgamento realizado pela Corte de origem por ofensa ao princípio do juiz natural, mantivera o paciente custodiado. Ocorre que este fora absolvido em 1ª instância, sendo condenado em virtude do provimento de apelação interposta pelo Ministério Público estadual, com a conseqüente expedição de mandado de prisão, já efetuado. Dando cumprimento ao acórdão do STJ, o tribunal de justiça estadual realizara novo julgamento do recurso ministerial e o provera para mais uma vez condenar o paciente, sem apresentar motivação cautelar para a manutenção da prisão. Inicialmente, ressaltou-se a orientação firmada pelo STF no sentido de haver óbice à prisão para execução de pena na pendência de recursos especial ou extraordinário, exceção assentada em caso de prisão cautelar por decreto justificado. Em seguida, aduziu-se que, na situação dos autos, o efeito da anulação do acórdão condenatório pelo STJ seria o restabelecimento da sentença absolutória e a concessão do alvará de soltura, até que, sendo prolatado novo julgamento e sobrevindo outra condenação, haja fundamentação cautelar a respaldar eventual ordem de prisão, ou até que, em se vislumbrando a presença de pressupostos cautelares antes do novo julgamento, seja determinada a segregação com base nesses elementos. Assim, entendeu-se que, desde a primeira condenação pela Corte local quando não apresentada a motivação cautelar para a expedição do mandado de prisão , o paciente vem sofrendo constrangimento ilegal. HC 98463/SP , rel. Min. Cármem Lúcia, 15.9.2009. (HC-98463)
Comentários: a presente decisão deve ser analisada sob dois enfoques. Primeiro: a necessidade de fundamentação da prisão, antes do trânsito em julgado da decisão penal condenatória.
No caso em comento, o indivíduo havia sido absolvido em primeira instância, mas, fora condenado em segundo grau, em razão do recurso interposto pelo Ministério Público. Como consequência direta da condenação, decretou-se a sua prisão.
O equívoco é patente! Impossível falar, hoje, no Brasil, em execução provisória da pena. Em 05.02.09 o STF reconheceu o direito de recorrer em liberdade (HC 84.078, rel. Min. Eros Grau), ou seja, não cabe mais execução provisória contra o réu no processo penal brasileiro. Prisão, portanto, só depois do trânsito em julgado final, em virtude da presunção de inocência. Enquanto tramitam recursos extraordinários (RE ou REsp), não pode haver prisão automática. Qualquer prisão antes do trânsito em julgado final tem que ter fundamento no art. 312 do CPP.
O segundo ponto a ser considerado é o efeito da decisão que anula o acórdão condenatório. Na situação em comento, como já havia a decisão absolutória de primeiro grau, essa fora restabelecida.
Nesse contexto, como a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade e a presunção de inocência (não culpabilidade), a prisão, que já era ilegal, em razão da não fundamentação, não poderia ser mantida.
A nosso ver, outra não poderia ser a decisão da Min. Cármem Lúcia. Ora, com a anulação da decisão condenatória (oriunda de segundo grau), restou restabelecida da decisão absolutória (da primeira instância), situação essa totalmente incompatível com a manutenção do encarceramento do indivíduo (salvo se presentes um dos fundamentos dos art. 321 e 313, para a prisão cautelar, até a realização do novo julgamento).
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