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8 de Maio de 2024
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    ARTIGO DO DIA - Carregador de celular dentro do presídio: não se trata de corrupção

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de Sousa. Carregador de celular dentro do presídio: não se trata de corrupção. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 09 de agosto de 2010.

    Em julgamento proferido no HC 154.307, a Quinta Turma do Tribunal da Cidadania decidiu anular ação penal ajuizada em desfavor de uma funcionária pública, servidora do setor de enfermagem de uma penitenciária do Estado de São Paulo.

    A servidora foi denunciada por ter supostamente tentado entrar no estabelecimento com um carregador de celular e, de acordo com a descrição da inicial, o objeto seria entregue a um detento. Por este motivo, à acusada imputou-se a prática de corrupção passiva, tendo sido condenada a cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime fechado, e por consequência perdeu o cargo público.

    Ao apreciar o writ , a Quinta Turma acolheu as alegações da defesa, para a qual a acusação era inepta, pois não descrevia qual a vantagem indevida prometida ou recebida pela funcionária; a denúncia teria se limitado a indicar que a acusada contrariou o dever funcional ao receber ou aceitar promessa de 'vantagem pecuniária, em troca do transporte do carregador de telefone celular para o interior da penitenciária.

    O relator do HC, ministro Jorge Mussi, indicou a inexistência de uma descrição mínima da conduta atribuída à paciente, já que o representante do parquet não especificou, nem descreveu a conduta que levaria a conclusão de que a acusada praticou o crime descrito no artigo 317 do Código Penal. Salientou, oportunamente, que a falta de especificação dos fatos criminosos, com todas as circunstâncias, tal como exigido pela Lei Processual Penal, impede o exercício mínimo da ampla defesa.

    Sim. Parece-nos que realmente é possível se identificar alguns equívocos na peça ministerial em comento.

    Decorre do direito constitucionalmente assegurado à ampla defesa, a necessidade de que, tanto a denúncia quanto a queixa, demonstrem de maneira inequívoca os fatos que se amoldam corretamente ao tipo penal identificado para o caso concreto. A exigência também está condizente com o princípio da reserva legal, pois se faz indispensável a demonstração do enquadramento da conduta narrada a uma norma penal incriminadora.

    A denúncia, instrumento que retrata a exposição escrita do fato caracterizado como infração penal, deve fazer essa descrição com todas as suas circunstâncias. Veja-se, é da descrição pormenorizada dos fatos descritos na denúncia que o acusado se defende, sendo também com base neles que a sentença deverá ser proferida (princípio da correlação).

    Incorreu em equívoco o Ministério Público, ao imputar à acusada a prática de corrupção passiva (art. 317 do CP) na modalidade tentada, por ter sido surpreendida tentando entrar num presídio com um carregador de celular. O fato se amolda mais ao crime recentemente incluído no Código Penal, descrito no artigo 349-A: Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional. (Incluído pela Lei nº 12.012, de 2009). Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

    Ao comentar a inovação legislativa acima mencionada, Rogério Greco lembra que a iniciativa se deu em razão de que na prática a pena não vem cumprindo a denominada prevenção especial negativa ; de acordo com esta finalidade, previne-se a prática de crimes de maneira específica, pois quando o deliquente está encarcerado, está ao mesmo tempo impedido de delinquir. Ocorre que, na realidade, os criminosos mesmo de dentro dos presídios continuam a praticar e a coordenar práticas delituosas.

    Assim, visando a que o preso não tivesse acesso aos meios de comunicação que lhe permitam esse tipo de conduta, a Lei 12.012/09 inseriu o artigo acima transcrito.

    GRECO ressalta que, num primeiro momento, o tipo não parece ter sido destinado àqueles que exerçam funções no sistema prisional, mas isso não impede, contudo, que o funcionário público que, sem receber qualquer vantagem facilite a entrada de aparelhos descritos no tipo, incorra na sua tipificação. Observe-se dessa forma, a necessidade da perfeita descrição na denúncia sobre a existência de qualquer vantagem a motivar a ação do criminoso.

    Daí concordarmos com a posição do STJ, ao determinar a anulação da ação penal desde o recebimento da denúncia, sem prejuízo do oferecimento de outra de acordo com os requisitos legais, leia-se: com correta descrição dos fatos para que seja possível uma perfeita adequação típica e com isso resposta estatal adequada ao fato perpetrado pela acusada.

    Referência bibliográfica :

    GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial , volume IV. 6. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010. p. 621.

    Assistam nossos comentários em "Jurisprudência Comentada", nosso "Direito em Pílulas" na TVLFG e no LFG News .

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