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18 de Abril de 2024
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    ARTIGO DO DIA - Pirataria: via conciliatória seria a solução

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Pirataria: via conciliatória seria a solução . Disponível em http:// www.lfg.com.br - 02 de agosto de 2010.

    Em apelação julgada pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, a desembargadora relatora Marli Mosimann Vargas negou pedido da defesa de um comerciante que foi condenado pela prática de crime contra a propriedade intelectual - violação de direito autoral. O acusado foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 184, , do CP: (... quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente ) pirataria.

    Na decisão foi aplicada a pena de dois anos de reclusão, em regime aberto, tendo sido convertida em 900 horas de prestação de serviços à comunidade, mais quatro salários-mínimos para a entidade. Chamou a atenção, no entanto, trecho da fundamentação do decisório que assim foi publicado:

    (...)

    Esquadrinhando o aumento de 9 (nove) meses realizado pelo sentenciante na primeira fase da dosimetria, constata-se que esse, de forma fundamentada, considerou desfavoráveis ao apelante três circunstâncias judiciais previstas naquele dispostivo legal, tais como culpabilidade ( grau de censurabilidade da conduta ), pois na condição de comerciante e no meio urbano em que vive, o apelante tinha amplo acesso às informações e campanhas divulgadas na mídia sobre a ilicitude de sua ação e, ainda assim, veio a praticá-la, merecendo a devida reprovação ; circunstâncias e consequências do delito, que foram corretamente atribuídas como graves, autorizando a majoração da pena.

    Frisa-se que a exasperação operada deu-se em fração menor daquela que vem sendo aplicada neste Tribunal consistente na razão de 1/6 (um sexto) para cada circunstância desfavorável, o que, in casu , resultaria um aumento de 12 (doze) meses. (Destacamos)

    (...)

    Apelação Criminal n. TJSC

    De acordo com a desembargadora, a venda de material pirata é conduta de elevada censurabilidade.

    O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o assunto no informativo 583 ao julgar o HC 98.898/SP . Na oportunidade a Defensoria Pública do Estado de São Paulo fundamentava o pedido de liberdade no princípio da adequação social. Mas a Suprema Corte não acolheu seus fundamentos, fixando o seguinte entendimento:

    Primeira Turma

    Pirataria e Princípio da Adequação Social

    A Turma indeferiu habeas corpus em que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo requeria, com base no princípio da adequação social, a declaração de atipicidade da conduta imputada a condenado como incurso nas penas do art. 184, , do CP (Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: ... 2º Na mesma pena do 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.). Sustentava-se que a referida conduta seria socialmente adequada, haja vista que a coletividade não recriminaria o vendedor de CDs e DVDs reproduzidos sem a autorização do titular do direito autoral, mas, ao contrário, estimularia a sua prática em virtude dos altos preços desses produtos, insuscetíveis de serem adquiridos por grande parte da população. Asseverou-se que o fato de a sociedade tolerar a prática do delito em questão não implicaria dizer que o comportamento do paciente poderia ser considerado lícito . Salientou-se, ademais, que a violação de direito autoral e a comercialização de produtos piratas sempre fora objeto de fiscalização e repressão. Afirmou-se que a conduta descrita nos autos causaria enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos , à indústria fonográfica e aos comerciantes regularmente estabelecidos. Rejeitou-se, por fim, o pedido formulado na tribuna de que fosse, então, aplicado na espécie o princípio da insignificância já que o paciente fora surpreendido na posse de 180 CDs piratas ao fundamento de que o juízo sentenciante também denegara o pleito tendo em conta a reincidência do paciente em relação ao mesmo delito. HC 98898/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.4.2010. (HC-98898) (Destacamos)

    O julgado foi oportunamente comentado por Joice de Souza Bezerra ( in Portal LFG , 25.05.10). De acordo com a autora, a decisão proferida no HC 98.898/SP é digna de críticas, pois deixou de considerar não só o princípio da adequação social, mas também o princípio da insignificância, ao estipular que para o Fisco 180 CDs piratas não são insignificantes, quando para o mesmo Fisco na sonegação fiscal o valor R$ 10.000,00, pela prática de descaminho, é insignificante.

    Para BEZERRA ser socialmente adequada não é sinônimo de conduta excelente , mas é antônimo de reprovação , neste sentido, entende que vender produtos (CD ou DVD) pirateados não é uma conduta que deva ser enaltecida, mas é bem verdade que também não se trata de prática reprovada pela sociedade. Pelo contrário, é a própria sociedade que faz uso deste material que estimula a produção e a venda de materiais pirateados. O contexto todo: de um lado os preços incompatíveis com a realidade brasileira dos produtos originais, de outro a situação de pessoas desempregadas que procuram alternativas para a própria subsistência e de seus familiares faz da conduta algo que não é de todo reprovável.

    A teoria da adequação social, de Hans Welzel, preconiza o raciocínio de acordo com o qual, é possível que ainda que a conduta se adeque ao tipo ela seja considerada atípica quando socialmente adequada, ou seja, se a prática que num primeiro momento é típica, mas está de acordo com a ordem social, ela é em verdade materialmente atípica porque não há lesividade ao bem jurídico protegido.

    Hoje a teoria da adequação social de Welzel deve ser enfocada sob a perspectiva (dogmática) da teoria da tipicidade material, que está ancorada sobretudo na teoria da imputação objetiva de Roxin. O que é socialmente aceito (amplamente aceito) não geraria risco proibido. Pela teoria do risco proibido o fato amplamente aceito ficaria fora do âmbito material da tipicidade.

    Há fatos socialmente aceitos que não geram conflitos (mãe que perfura a orelha da filha, por exemplo). Não há aqui qualquer tipo de conflitividade. Aqui não há espaço para qualquer tipo de sanção (muito menos a penal). Já não se pode afirmar a mesma coisa em relação à pirataria (visto que aqui acham-se envolvidos direitos autorais decorrentes de um trabalho intelectual ou manual etc.). Mas esse conflito é puramente econômico (ainda quando envolve o Estado e seu poder de tributação). O que é puramente econômico tem que ficar inteiramente reservado para o âmbito do consenso (não do conflito). Uma nova função para a polícia, de conciliação, resolveria tudo isso (já dentro da delegacia). Usar a máquina judiciária para a solução desse tipo de conflito (puramente econômico) é um desperdício, um exagero. Uma estrutura mínima de mediação (já a partir da delegacia de polícia) resolveria tudo isso. Esse tipo de conflito (decorrente da pirataria) jamais deveria chegar aos nossos tribunais. É muito pouco para colocar em marcha a velha e provecta máquina judicial.

    Daí porque não podemos concordar com o pensamento da respeitável desembargadora Marli Mosimann Vargas, para a qual a prática do delito constante no tipo 184, , do CP é conduta de elevada censurabilidade. É censurável a conduta, mas não é elevada. Tampouco fica isenta de qualquer censurabilidade (como diria Joice de Souza Bezerra). A terceira via (via da conciliação, mediação) apresenta-se como mais razoável (impondo-se urgente alteração legislativa).

    Assistam nossos comentários em "Jurisprudência Comentada", nosso "Direito em Pílulas" na TVLFG e no LFG News .

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