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19 de Abril de 2024
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    MP pode investigar (diz Segunda Turma do STF)

    há 15 anos

    Como citar este artigo: ALMEIDA, Patrícia Donati; GOMES, Luiz Flávio. MP pode investigar (diz Segunda Turma do STF) . Disponível em http://www.lfg.com.br. 16 de março de 2009.

    Existe previsão constitucional para que o Ministério Público (MP) possa presidir investigação criminal: essa foi a decisão unânime da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento realizado no dia 10.03.09, na análise do Habeas Corpus (HC) 91.661 , referente a uma ação penal instaurada a pedido do MP, na qual os réus são policiais acusados de imputar a outra pessoa uma contravenção ou crime mesmo sabendo que a acusação era falsa.

    De acordo com a ministra Ellen Gracie, relatora do Habeas Corpus, é perfeitamente possível que o Ministério Público promova a coleta de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e materialidade de determinado delito. "Essa conclusão não significa retirar da polícia judiciária as atribuições previstas constitucionalmente", afirmou Ellen Gracie ao site do STF.

    A ministra destacou que a questão de fundo do HC dizia respeito à possibilidade de o MP abrir procedimento administrativo de cunho investigatório e depois propor a ação penal. "Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente à obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a persecução penal", explicou a ministra.

    "No presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que também justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo MP", acrescentou Ellen Gracie.

    A ministra do STF também afastou a alegação da defesa de que o membro do MP que tenha tomado conhecimento de fatos em tese delituosos, ainda que por meio de oitiva de testemunhas, não poderia ser o mesmo a oferecer a denúncia em relação a esses fatos. "Não há óbice legal", concluiu.

    Nossos comentários: a possibilidade de o Ministério Público presidir investigação criminal sempre foi um tema bastante complexo (e controvertido). A doutrina (assim como a jurisprudência) nunca chegou a um consenso. Por detrás dessa extensa polêmica jurídica existe um secular conflito (institucional e intestinal) entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária (tendo como terceiro interessado e interveniente a advocacia).

    O Ministério Público, de forma inquestionável, tem poderes para investigar os seus próprios membros. Aliás, essa regra é reconhecida e se aplica há tempos. O que se discute é o seu poder de investigação geral, ou seja, a sua atribuição para presidir a investigação de qualquer crime. É aqui que está o problema (visto que tanto a polícia como os advogados nunca aceitaram esse poder).

    Há tempos o STJ admite tal possibilidade. Em recentíssima decisão, publicada no início de março de 2009 (02/03/2009 - HC 83020 / RS) a Corte reconheceu, mais uma vez, a legitimidade do órgão ministerial para presidir a fase de investigação preliminar. De outro lado, ratificou o entendimento consagrado na sua súmula 234 no sentido de que "a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia".

    Já no STF o tema nunca foi tranqüilo. A jurisprudência mais antiga dessa Corte Suprema não reconhecia a possibilidade de membro do parquet presidir investigações gerais. No Inq. 1968 o tema está sendo discutido e já se nota uma evidente tendência de alteração dessa antiga posição (três votos e dois, por ora, admitem o poder investigatório amplo do MP). O julgamento do HC 91.661 (Segunda Turma) veio ratificar essa tendência.

    O art. 144 da CF , em sua atual redação, não atribuiu ao MP poderes de investigação criminal por conta própria. Essa tarefa compete prioritariamente (ou exclusivamente, no caso da Polícia Federal) à Polícia Judiciária. Mas dentre as funções do MP (CF , art. 129) encontra-se a possibilidade de requisitar documentos, ouvir pessoas etc. Se de um lado o controle externo que pode ser exercido (pelo MP, sobre a Polícia) não chega ao extremo de permitir a presidência de uma investigação, de outro, é certo que o MP conta amplos poderes de realizar diligências investigatórias (poderes esses dados tanto pela CF como pelas suas leis orgânicas). Pode o MP acompanhar o inquérito policial e, além disso, também pode requisitar documentos, ouvir pessoas etc.

    O ordenamento jurídico, como se vê, não é muito claro a respeito do tema. É dúbio. E toda legislação dúbia, como se sabe, abre margem para diversas interpretações. Estrategicamente o STF colocou o assunto no limbo (já faz muito tempo). Diante dessa postura (política do avestruz, que mete a cabeça dentro da terra e esquece o mundo) continua o MP investigando muitos fatos. Em apoio à tese favorável ao MP será invocada, num determinado momento, a teoria do fato consumado. Sobretudo quando se trata da investigação de policiais, é certo que nada mais adequado que essa atividade seja presidida pelo Ministério Público (que conta com autonomia suficiente para isso, evitando-se possível corporativismo quando dessa etapa da persecução penal cuida a própria polícia).

    Caso o STF, pelo seu órgão Pleno, venha a ratificar o entendimento da Segunda Turma, restam então definir (com toda segurança possível) os limites investigatórios do MP. Não contamos hoje, na lei, com regras claras sobre como ele concretizaria essa atividade persecutória. Os advogados, os investigados e a população em geral têm o direito de conhecer previamente as regras do jogo (ou seja: as regras determinantes de todas as atividades investigatórias).

    O Estado de Direito (com regras jurídicas claras) deve reger em toda sua amplitude essa atividade, que é invasiva e delimitativa de direitos fundamentais sumamente relevantes. A preocupação central, lógico, reside nos abusos. Ninguém está autorizado, no Estado democrático de direito, a praticar excessos. O STF, caso conclua pela possibilidade de investigação geral pelo MP, deve tomar o cuidado de deixar claro quais regras serão seguidas por ele, em suas investigações próprias.

    Recorde-se: todo órgão público que detém poder tende a extrapolá-lo (tende a abusos). Limites firmes são, portanto, absolutamente necessários. Ninguém está disposto, em pleno século XXI, a aceitar as regras da inquisição da Idade Média, nem as nefastas investigações do Estado de Polícia, nem as perseguições nazistas. Equilíbrio, razoabilidade e proporcionalidade: é disso que vive o sensato Estado de Direito.

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