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20 de Abril de 2024
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    Algemas: uso restrito e fundamentado

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Algemas: uso restrito e fundamentado. Disponível em http://www.lfg.com.br - 11 novembro. 2009.

    Decisão monocrática do Ministro Joaquim Barbosa: Ministro rejeita reclamação de preso que participou de audiência algemado. O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, julgou improcedente a Reclamação (RCL 7165) apresentada pela defesa de XXX contra ato do juiz de Direito da X Vara Criminal da Comarca de XXX que o manteve algemado durante audiência no fórum da cidade. XXX foi condenado a 2 anos, 2 meses e 11 dias de reclusão, além de 204 dias-multa (no valor mínimo) pelos crimes de receptação e tráfico de drogas. A defesa alegou que a utilização de algemas teria violado a Súmula Vinculante nº 11 do STF, que impôs limites ao uso de algemas. Na reclamação ao Supremo, a defesa alegou que as algemas foram utilizadas sem justificação plausível em contrariedade à Súmula Vinculante 11, sendo que o réu foi mantido com elas durante toda a audiência, apesar de ser primário, ter bons antecedentes, não ter resistido à prisão nem representar risco concreto de fuga ou à integridade física própria ou de terceiros. A consignação na sentença condenatória de que "o silêncio do acusado na fase policial lhe teria prejudicado na instrução processual" seria ainda uma violação ao direito de o acusado permanecer calado, segundo sua defesa. Em sua decisao, Barbosa afirma que o uso de algemas no caso em questão foi satisfatoriamente justificado pelo juiz. "No caso, não há que se falar em violação da Súmula Vinculante 11, tendo em vista a existência de fundamentação escrita a justificar a necessidade excepcional das algemas. Com efeito, pelo que se extrai da ata de audiência, o juízo reclamado baseou-se na falta de segurança do Fórum - e, em especial, da sala de audiência - para manter o reclamante algemado por ocasião dos fatos sob exame", afirmou o ministro. Ademais, Barbosa salientou que o julgamento que deu origem à citada Súmula tratava de um caso diferente do que é relatado nesta reclamação, pois naquela ocasião foi discutido o "emprego de algemas em sessão de julgamento de Tribunal de Júri, cujos jurados poderiam ser influenciados pelo fato de o réu ter permanecido algemado no decorrer do julgamento". Não é a hipótese do presente processo. Segundo informações do agente penitenciário que escoltava o preso e do parecer do Ministério Público, o Fórum de Votorantim funciona em prédio adaptado e a sala de audiência tem dimensões reduzidas, sendo que menos de dois metros separam o réu do promotor de Justiça e outros dois metros o separam do escrevente e do juiz. Desde que o Fórum foi instalado no prédio adaptado, em abril de 2000, houve três fugas de réus que estavam algemados. A alegação de nulidade da sentença por suposta violação do direito de o acusado permanecer em silêncio também foi rejeitada por Joaquim Barbosa."O magistrado de primeira instância, nesse ponto, não desrespeitou a competência ou a autoridade de decisão vinculante do STF. Apenas exerceu um controle difuso de constitucionalidade acerca do direito de o acusado permanecer calado. Noutras palavras, tal matéria deve, primeiro, ser submetida ao segundo grau de jurisdição e a tribunal superior para, depois, se for o caso, ser posta à apreciação desta Corte, pelo meio processual adequado, que, definitivamente, não é a via eleita", concluiu (Grifo nosso).

    Nossos Comentários: o tema voltou à tona - o uso (indevido) de algemas. No caso concreto, o denunciado por receptação e tráfico de drogas permaneceu algemado durante a audiência.

    Analisemos o teor da súmula vinculante de nº. 11: "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado ".

    A edição da comentada súmula se coaduna perfeitamente com os valores consagrados pela CF/88, como a dignidade da pessoa humana, o devido processo legal e a presunção de inocência. Afinal, não se pode admitir a chamada Justiça penal da humilhação, que conduz a um "abuso institucionalizado".

    Da sua simples leitura extrai-se que, hoje, a regra geral é a proibição do uso de algemas, salvo nas hipóteses previstas: a) caso excepcional; b) resistência; c) fundado receio de fuga; d) perigo à integridade física própria ou alheia por parte do preso ou terceiros; e) justificativa da necessidade por escrito.

    De acordo com o entendimento do Min. Joaquim Barbosa, no caso em comento mostrou-se justificada a utilização das algemas, em razão da falta de segurança no Fórum em que realizada a audiência.

    Outro fundamento apontado pelo Min. foi o fato de a edição de a súmula vinculante nº. 11 ter sido editada em outro cenário - a utilização das algemas no Plenário do Júri. Nesse ponto o argumento é frágil. Não nos parece que a Súmula 11 só tenha valor para o caso de julgamento do tribunal do júri. Isso não está escrito na súmula.

    Concordamos com a decisão no que pertine à possibilidade excepcional do emprego das algemas, a ser analisada e fundamentada (por escrito) a cada caso concreto. No entanto, com a devida vênia, ousamos divergir do último fundamento apresentado. Ora, pelo texto da súmula verifica-se que a mesma não se restringe apenas ao procedimento do Júri, regulamentando o uso (geral) da algema. Em toda e qualquer hipótese, para que seja possível empregá-las, os requisitos previstos deverão ser cumpridos, sob pena de caracterização do crime de responsabilidade e conseqüente responsabilidade do Estado.

    O raciocínio a ser aplicado é simples e toma por base o princípio da proporcionalidade, que exige adequação, necessidade e ponderação na medida e vale no Direito processual penal por força do art. do CPP. De outro lado, não se pode esquecer que o fundamento primeiro da restrição do uso de algemas reside no princípio da presunção de inocência: ninguém pode ser tratado como condenado, enquanto ainda tramita o processo. Essa é uma regra de tratamento derivada do referido princípio.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/algemas-uso-restrito-e-fundamentado/2001628

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