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24 de Abril de 2024

ARTIGO DO DIA: Assistente da acusação: legitimidade para recorrer

há 14 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora : Christiane de O. Parisi Infante.

Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. Assistente da acusação: legitimidade para recorrer . Disponível em http://www.lfg.com.br - 13 de julho de 2010.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)[ 1 ], por maioria, aplicou sua Súmula 210 (O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, , e 598 do Código de Processo Penal) para admitir que o assistente de acusação em ação penal incondicionada possa interpor recurso, no caso de omissão do Ministério Público.

Vejamos o caso[ 2 ] : N. foi acusada de estelionato por emissão de dois cheques pós-datados, porém, os sustando posteriormente, por questionar o valor da dívida dela cobrada por uma empresa comercial, via empresa de factoring.

Por tal fato, a empresa propôs ação penal contra N. A cobrança do débito está sendo processada em ação cível. Nas alegações finais, o Ministério Público pediu a absolvição da ré. O juiz a absolveu e o MP não recorreu dessa decisão.

Inconformado, o assistente de acusação, por meio do seu advogado, interpôs recurso de apelação junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS). A 5ª Turma do TJ negou o recurso, por não reconhecer legitimidade ao assistente de acusação para recorrer da sentença de primeiro grau. Isso levou o assistente a interpor Recurso Especial (REsp).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento parcial ao REsp, determinando o prosseguimento do exame de sua apelação, superado o óbice quanto a sua ilegitimidade recursal.

A defesa de N. se insurgiu contra essa decisão do STJ e impetrou habeas corpus no STF, que agora foi indeferido.

No julgamento do STF prevaleceu a tese defendida pela relatora do processo, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, de que, embora a Constituição Federal (CF) preveja, em seu artigo 129, inciso I, que cabe ao Ministério Público, privativamente, promover a ação penal pública, a própria CF, em seu art. , inciso LIX, admite que será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal.

A relatora negou o HC e admitiu a legitimidade do assistente de acusação de atuar no processo[ 3 ]. Entre os precedentes, citou os Recursos Extraordinários (REs) 331990 e 160222 e o HC 76754 .

Ressaltou-se que o Enunciado da Súmula 210 não sofreu qualquer restrição e tampouco deixou de ser recepcionado pela nova ordem constitucional. Afirmou-se que o art. , LIX, da CF daria o fundamento para legitimar a atuação supletiva do assistente de acusação nas hipóteses em que o Ministério Público deixasse de recorrer.

O ministro Cezar Peluso e o ministro Março Aurélio sustentaram a prerrogativa exclusiva do MP de agir na ação penal. Segundo o primeiro deles: a) a Constituição Federal é clara ao atribuir ao MP, em caráter privativo, a titularidade da ação penal, no interesse do Estado de punir criminosos; b) não há interesse do Estado em defender o interesse patrimonial do ofendido; c) exceção só é o caso de omissão do MP o que não ocorreu no processo envolvendo N., onde ele se manifestou em alegações finais; d) agir, na ação processual, significa tecnicamente praticar todos os atos. Portanto, quando se fala em exercício de ação penal, quem pode recorrer é somente quem tem o direito de agir, que é o próprio Estado". Quanto ao assistente, ele simplesmente adere ao titular da ação, que é o MP; e) recorrer é apenas uma etapa da ação, que é um estado contínuo de prática de atos, só podendo ser reconhecido como direito de quem seja titular da ação, logo o assistente penal, por não ser titular de ação penal nenhuma, não poderia recorrer. Com base nisso, o Min. Cezar Peluso deu interpretação conforme ao art. 584, , e ao art. 598, ambos do Código de Processo Penal, no sentido de reconhecer que a possibilidade de recurso é apenas assegurada ao querelante e não ao assistente de acusação.

O Min. Março Aurélio asseverou que o art. , LIX, da CF só poderia ser acionado no caso de inércia do Ministério Público em promover a ação penal pública, o que não ocorrera no caso concreto, salientando o fato de o parquet ter se manifestado, em alegações finais, no sentido de absolver a ré. Reputou não ser admissível que uma ação que nascesse penal pública incondicionada se transformasse, na fase recursal, em ação penal privada.

O advogado que atuou na defesa pediu uma revisão da Súmula 210 do STF.

No mesmo sentido da defesa manifestou-se a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat. Segundo ela, admitir a atuação do assistente de acusação, no caso, geraria um desequilíbrio entre acusação e defesa, com ofensa ao princípio da proporcionalidade e do direito do contraditório.

Após indagar se o assistente de acusação pode recorrer postulando aumento da pena aplicada, Aury Lopes Jr. [ 4 ] responde que se for defendida a existência de um interesse puramente econômico, a resposta é negativa, pois seu interesse se satisfaz com a constituição do título executivo que brota da sentença penal condenatória, independente do quantum de pena aplicada.

O citado autor [ 5 ] recorda que há quem entenda que o assistente é um auxiliar da acusação, buscando uma sentença justa:

Para os seguidores dessa corrente, admite-se que o assistente recorra quando o Ministério Público não o fizer para buscar a exasperação da pena. O argumento é o de que o assistente teria interesse na punição adequada e suficiente do réu, de modo que uma pena baixa não seria justa.

Aury Lopes Jr.[ 6 ] destaca que a figura do assistente de acusação não foi recepcionada pelo texto constitucional, sendo ilegítima a sua intervenção. Para chegar a essa conclusão recorda que não é possível assistente de acusação na ação penal de iniciativa privada e, na pública, a promoção é de atribuição privativa do Ministério Público.

Tratando do assistente de acusação, Guilherme de Souza Nucci[ 7 ] expõe:

Como explica BENTO DE FARIA, não é, portanto, mero auxiliar da acusação, pois atua com o direito de agir, desde que lhe é assegurado o de recorrer (...)

(...)

A circunstância de não haver se antecipado no oferecimento da queixa não importa na desistência do direito de também pedir a pena no interesse público . Cooperar, assim na repressão do crime, não transforma a posição do assistente em oponente, nem expressa a consagração do direito de vingança. (...)

( Código de Processo Penal , V. 2, P. 21).

Nucci[ 8 ] prossegue concordando com as lições de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes ( Recursos no processo penal . São Paulo: RT, p. 88), segundo os quais o ofendido tem o mesmo interesse-utilidade da parte principal na justa aplicação da pena.

Entendemos correta a decisão do Supremo Tribunal Federal.

A fundamentação clássica da admissão do assistente reside no argumento de que a vítima tem interesse na obtenção da reparação dos danos. Na atualidade a vítima (ou seu sucessor) é vista como parte cooperadora na busca da justiça.

O assistente do MP pode interpor dois recursos: (a) recurso em sentido estrito: (1) quando o juiz julga extinta a punibilidade; (2) no caso de impronúncia; (b) apelação. Em todas essas hipóteses convém recordar que o recurso do assistente é sempre supletivo, isto é, só é cabível recurso da vítima quando o MP não recorreu (ou em relação à parte em que o MP não recorreu). Tendo havido recurso do MP, não pode a vítima recorrer. E por quê? Porque a vítima, quando postula em juízo, substituindo a inércia do MP, atua em defesa da sua garantia de acesso à jurisdição. Não se trata de se vislumbrar, no caso, apenas o interesse (subsidiário) pecuniário (reparação), não é só isso. Para a vítima a Justiça tem que abrir suas portas. Seria uma rematada injustiça fechar suas portas, por razões formalistas, a quem o Estado tem que amparar. Não havendo recurso do MP, não há dúvida que estamos diante de sua inércia. E sua inércia gera legitimidade de atuação para a vítima (habilitada como assistente).

O acesso à justiça não pode ser negado à vítima, sob pena de se promover, contra ela, uma espécie de vitimização secundária. Funcionando bem a Justiça isso já acontece (em razão do tratamento pouco amigável que o direito e suas agências jurídicas conferem à vítima). É de se imaginar quando funciona mal. Negar acesso da vítima à Justiça significa acirrar os ancestrais ânimos de vingança. Não á nada civilizado fechar as portas para a vítima, quando possível fazê-lo. Isso evita a tendencial justiça com as próprias mãos, que é uma das fábricas da violência e da delinquência no nosso país. Pensar de maneira contrária é incentivar a violência privada, isto é, a (já bastante produtiva) fábrica da delinquência no Brasil.

Notas de Rodapé :

[1] STF, Habeas Corpus (HC) 102.085/RS, Tribunal Pleno, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10.06.2010, DJE n. 113, 21.06.2010.

[2] Informações extraídas do site do Supremo Tribunal Federal ().

[3] No mesmo sentido da ministra Cármen Lúcia votaram os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Ellen Gracie e Celso de Mello.

[4] LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional . vol. 2. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 42.

[5] LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional . vol. 2. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 42-43.

[6] LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional . vol. 2. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 43 e 44.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal . 6. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 558-559.

[8] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal . 6. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 559.

BIBLIOGRAFIA

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional . vol. 2. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 42.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal . 6. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 559.

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