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19 de Abril de 2024
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    Terceira Turma do STJ entende que grave deficiência visual não invalida testamento cerrado

    há 13 anos

    DECISAO STJ

    (Fonte: www.stj.gov.br)

    É válido testamento cerrado elaborado por testadora com grave deficiência visual

    Na discussão jurídica sobre a validade de um testamento, o que deve prevalecer é o respeito à vontade real do testador. Qualquer alegação que justifique a nulidade precisa estar baseada em fato concreto, e não em meras formalidades. Com essa orientação, a Terceira Tuma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido para anular o documento testamentário de uma empresária que estaria cega no ato da elaboração de seu testamento. O relator do recurso foi o ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

    De acordo com as informações processuais, as duas únicas sobrinhas de uma senhora falecida em Santa Catarina entraram com ação de anulação do testamento cerrado elaborado pela tia, empresária da cidade de Jaraguá do Sul (SC), que morreu solteira e deixou seus bens para instituições de caridade locais. O testamento cerrado, às vezes chamado de secreto ou místico, é aquele documento escrito pelo próprio testador, ou por alguém designado por ele, com caráter sigiloso, completado pelo instrumento de aprovação lavrado por oficial público (tabelião) na presença de cinco testemunhas.

    As sobrinhas contestavam a validade do documento, sustentando a incompetência da tabeliã que lavrou o termo de confirmação. Afirmavam, também, que a tia, à época que elaborou o testamento, estaria completamente cega e sofrendo de problemas mentais decorrentes de sua idade avançada. Desse modo, o tipo de testamento (cerrado) seria nulo. Os advogados das sobrinhas alegaram, ainda, que a empresária teria sido manipulada pela pessoa que digitou seu ato de última vontade, por se tratar de uma das beneficiadas pelo testamento. Para corroborar os argumentos, apresentaram laudos médicos e outras provas produzidas de forma unilateral.

    Recursos

    O pedido, entretanto, foi negado na primeira e segunda instâncias. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) confirmou a validade do testamento, porque somente quando a cegueira é total é que é vedado à pessoa testar cerradamente. Tal não ocorre quando os laudos, juntados aos autos pelas próprias proponentes da anulação, deixam entrever a possibilidade da testadora, em que pese a sua cegueira iminente, de inteirar-se do conteúdo do testamento cerrado que incumbiu a terceiro lavrar, ainda que com o auxílio de instrumentos oftalmológicos especiais, quando não se comprova a não utilização desses métodos, argumentou o TJSC.

    Segundo as normas da Organização Mundial da Saúde (OMS), é considerada cega a pessoa que apresenta, no olho, dominante grau de acuidade visual inferior a 0,1. Segundo dados contidos no processo, a testadora não estava totalmente cega, uma vez que o grau de acuidade visual dela no olho direito era de 0,1. Para o oftalmologista consultado, o problema da empresária pode ter sido amenizado pela utilização de lupas, telelupas ou mesmo por meio da iluminação intensa do documento.

    Testemunhos juntados aos autos também atestam que a falecida permaneceu à frente da sua empresa até o dia em que foi internada, tendo comparecido pessoalmente ao tabelionato de Jaraguá do Sul, sem acompanhantes ou auxílio de muletas, para reafirmar que o testamento contestado era expressão de sua real vontade, assinando-o na presença da tabeliã e de testemunhas.

    Inconformadas, as sobrinhas recorreram para o STJ. O relator do processo, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, não encontrou base legal para acolher o pedido. É de se ponderar, nos termos da jurisprudência desta Casa, que o rigor formal deve ceder ante a necessidade de se atender à finalidade do ato, regularmente praticado pelo testador, afirmou o ministro. Para ele, deve-se interpretar a matéria testamentária no intuito de fazer prevalecer a vontade do testador.

    Em seu voto, o ministro destacou que reavaliar a conclusão do acórdão exigiria reexame de fatos e provas, o que não é possível em recurso especial. O mesmo se aplica quanto à alegação de incapacidade mental da testadora, que para o TJSC não ficou comprovada de forma convincente, isenta de dúvidas. Assim, presume-se a existência de capacidade plena.

    Quanto à alegação de que o sigilo do testamento teria sido quebrado, porque não teria sido assinado apenas pelo testador, o ministro disse beirar a irrisão. Se o documento foi assinado somente pela testadora e as testemunhas firmaram apenas o termo de encerramento e demais papéis que lhes foram apresentados, o ato ficou restrito aos seus próprios fins e as testemunhas não tiveram conhecimento do conteúdo do testamento, concluiu.

    NOTAS DA REDAÇAO

    No ordenamento jurídico pátrio o direito sucessório fundamentalmente se divide em: regras da sucessão geral, regras da sucessão legítima, regras da sucessão testamentária e regras do inventário e da partilha.

    Após o falecimento do de cujus o patrimônio deixado por ele seguirá o destino que se estampa nas regras sucessórias do direito civil positivado. E, pela regra geral disposta no artigo 1.784 do novo Código Civil a sucessão considera-se aberta no instante da morte, seja ela presumida ou real. Vejamos a redação legal:

    Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

    Deste modo, por determinação legal e como decorrência do princípio da saisine a posse e a propriedade serão transmitidas automaticamente. Contudo, pelas regras testamentárias, a transmissão deriva da prevalência da vontade do falecido, ou seja, por meio do testamento, o qual implica na mitigação do princípio da saisine .

    A sucessão testamentária é de pouca aplicação prática no Brasil, pois além do brasileiro não ter um vasto patrimônio para dispor em testamento, a sucessão legítima contempla, justamente, as pessoas que, em regra, serão contempladas pelo autor da herança, o que por fim dispensa e desestimula o testamento.

    O testamento pode ser considerado como negócio jurídico causa mortis , pelo qual o titular dispõe de seu patrimônio de acordo com sua vontade para depois de sua morte. Sendo, portanto, uma doação pós morte. Ressalte-se, contudo, que no testamento pode conter outras declarações de vontade, como reconhecimento de filho, nomeação de tutor, deserdação, dentre outras.

    São pressupostos da sucessão testamentária o atendimento às formalidades legais, a capacidade testamentária ativa e passiva e o respeito ao limite da legítima. No que tange a esse último pressuposto - limite da legítima - diz respeito aos 50% reservados aos herdeiros necessários, conforme dispõe os artigos do novo Código Civil abaixo:

    Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança . (grifos nossos)

    Art. 1.857. (...) 1º A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento . (grifos nossos)

    A verificação da capacidade testamentária ativa ocorre no momento da elaboração do testamento, e nos termos doparágrafo únicoo do art. 1.8600,CCC podem testar os maiores de dezesseis anos . Já a capacidade testamentária passiva é analisada no momento da abertura da sucessão. Assim, legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas nesse momento, as pessoas jurídicas, as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação e excepcionalmente os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão. Ressalte-se que o art. 801, CC estabelece limitações à capacidade testamentária passiva com um rol de pessoas que não podem suceder.

    Com relação às formas de testamentos, tem-se: testamento ordinário (elaborados em condições comuns) e testamentos especiais (elaborados em condições anômalas). Os testamentos ordinários podem ser de três espécies: público, cerrado e particular. Já os especiais podem ser: marítimo, aeronáutico ou militar.

    O caso em tela trata do testamento cerrado , que consiste num testamento secreto de conteúdo sigiloso, elaborado pelo testador, ou por outra pessoa, a seu rogo, e por aquele assinado, declarado como o seu testamento, lacrado e entregue ao tabelião ou servidor notarial em presença de duas testemunhas para que seja lavrado o auto de aprovação, o qual deverá ser lido ao testador e às testemunhas, para que ao final todos assinem. Note-se que o testamento cerrado poderá ser redigido em língua estrangeira, pois o auto de aprovação e respectivo registro não dizem respeito ao conteúdo do testamento, visto que é sigiloso, mas da sua existência.

    Nos termos do art. 1.873, CC, pode fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o escreva por inteiro e o assine de próprio punho. Porém, não podem dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler (art. 1.872, CC), ou seja, aos analfabetos e cegos é vedada essa espécie de testamento.

    Contudo, saber, mas não poder ler, implica em ausência total de visão e não apenas parcial. Logo, se o testador pode parcialmente ler o conteúdo do seu testamento e assiná-lo, nada impede que a modalidade cerrada seja a escolhida.

    Considerando que na discussão jurídica sobre a validade de um testamento, o que deve prevalecer é o respeito à vontade real do testador, não será a simples alegação de cegueira que irá justificar a nulidade do testamento. Por isso, a Terceira turma do STJ negou o pedido para anular o testamento cerrado de uma empresária que não teve a sua cegueira comprovada.

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