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    Lei Seca: alcoolemia zero, punibilidade também - Aldo de Campos Costa

    há 16 anos

    Como citar este comentário: COSTA: Aldo de Campos. Lei Seca : alcoolemia zero, punibilidade também. Disponível em http://www.lfg.com.br . 24 julho. 2008.

    Quando a Lei nº 9.503 instituiu em 1997 o Código de Trânsito Brasileiro , a redação original de seu artigo 165 exigia que o motorista portasse mais de 6 decigramas de substância etílica por litro de sangue para que a infração administrativa de embriaguez ao volante, pudesse ser caracterizada .

    À época, muitos doutrinadores alertaram que o Código teria adotado um critério muito rigoroso para punir, administrativamente, o motorista que dirigia após ingerir bebida alcoólica, já que o nível de concentração mínima de álcool no sangue não podia ser constatado por meio de um exame clínico ou por mera declaração do agente de trânsito. Para a doutrina, o exame de cada caso concreto consistiria em um critério de aferição muito mais adequado à hipótese, na medida em que "não ocorre uma relação exata e obrigatória entre a quantidade de álcool no sangue e as repercussões no sistema nervoso" , valendo lembrar aqui que o tipo do art. 165 do Código de Trânsito não exigia a constatação do estado de embriaguez para a configuração da infração administrativa de trânsito, mas tão somente a influência de álcool na condução de veículo automotor pelo agente.

    Nada obstante, foi preciso que decorressem quase 10 anos de vigência daquele diploma legal para que o Congresso Nacional se desse conta da impossibilidade de se punir administrativamente os infratores que se recusavam a realizar o testes de alcoolemia previstos no Código. É que, como bem afirmou o autor das modificações originais propostas ao art. 165, deputado Beto Albuquerque, "[apesar dos testes de alcoolemia] constituírem a prova de que o condutor se encontra ou não embriagado e, conseqüentemente, serem capazes de configurar a infração ou o crime de trânsito, pelo direito brasileiro, ninguém é obrigado a fazê-los. Desta forma, não haveria como caracterizar o delito. Conseqüentemente, isso acaba gerando a impunidade, o que é inadmissível, pois todos sabemos que um dos maiores responsáveis por acidentes de trânsito é o estado de embriaguez dos condutores" .

    Com efeito, na medida em que a jurisprudência de nossos tribunais amplia a cláusula da ampla defesa e de outros preceitos constitucionais, como o da presunção de inocência, para daí extrair o entendimento de que ninguém está obrigado a fazer prova contra si mesmo, não era mesmo de se esperar que os condutores flagrados pela fiscalização se auto-incriminassem, soprando o bafômetro ou permitindo a coleta de seu material sanguíneo, o que inviabiliza, por óbvio, a obtenção da prova necessária à caracterização da embriaguez ao volante.

    A medida legislativa projetada consistia, portanto, em combater a recusa do condutor em realizar os testes de alcoolemia, permitindo que a infração administrativa também pudesse ser caracterizada por notórios e incontestáveis sinais de embriaguez, aos olhos de qualquer testemunha. O agente de trânsito passaria a poder descrever os sintomas de influência alcoólica do condutor que se negasse a realizar o exame de bafômetro, e lavrar a autuação, sem que estivesse limitado pelo limite de concentração etílica ao qual a lei fazia referência.

    O referido projeto, que após a sua propositura deu origem à Lei 11.275 , de 7 de fevereiro de 2006 - modificou, radicalmente, a redação do art. 165 do Código de Trânsito - que passou então a não mais mencionar o limite de concentração alcoólica necessária à caracterização do ilícito administrativo (seis decigramas por litro de sangue), sendo suficiente, desde então, que o motorista estivesse dirigindo sob influência de álcool para que a conduta descrita na primeira parte daquele dispositivo restasse caracterizada, incluindo-se aí também os casos em que o condutor se recusasse a fazer os testes de alcoolemia previstos na Lei nº 9.503 /97.

    Dito com outras palavras, desde o advento da Lei nº 11.275 /06, deixou de ser necessário que o motorista apresente mais de seis decigramas de substância etílica por litro de sangue para que se lhe possa imputar a infração administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito, sendo suficiente para a configuração da infração administrativa de trânsito em exame, a constatação, por meio de qualquer prova que permita certificar que o motorista encontrava-se dirigindo sob a influência de substância alcoólica, ainda que o extinto limite legal de alcoolemia não tivesse sido superado.

    Com a edição da Lei nº 11.705 , de 19 de junho de 2008, sobrevieram mais alterações no Código de Trânsito Brasileiro , sobretudo no que diz respeito às conseqüências legais do consumo de álcool durante a direção veicular. Nesse tocante, malgrado as modificações encampadas pela denominada "Lei de Tolerância Zero" ou "Lei Seca" não tenham alterado substancialmente o conteúdo do ilícito administrativo previsto no art. 165 do Código de Trânsito Brasileiro , o mesmo não pode se afirmar quanto ao texto da norma penal consubstanciada no art. 306 do mesmo diploma legal, que passou a reclamar a verificação exata da taxa de alcoolemia presente na corrente sanguínea do condutor , ressuscitando um desastroso critério técnico objetivo que, além de impedir a aferição da concentração de álcool por simples testemunho ou exame clínico, inviabiliza a própria aplicação do dispositivo penal, tal qual ocorria para a caracterização da infração administrativa prevista no art. 165 do Código de Trânsito, anteriormente à vigência da Lei nº 11.275 /06.

    A nova lei poderia ter determinado que um órgão administrativo, como o Departamento Nacional de Trânsito, elaborasse o complemento normativo do tipo do art. 306 (o nível de substância alcoólica por litro de sangue bastante para a configuração do ilícito de embriaguez ao volante), valendo-se de conhecida técnica de remissão a outra instância legislativa empregada pelo direito penal sempre que a matéria de proibição for passível de modificação segundo as vicissitudes que sofrem os acontecimentos a que se referem .

    Ao revés, a Lei nº 11.705 /08 optou pela retomada de uma fórmula que, além de engessar - conforme afirmado anteriormente - a aplicação da própria lei, já havia fracassado de forma retumbante no que se refere à execução da infração administrativa correlativa, e que precisou, no passado, mutatis mutandis, de se socorrer do remédio trazido pela Lei nº 11.275 /06 para que não se tornasse absolutamente inócua. Tudo isso em detrimento do sensato critério da influência da substância inebriante na condução do veículo, exigível até a edição da Lei Seca para a constituição típica tanto do ilícito administrativo quanto do ilícito penal previstos, respectivamente, nos artigos 165 e 306 daquele diploma legal.

    Em suma, a impressão que fica é a de que o legislador definitivamente parece não ter vontade, nem interesse de aprender com os erros do passado. E nesse encadeamento, basta que daqui para frente as pessoas que forem paradas numa blitz se recusem a fazer o teste do bafômetro ou deixem de se submeter a exame de sangue, únicos instrumentos hábeis que permitem a comprovação do nível de concentração alcoólica estabelecido no art. 306 da Lei Seca , para que a política criminal de "alcoolemia zero" revele, de forma escandalosa, toda a sua ineficácia ideológica e persuasória.

    infração administrativa

    Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (Redação original do CTB)

    Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (Redação dada pela Lei nº 11.275 , de 2006).

    Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência

    (Redação dada pela Lei nº 11.705 , de 2008).

    infração penal

    Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem (Redação original do CTB).

    Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705 , de 2008).

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