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    Algemas: uso restrito, súmula 11 e Direito Penal do Inimigo - Luiz Flávio Gomes

    há 16 anos

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Algemas: uso restrito, súmula 11 e Direito Penal do Inimigo . Disponível em http://www.lfg.com.br 19 agosto. 2008.

    "O uso de algemas tem caráter excepcional. (1) Com base nesse entendimento, o Tribunal concedeu habeas corpus ? impetrado em favor de condenado à pena de 13 anos e 6 meses de reclusão pela prática dos crimes previstos no art. 121 , § 2º , II , III e IV , do CP , e no art. 10 , da Lei 9.437 /97 ? para tornar insubsistente a decisão do Tribunal do Júri, e determinar que outro julgamento seja realizado, com a manutenção do acusado sem as algemas. (2) Na espécie, o paciente permanecera algemado durante toda a sessão do Júri, tendo sido indeferido o pedido da defesa para que as algemas fossem retiradas, ao fundamento de inexistência de constrangimento ilegal, sobretudo porque tal circunstância se faria necessária ao bom andamento dos trabalhos, uma vez que a segurança, naquele momento, estaria sendo realizada por apenas 2 policiais civis, e, ainda, porque o réu permanecera algemado em todas as audiências ocorridas antes da pronúncia."

    "Entendeu-se que o uso das algemas, no caso, estaria em confronto com a ordem jurídico-constitucional, tendo em conta que não havia, no caso, uma justificativa socialmente aceitável para submeter o acusado à humilhação de permanecer durante horas algemado, (3) quando do julgamento no Tribunal do Júri, não tendo sido, ademais, apontado um único dado concreto, relativo ao perfil do acusado, que estivesse a exigir, em prol da segurança, a permanência com algemas. (4) Além disso, afirmou-se que a deficiência na estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido e que, inexistente o aparato de segurança necessário, impunha-se o adiamento da sessão. (5) Salientou-se, inicialmente, que o julgamento perante o Tribunal do Júri não requer a custódia preventiva do acusado (CF , art. , LVII), não sendo necessária sequer sua presença (CPP , art. 474 , alterado pela Lei 11.689 /2008). Considerou-se, também, o princípio da não-culpabilidade, asseverando-se que a pessoa acusada da prática de crime doloso contra a vida merece o tratamento devido aos humanos, (6) aos que vivem em um Estado Democrático de Direito. Ressaltou-se que o art. da CF tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e que da leitura do rol das garantias constitucionais previstas no art. (incisos XIX, LXI, XLIX, LXI, LXIII, LXIV, LXV, LXVI, XLVIII), depreende-se a preocupação em se resguardar a figura do preso, repousando tais preceitos no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na imprescindibilidade de lhe ser preservada a dignidade. Aduziu-se que manter o acusado algemado em audiência, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, implicaria colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior. Acrescentou-se que, em razão de o julgamento no Júri ser procedido por pessoas leigas que tiram ilações diversas do contexto observado, a permanência do réu algemado indicaria, à primeira vista, que se estaria a tratar de criminoso de alta periculosidade, o que acarretaria desequilíbrio no julgamento, por estarem os jurados influenciados."

    "Registrou-se que a proibição do uso de algemas e do uso da força já era previsto nos tempos do Império (Decreto de 23.5.1821 e Código de Processo Criminal do Império de 29.11.1832, art. 180) e que houve manutenção dessas normas no ordenamento jurídico brasileiro subseqüente (Lei 261 /1841; Lei 2.033 /1871, regulamentada pelo Decreto 4.824 /1871; Código de Processo Penal de 1941, artigos 284 e 292 ; Lei de Execução Penal - LEP 7.210 /84, art. 159 ; Código de Processo Penal Militar , artigos 234 , § 1º e 242). Citou-se, ademais, o que disposto no item 3 das regras da Organização das Nações Unidas - ONU para tratamento de prisioneiros, no sentido de que o emprego de algemas jamais poderá se dar como medida de punição. Concluiu-se que isso estaria a revelar que o uso desse instrumento é excepcional e somente pode ocorrer nos casos em que realmente se mostre indispensável para impedir ou evitar a fuga do preso ou quando se cuidar comprovadamente de perigoso prisioneiro. Mencionou-se que a Lei 11.689 /2008 tornou estreme de dúvidas a excepcionalidade do uso de algemas ("Art. 474... § 3º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes."), e que caberia ao Supremo emitir entendimento sobre a matéria, a fim de inibir uma série de abusos notados na atual quadra, bem como tornar clara, inclusive, a concretude da Lei 4.898 /65, reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal. Deliberou-se, por fim, no sentido de se editar uma súmula a respeito do tema. Precedentes citados: HC 71195/SP (DJU de 4.8.95); HC 89429/RO (DJU de 2.2.2007). HC 91.952-SP , rel. Min. Março Aurélio, 7.8.2008". (7)

    Súmula Vinculante nº 11 (do STF)

    "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

    Comentários:

    (1) As decisões do STF (no HC 91.952-SP e a de editar a Súmula Vinculante 11) foram sensatas, corretas e juridicamente incensuráveis. Os juízes e policiais radicais, amantes do Direito penal do inimigo, não podem cometer abusos. Não se pode admitir a chamada Justiça penal da humilhação, que conduz a uma "anarquia institucionalizada".

    Indispensabilidade, necessidade e justificação

    Examinando-se todo o Direito vigente no nosso país, mesmo antes do advento da Súmula Vinculante 11 do STF, já se podia notar que contávamos com um produto legislativo mais do que suficiente para se concluir que (tanto antes como, sobretudo, agora) podíamos e podemos fazer "bom" (moderado) uso das algemas. O STF não proibiu o uso de algemas, apenas enfatizou sua "excepcionalidade". Quando necessárias devem ser utilizadas. Só não se pode admitir o seu uso como meio de humilhação do preso (porque aí ele passa a ser tratado como não-pessoa, ou seja, passa a ser enfocado como objeto do Direito penal do inimigo).

    Desde logo cabe recordar que mesmo o uso de força física está excepcionalmente autorizado em alguns dispositivos legais: CPP , art. 284 ("Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso"); CPP, art. 292 : ("Se houver...resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência...").

    Já pelo que se depreende do texto vigente do CPP nota-se que a força é possível quando indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga. Os meios devem ser os necessários para a defesa ou para vencer a resistência.

    Indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica ("para" a defesa, "para" vencer a resistência) são os três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e também, quando o caso, de algemas.

    As três exigências que acabam de ser mencionadas acham-se presentes (v.g.) na Lei 9.537 /97, que cuida da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Seu art. 10 diz o seguinte: "O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: I - impor sanções disciplinares previstas na legislação pertinente; II - ordenar o desembarque de qualquer pessoa; III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga ".

    O novo artigo 474 , § 3º , do CPP (com redação dada pela Lei 11.689 /2008), diz o seguinte: "Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes."

    O Código de Processo Penal Militar , por seu turno, em seu art. 234 também regulamenta o uso da força, deixando patente que só pode ser empregada em casos extremos, in verbis: Art. 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável , no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga... (omissis) .

    Quanto ao emprego específico das algemas, o § 1º do mesmo artigo é categórico: § 1º. O emprego de algemas deve ser evitado , desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242.

    O art. 242 , por sua vez, refere-se às seguintes pessoas: ministros de estado, governantes ou interventores, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de polícia, membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados, os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei, os magistrados, os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e do Corpo de Bombeiros, Militares, inclusive da reserva, remunerada ou não, e os reformados, os oficiais da Marinha Mercante Nacional, os diplomados por faculdade ou instituto de ensino nacional, os ministros do Tribunal de Contas, os ministros de confissão religiosa.

    Na parte final do § 1º do art. 234 o legislador escreveu mais do que devia ("de modo algum será possível o uso de algemas em presos do art. 242 ...). Se ele quiser fugir ou agredir alguém, ou atentar contra a segurança dos presentes ou dos policiais, parece não haver dúvida que qualquer pessoa deve se submeter ao uso de algemas.

    Observe-se, de qualquer modo, que o dispositivo do Código de Processo Penal Militar citado abrange civis. Dele se extrai, ademais, que o emprego das algemas constitui medida profundamente vexatória, tanto que a lei restringe ao máximo o seu emprego. Algemar por algemar é medida odiosa, pura demonstração de arrogância ou ato de exibicionismo que, quando o caso, deve dar ensejo ao delito de abuso de autoridade. Sem sensacionalismos (como disse o Presidente Lula), sem espetacularização (como disse o Min. Gilmar Mendes). Ninguém é contra o uso de algemas, quando necessária. Ninguém (de bom senso), de outro lado, concorda com o seu uso humilhante e vexatório.

    E por que toda essa preocupação em não haver abuso no uso de algemas: (a) em primeiro lugar porque esse abuso constitui crime; (b) em segundo lugar porque tudo isso decorre de uma das regras do princípio constitucional da presunção de inocência (regra de tratamento), contemplada no art. , inc. LVII , da CF (ninguém pode ser tratado como culpado, senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória); (c) em terceiro lugar porque a dignidade humana é princípio cardeal do nosso Estado constitucional, democrático e garantista de Direito.

    No caso concreto do ex-senador Jader Barbalho, que foi apresentado em um aeroporto algemado, salientou-se (para justificar o que o Presidente do STF de então - Março Aurélio - chamou de" presepada ") que os policiais federais estariam obedecendo a normas internacionais da ICAO-OACI - Organização de Aviação Civil Internacional, no tocante a transporte de presos em aeronaves. Mas todas as regras do ordenamento jurídico interno ou internacional só possuem validade na medida em que se compatibilizam com a Constituição Federal .

    (2) O STF anulou o julgamento anterior e determinou a realização de outro" sem algemas ". Uma orientação dessa é muito complicada. Apesar do que determinou o STF, se no momento do julgamento houver necessidade concreta (o réu tenta agredir uma pessoa em plenário, tenta fugir etc.), não há dúvida que será feito uso de algemas.

    (3) A preocupação central reside no uso indevido das algemas, de tal forma a constituir uma humilhação. Claro que essa humilhação no Tribunal do Júri pode trazer conseqüências nefastas para o réu, visto que os jurados, muitos vezes, julgam a causa em razão das circunstâncias pessoais do agente. Como bem sublinhou o julgado:"... manter o acusado algemado em audiência, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, implicaria colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior. Acrescentou-se que, em razão de o julgamento no Júri ser procedido por pessoas leigas que tiram ilações diversas do contexto observado, a permanência do réu algemado indicaria, à primeira vista, que se estaria a tratar de criminoso de alta periculosidade, o que acarretaria desequilíbrio no julgamento, por estarem os jurados influenciados."

    (4) Outra preocupação sensata do STF diz respeito à falta de fundamentação de um motivo concreto justificante do uso de algemas. Não se proíbe o seu uso, sim, o seu abuso. E para se saber se houve ou não abuso, relevante é que o agente público fundamente sua necessidade.

    (5) A deficiente estrutura do Estado (falta de policiais etc.) não autoriza o desrespeito à dignidade do envolvido. A falta de aparato de segurança conduz ao adiamento da sessão. Um dos argumentos para se atropelar direitos no nosso país diz respeito à sua falta de civilização. Dizem:" Brasil é um país atrasado, logo, não se pode exigir muito em termos de garantias ". A prosperar esse raciocínio, nunca sairemos desse atraso. Estamos, em muitos aspectos, abaixo do padrão de civilização mundial. Não nos parece correto nivelar por baixo, sim, por cima.

    (6) Não se pode considerar nenhum acusado como uma não-pessoa (como um não humano). Nesse equívoco incorre o Direito penal do inimigo que, partindo da ideologia do inimigo, ofende princípios básicos como o da presunção de inocência, dignidade humana etc.

    Cacciola sem algemas!

    Foi com base nessa preocupação, de serem respeitados todos os limites constitucionais do uso da força e do poder punitivo, que o STJ concedeu HC para Cacciola. Os (radicais) amigos do Direito penal do inimigo (ou seja: do poder punitivo paralelo bruto, típico do Estado de Polícia), que considera o suspeito ou réu ou condenado como não-pessoa, que deve ver privada dos seus direitos e garantias legais e constitucionais, com certeza não gostaram da decisão do Presidente do STJ (HC 111.111) que lhe garantiu não só o direito de comunicação reservada com o seu advogado senão também a impossibilidade de ser submetido ao uso de algemas, quando da sua chegada ao Brasil.

    Quebrou-se a lógica do pelourinho televisivo, que constitui (na era da comunicação) a mais contundente expressão midiática da humilhação, tal qual ocorreu com as prisões no caso Satiagraha. Um dos suspeitos chegou a ser surpreendido de pijama e a" televisão pelourinho "lá se encontrava, registrando a cena, para gozo, prazer e deleite dos amigos do Direito penal do inimigo.

    (7) Uma semana após o julgamento ora comentado o STF editou a Súmula Vinculante 11 com o seguinte teor:"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

    Ausência de regramento específico sobre o assunto

    O uso de algemas no nosso país sempre foi problemático por falta de uma ampla e adequada disciplina jurídica. O art. 199 da Lei de Execução Penal sinalizou com seu regramento (art. 199:"O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal"), mas até hoje não temos esse decreto federal.

    No Estado de São Paulo existem normas específicas, segundo Carlos Alberto Marqui de Queiroz (site ibccrim.com.br, 27.02.02), que afirma:"...o uso de algemas vem sendo normatizado, há muito tempo, com excelentes resultados práticos, desde a edição do Decreto Estadual n.º 19.903 , de 30 de outubro de 1950, bem como através dos mandamentos contidos na Resolução do então Secretário de Segurança Pública, Res. SSP-41, publicada no Diário Oficial do Estado de 2 de maio de 1983."De qualquer modo, sabe-se que o regulamento paulista não tem validade nacional.

    Em um país filiado ao sistema da civil law (todo Direito deve ser exteriorizado de forma escrita) não há dúvida que constitui fonte de enorme insegurança a falta de um regramento nacional específico sobre cada matéria.

    Princípio da proporcionalidade

    Tudo se resume na boa aplicação do princípio da proporcionalidade, que exige adequação, necessidade e ponderação da medida. Em todos os momentos em que (a) não patenteada a imprescindibilidade da medida coercitiva ou (b) a necessidade do uso de algemas ou ainda (c) quando evidente for seu uso imoderado há flagrante violação ao princípio da proporcionalidade, caracterizando-se crime de abuso de autoridade. Cada caso concreto revelará o uso correto ou o abuso. Lógico que muitas vezes não é fácil distinguir o uso lícito do uso ilícito. Na dúvida, todos sabemos, não há que se falar em crime. De qualquer modo, o fundamental de tudo quanto foi exposto, é atentar para a busca do equilíbrio, da proporção e da razoabilidade.

    Decisão anterior do STF sobre a matéria

    A posição do STF sobre o assunto (STF, HC 89.429/RO , rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006)" é inequívoca: "A prisão não é espetáculo (...) o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional e que deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo" .

    "A Turma deferiu habeas corpus em que conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia denunciado, com terceiros, com base em investigações procedidas na denominada" Operação Dominó "pleiteava fosse a ele garantido o direito de não ser algemado e nem exposto à exibição para as câmeras da imprensa. Na espécie, a Min. Cármen Lúcia, relatora, concedera liminarmente salvo conduto ao paciente para que não fosse algemado em sua condução ao STJ, local onde processada a ação penal contra ele instaurada. Tendo em conta que o paciente encontra-se preso e que o seu pedido estende-se à obtenção da ordem para que as autoridades policiais não voltem a utilizar algemas em qualquer outro procedimento, considerou-se inexistente, nessa parte, o prejuízo da impetração. Em seguida, esclareceu-se que a questão posta nos autos não diz respeito à prisão do paciente, mas cinge-se à discussão sobre o uso de algemas a que fora submetido, o que configuraria, segundo a defesa, constrangimento ilegal, porquanto sua conduta em face da prisão fora passiva e o cargo por ele ocupado confere-lhe status similar ao dos membros da magistratura, o qual, nos termos do Código de Processo Penal Militar , não se sujeita ao uso daquele instrumento. Asseverou-se que as garantias e demais prerrogativas previstas na CF (art. 73, § 3º) concernentes aos Ministros do Tribunal de Contas da União referem-se ao estatuto constitucional, enquanto os preceitos repetidos, por simetria, na Constituição do referido Estado-membro, à condição legal. Ademais, salientou-se a natureza especial da norma processual penal militar. Afirmou-se, no ponto, que somente por analogia seria permitido o aproveitamento desta para a sua aplicação ao presente caso (STF, HC 89.429/RO , rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006)".

    "No tocante à necessidade ou não do uso de algemas, aduziu-se que esta matéria não é tratada, específica e expressamente, nos códigos Penal e de Processo Penal vigentes. Entretanto, salientou-se que a Lei de Execução Penal (art. 199) determina que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal, o que ainda não ocorreu. Afirmou-se que, não obstante a omissão legislativa, a utilização de algemas não pode ser arbitrária, uma vez que a forma juridicamente válida do seu uso pode ser inferida a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes, especialmente o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Citaram-se, ainda, algumas normas que sinalizam hipóteses em que aquela poderá ser usada (CPP , artigos 284 e 292 ; CF , art. , incisos III , parte final e X; as regras jurídicas que tratam de prisioneiros adotadas pela ONU , N. 33; o Pacto de San José da Costa Rica, art. 5º , 2). Entendeu-se, pois, que a prisão não é espetáculo e que o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional e que deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. Concluiu-se que, no caso, não haveria motivo para a utilização de algemas, já que o paciente não demonstrara reação violenta ou inaceitação das providências policiais. Ordem concedida para determinar às autoridades tidas por coatoras que se abstenham de fazer uso de algemas no paciente, a não ser em caso de reação violenta que venha a ser por ele adotada e que coloque em risco a sua segurança ou a de terceiros, e que, em qualquer situação, deverá ser imediata e motivadamente comunicado ao STF (STF, HC 89.429/RO , rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006).

    Conclusão:

    Ninguém pode ser preso ilegalmente. A prisão, mesmo legal, torna-se humilhante e vexatória quando há abuso das algemas. A prisão não autoriza todo tipo de constrangimento. O plus da humilhação deriva do puro espetáculo (ou seja: nada mais é que emanação do Direito penal do inimigo). O uso de algemas, por expressa determinação legal, deve ficar restrito aos casos extremos de resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso. É abominável o Direito penal da humilhação (típico do Estado de Polícia, que exerce o chamado poder punitivo paralelo bruto). O uso infamante das algemas constitui abuso.

    Conclusão: todas as vezes que houver excesso pode resultar configurado"abuso de autoridade", nos termos dos arts. , i (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e 4º, b (submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei) da Lei 4.898 /65 (lei de abuso de autoridade).

    Esse excesso será devidamente controlado agora, depois da Súmula Vinculante 11, em razão da obrigatoriedade de fundamentação escrita da excepcionalidade do uso das algemas.

    Além da configuração do delito de abuso de autoridade, importante sublinhar que, agora, também depois da Súmula Vinculante 11, a prisão em flagrante torna-se ilegal (e abusiva) justamente quando o uso das algemas não foi adequado. A prisão ilegal deve ser relaxada, por força de mandamento constitucional.

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