Deserção da apelação pela fuga: a não-recepção do art. 595 do CPP
Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio; DONATI, Patricia. Deserção da apelação pela fuga: a não-recepção do art. 595 do CPP . Disponível em http://www.lfg.com.br. 03 de abril de 2009.
Decisão do Plenário do STF: Art. 595 do CPP e Não-recepção. Tendo em conta o entendimento firmado no julgamento do HC 85961/SP (DJE de 23.3.2009), segundo o qual o art. 595 do CPP ("Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação") não foi recebido pela ordem jurídico-constitucional vigente, o Tribunal concedeu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 1ª Turma, para afastar óbice ao prosseguimento de recurso de apelação interposto pelo paciente, que empreendera fuga, após a sua condenação ? v. Informativo 525. HC 85369/SP , rel. Min. Cármen Lúcia, 26.3.2009 . (HC-85369 - Informativo 540)
Comentários: o Código de Processo Penal Brasileiro está completando 60 anos e as suas reformas pontuais ainda não conseguiram corrigir todas as suas imperfeições (destacando-se, dentre elas, o provecto e nefasto artigo 595).
O artigo supracitado determina a deserção do recurso de apelação no caso de fuga do réu (Art. 595. "Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação ").
Trata-se de norma que completava a tirania contemplada no revogado art. 594, que proibia o réu de apelar sem recolher-se à prisão ("O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto ").
Para a época em que o Código de Processo Penal entrou em vigor - 1941 - tais normas eram coerentes com o Estado autoritário que se vivia. Mas, com a ordem constitucional vigente, hoje, no Brasil, mostram-se totalmente inconsistentes.
Tanto que, com o advento da Lei nº. 11.719 /08, o art. 594 do CPP fora expressamente revogado, o que não aconteceu, infelizmente, com o artigo 595.
Antes mesmo da revogação do art. 594, boa parte da doutrina e da jurisprudência se posicionava pela sua não recepção (e do art. 595) pela CR/88 . Os principais fundamentos apontados sempre foram a ofensa à ampla defesa e à presunção de inocência.
Trata-se (agora) de jurisprudência pacífica do STF: o recolhimento à prisão não é condição sine qua non para o recebimento da apelação, assim como, a fuga do réu não deve impedir a tramitação do seu recurso.
O tema, diante de toda a discussão que o envolvia, foi sumulado pelo STJ - súmula 347 do STJ, segundo a qual: "O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão " (editada em 23.04.2008).
Diante disso, podemos extrair duas importantes regras:
1ª) em havendo a efetiva necessidade de segregação cautelar, quando da prolação da sentença condenatória recorrível, esta somente poderá ser imposta se atendidos os requisitos da prisão preventiva (Art. 312 e 313 do CPP), não podendo mais se cogitar da obrigatoriedade do recolhimento à prisão para apelar;
2ª) uma vez determinado o recolhimento ao cárcere, por força da presença dos aludidos requisitos, eventual fuga do réu não terá o condão de impedir o regular processamento do recurso.
A nosso ver, o que acaba de ser escrito não se relaciona apenas com os princípios da presunção de inocência (não culpabilidade) ou ampla defesa, mas, principalmente, com a imprescindibilidade da fundamentação da prisão (art. 5º , LXI da CF).
Depois de sessenta e sete anos o STF, finalmente, está destroçando alguns dos (incontáveis) pontos autoritários do velho e provecto Código de Processo Penal de 1941. Em 08 de setembro de 1941 o então Ministro da Justiça (Francisco Campos), na Mensagem de envio do Projeto do CPP ao legislativo, sob o império da ideologia fascista, dizia:
"De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinqüem (...) Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em detrimento do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social... É restringida a aplicação do in dúbio pro reo. É ampliada a noção do flagrante delito, para efeito da prisão provisória. A decretação da prisão preventiva, que em certos casos deixa de ser uma faculdade, para ser um dever imposto ao juiz".
A nova jurisprudência (e mentalidade) do STF está abolindo esses resquícios de autoritarismo. Viva a liberdade, com responsabilidade!
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