Do Indulto Natalino e comutação de penas e seu alcance aos condenados no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, diante do Decreto nº 6.706, de 22 de dezembro de 2008. - Clarence Willians Duccini
Como citar este comentário: DUCCINI, Clarence Willians. Do Indulto Natalino e comutacao de penas e seu alcance aos condenados no artigo 33 , § 4º , da Lei 11.343 /06, diante do Decreto nº 6.706 , de 22 de dezembro de 2008. Disponível em http://www.lfg.com.br. 11 de janeiro de 2009.
Como ocorre todo final de ano, o Presidente da República, diante das prerrogativas que lhe confere o artigo 84 , XII , da Constituição Federal , após estudo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que colheu sugestões de diversas entidades e instituições, emitiu Decreto nº 6.706 de 22 de dezembro de 2008, prevendo indulto natalino e comutação de penas, ato de governo de ampla discricionariedade [ 1 ], mas com limites previstos na própria Constituição Federal .
Entre as novidades, prevê a possibilidade da concessão dos benefícios aos condenados pelos §§ 2º a 4º do artigo 33 da Lei 11.343 /06 [ 2 ].
Embora fosse desnecessário especificar a não incidência do óbice aos §§ 2º e 3º [ 3 ], o poder executivo resolveu delimitar que nestes casos não se trata de tráfico, embora no mesmo contexto do artigo 33 da Lei 11.343 /06, diante o entendimento nominando uma destas incriminações (§ 3º) como tráfico privilegiado [ 4 ].
Contudo, a titulação de tráfico privilegiado para conduta do uso compartilhado com vínculo (relacionamento), traz conseqüências severas, e embora seja evidente que diante da pena prevista no preceito secundário seja considerado crime de menor potencial ofensivo, não é possível consolidar este entendimento, pois não há como assemelhar o uso compartilhado aos crimes assemelhados aos hediondos com as incidências da Lei 8.072 /90.
Sem levar a uma possível interpretação e adequação da nomenclatura ideal, João Carlos Carollo [ 5 ] sustenta ter incidindo em erro o legislador em colocar o § 3º do art. 33 junto às condutas de tráfico, sugerindo a titulação de "uso qualificado".
O mesmo questionamento é feito por Salo de Carvalho [ 6 ], quanto ao legislador efetivamente ter deixado de diferenciar as condutas e lesão ao bem jurídico, ao enquadrar junto às modalidades de comércio ilegal.
Por outro lado, João José Leal e Rodrigo José Leal [ 7 ], asseveram que somente os três incisos do art. 33 [ 8 ] são condutas equiparadas ao crime de tráfico de drogas e assim podem ser juridicamente denominadas, mas as modalidades do § 2º e § 3º não podem ser equiparadas, pois com autonomia normativa.
Neste ponto serve a exposição esclarecedora de Munoz Conde [ 9 ] quanto à técnica legislativa sobre a identificação de qualificadoras e causas especiais de aumento:
"Para se saber se está diante de um tipo qualificado ou privilegiado ou quando diante de um tipo autônomo é necessário socorrer-se da interpretação, partindo da regra legal concreta. Os tipos qualificados ou privilegiados associam circunstâncias agravantes ou atenuantes, mas não modificam os elementos fundamentais do tipo básico. O delito autônomo constitui, ao contrário, uma estrutura jurídica unitária, com um conteúdo e âmbito de aplicação próprios, com medida penal autônoma ".
Examinada a composição da estrutura dos parágrafos, verifica-se que ela não se ajusta aos conceitos de qualificadora, causa especial de aumento ou diminuição de pena (privilegio), adequando-se à de crime autônomo e independente, por conter descrição de conduta, objeto e sanção, ou seja, características e peculiaridades próprias de tipo legal de crime distinto do básico ou fundamental do caput do artigo 33.
Nota-se que o tratamento penal é diferenciado, não com o mesmo rigor do tráfico e suas condutas equiparadas, sendo impossível incidirem as regras da lei 8.072 /90, bastando para tanto uma leitura superficial ao artigo 44 da Lei 11.343 /06 [ 10 ].
Diante destas considerações, não seria sequer necessário a especificação do poder executivo quanto à plena aplicabilidade do indulto e comutação nas hipóteses dos §§ 2º e 3º do artigo 33 da Lei 11.343 /06.
Mas a maior controvérsia é quanto à incidência dos benefícios previstos no Decreto nº 6.706 de 22 de dezembro de 2008, aos condenados por tráfico com a diminuição da pena do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343 /06, o qual é titulado por Renato Marcão [ 11 ] como tráfico privilegiado.
O ato normativo prevê no artigo 8º , inciso I , a possibilidade da concessão do indulto e comutação aos condenados nas penas do artigo 33 , § 4º , da Lei 11.343 /06, desde que a conduta típica não tenha configurado a prática da mercancia, típica hipótese do "mula".
Mas, será que deixa de ser titulada como tráfico a conduta de quem, primário, com bons antecedentes, que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa, transporta, guarda ou mantém em depósito droga?
É verdade, que como leciona Alberto Silva Franco [ 12 ] ao discorrer sobre o tráfico de entorpecente, aduz que a palavra tráfico está vinculada às idéias de comércio, mercancia, sendo que, na exposição de Salo de Carvalho [ 13 ], ante a quantidade de hipóteses que podem ser subsumidas a categoria de tráfico, deve levar a chave interpretativa de que somente é qualificado de tráfico os comportamentos cuja natureza identifica ato comercial.
Contudo, o entendimento dominante é que o tipo penal (artigo 33 da Lei 11.343 /06) equivalente ao anterior artigo 12 da Lei 6.368 /76 é congruente simétrico, esgotando-se, o seu tipo subjetivo, no dolo, sendo que as figuras, de transportar, trazer consigo, guardar ou, ainda, de adquirir não exigem, para a adequação típica, qualquer elemento subjetivo adicional tal como o fim de traficar ou comercializar [ 14 ].
Portanto, independente da condição pessoal e as circunstâncias favoráveis do agente, a conduta não deixa de ser titulada como tráfico pelo fato de ser primário.
Mas, se há limites ao exercício do poder discricionário na lei fundamental, o ato normativo padece de inconstitucionalidade ao estender benefício aos condenados por tráfico privilegiado, independente se restou caracterizado atos de comércio, até porque não há fundamento consistente em afastar a incidência da Lei 8.072 /90, equiparando a hipótese do homicídio qualificado-privilegiado [ 15 ], quando o fundamento para afastar a incidência são os motivos do crime [ 16 ] e não as circunstâncias favoráveis do agente.
Aliás, a Suprema Corte [ 17 ] já decidiu que não há possibilidade da concessão de indulto e comutação para condenados por tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e mesmo quando há previsão no Decreto Presidencial, ainda que na hipótese de exceção, como ocorreu na apreciação da compatibilidade do § 2º do artigo 7º do Decreto nº 4.495 /2002 com o texto constitucional , especificamente o inciso XLIII do artigo 5º da Carta da Republica .
Dessa forma, indo além o poder normativo, por desrespeito aos limites previstos na norma fundamental, como leciona Luigi Ferrajoli [ 18 ], deve-se considerar sem validade normativa o artigo 8º , inciso I , do Decreto nº 6.706 de 22 de dezembro de 2008, na parte em que prevê possibilidade de indulto e comutação aos condenados por tráfico privilegiado (art. 33 § 4º da Lei 11.343 /06).
1. STF - HC nº 90364/MG - Tribunal Pleno - Rel. Ricardo Lewandowski, j. 31.10.2007.
2. Art. 8o Os benefícios previstos neste Decreto não alcançam os condenados: I - por crime de tortura, terrorismo ou tráfico ilícito de drogas, nos termos do art. 33 da Lei no 11.343 , de 23 de agosto de 2006, excetuadas as hipóteses previstas nos §§ 2o ao 4o do artigo citado, desde que a conduta típica não tenha configurado a prática da mercancia;
3. Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: § 2º Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. § 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28. § 4º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
4. GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Drogas, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p.21. No mesmo sentido: THUMS, Gilberto, PACHECO, Vilmar. Nova Lei de Drogas: Crimes, investigação e processo. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007. p. 89.
5. CAROLLO, João Carlos. Sucintos comentários à Lei nº 11.343 /2006 . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1242, 25 nov. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9213. Acesso em: 28 fev. 2008 .
6. CARVALHO. Salo de. A política Criminal de Drogas no Brasil, 4ª ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2007, p.190.
7. LEAL, João José; LEAL, Rodrigo José. Nova política criminal e controle do crime de tráfico ilícito de drogas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1435, 6 jun. 2007. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9948. Acesso em: 28 fev. 2008.
8. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas; II - semeia, cultiva ou faz a colheita, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, de plantas que se constituam em matéria-prima para a preparação de drogas; III - utiliza local ou bem de qualquer natureza de que tem a propriedade, posse, administração, guarda ou vigilância, ou consente que outrem dele se utilize, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, para o tráfico ilícito de drogas.
9. CONDE. Munhoz. Teoria Geral do Delito, Sérgio Antônio Fabris Editor, p. 48.
10. Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
11. MARCÃO. Renato. Tóxicos, Nova Lei de Drogas, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.137.
12. FRANCO, Alberto Silva. Et.al. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.1178.
13. CARVALHO. Salo de. Op. cit., p.227.
14. REsp 912.257/MG , Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 22/05/2007, DJ 27/08/2007 p. 288; No mesmo sentido: HC 44.119/BA , Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/04/2006, DJ 08/05/2006 p. 243.
15. TJMG - Apelação Criminal Nº 1.0313.05.164060-2/001 - 5ª Câmara Criminal- Rel. Maria Celeste Porto, j.30.09.2008.
16. Art. 121 § 1º "Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima".
17. STF - ADIN-MC 2795/DF - Tribunal Pleno - Rel. Mauricio Corrêa, j. 08.05.2003.
18. FERRAJOLI. Luigi. O Estado de Direito entre o passado e o futuro in, O Estado de Direito, História, Teoria, Crítica - COSTA, Pietro, ZOLO, Danilo (orgs) São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.409.
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