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26 de Abril de 2024

Comentários à Resolução 75/09 do CNJ: o novo conceito de atividade jurídica

há 15 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patrícia Donati.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Comentários à Resolução 75 /09 do CNJ: o novo conceito de atividade jurídica . Disponível em http://www.lfg.com.br 25 maio. 2009.

Já analisamos anteriormente a nova estrutura adotada em relação às provas da magistratura (Clique aqui). Enfocaremos, agora, o novo conceito de atividade jurídica trazido pela Resolução 75 /09.

Para tanto, a leitura dos seus arts. 58 e 59 se mostra indispensável.

Art. 58 . Requerer-se-á a inscrição definitiva ao presidente da Comissão de Concurso, mediante preenchimento de formulário próprio, entregue na secretaria do concurso.

§ 1º O pedido de inscrição, assinado pelo candidato, será instruído com:

i) formulário fornecido pela Comissão de Concurso, em que o candidato especificará as atividades jurídicas desempenhadas, com exata indicação dos períodos e locais de sua prestação bem como as principais autoridades com quem haja atuado em cada um dos períodos de prática profissional, discriminados em ordem cronológica (grifo nosso) .

Art. 59. Considera-se atividade jurídica, para os efeitos do art. 58, § 1º, alínea i:

I - aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito; II - o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº 8.906 , 4 de julho de 1994, art. ) em causas ou questões distintas; III - o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico;

IV - o exercício da função de conciliador junto a tribunais judiciais, juizados especiais, varas especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, no mínimo por 16 (dezesseis) horas mensais e durante 1 (um) ano;

V - o exercício da atividade de mediação ou de arbitrágem na composição de litígios. § 1º É vedada, para efeito de comprovação de atividade jurídica, a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à obtenção do grau de bacharel em Direito. § 2º A comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico, cabendo à Comissão de Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento.

Alguns pontos de suma importância devem ser analisados neste momento. O primeiro reside no fato de o rol previsto neste artigo ser taxativo (nenhum outro ato pode ser considerado atividade jurídica), mas, não cumulativo, ou seja, basta o preenchimento de um dos seus incisos. O segundo se relaciona com a abrangência do conceito atividade jurídica e os requisitos para a sua comprovação. Por fim, a exclusão da pós-graduação, o que, a nosso ver, foi um grande equívoco.

A expressamente revogada Resolução nº. 11 /06, em seu art. 2º , conceituava atividade jurídica como "aquela exercida com exclusividade com exclusividade por bacharel em Direito, bem como o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico, vedada a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade exercida anterior à colação de grau".

Esse era o único dispositivo que tratava do conceito "atividade jurídica". Já a Resolução 75 /09, ao cuidar do tema, o fez de forma mais detalhada (mas ainda confusa e cheia de lacunas), especificando em cada um dos incisos do mencionado art. 59 , o que entende inserido nessa concepção.

Vejamos.

Art. 59. I - aquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito ;

Nesse aspecto, nada mudou em relação à Resolução anterior. Mas, o que seria "atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito"? Não contamos com esse conceito expresso em qualquer diploma do ordenamento jurídico brasileiro.

O Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº. 8.906 /94) traz, em seu art. , as atividades privativas da advocacia (postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas), que não se confundem com a idéia de atividade exercida com exclusividade por bacharel em Direito.

A abrangência da expressão já causa dúvida naqueles que tentam interpretar a Resolução. A nosso ver, uma hipótese pode ser considerada: o estágio realizado após a obtenção do grau de bacharel em Direito.

Não estamos, aqui, refutando a disposição trazida pelo § 1º do desse mesmo dispositivo (art. 59) que proíbe, de forma expressa, o cômputo de estágios ou outras atividades anteriores à obtenção do grau de bacharel (colação de grau). Estamos diante de situações completamente distintas.

Permite-se que, quando iniciado antes da colação de grau, o estágio do acadêmico de Direito seja prorrogado. Assim, o bacharel em Direito pode, sim, exercer a função de estagiário e, nessa hipótese torna-se possível a aplicação do inciso I e o reconhecimento desse período como atividade jurídica, já que não se trata de estágio anterior à obtenção do grau de bacharel.

O raciocínio é simples. Se o § 1º (art. 59) tivesse feito referência apenas a estágio, esse, qualquer que fosse a situação, não poderia ser considerado. Mas, como restringiu a vedação aos anteriores à obtenção do grau de bacharel, nada impede o reconhecimento como atividade jurídica do estágio realizado (regularmente) após esse março temporal.

Art. 59. II - o efetivo exercício de advocacia, inclusive voluntária, mediante a participação anual mínima em 5 (cinco) atos privativos de advogado (Lei nº. 8.906 , 4 de julho de 1994, art. ) em causas ou questões distintas;

Agora, sim, o exercício da advocacia. Uma novidade trazida pela Resolução 75 /09 (a Resolução 11 /06 falava, apenas, em atividade exclusiva de bacharel). Dois questionamentos podem aparecer com a leitura desse inciso.

O primeiro deles, a concepção de advocacia voluntária. Trata-se da chamada advocacia pro bono que, de acordo com o entendimento firmado pela própria OAB, se consubstancia na prestação de serviços de assistência jurídica gratuita a pessoas hipossuficientes e a entidades não governamentais sem fins lucrativos, desde que não realizado como captação de clientela. Exemplos clássicos são os Centros de Atendimento Jurídico e os Núcleos de Advocacia Voluntária.

O segundo, a incerteza trazida pela expressão "questões distintas". O que seria? Podemos afirmar, com certeza, que a atuação extrajudicial do advogado se encaixa nesse conceito (notificação extrajudicial, consultorias e pareceres jurídicos, por exemplo).

Também se deve considerar aqui, o disposto no inciso II do mencionado art. do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº. 8.906 /94): atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas, bem como a determinação trazida em seu § 2º, referente aos atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas que, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogado.

Resumindo: tudo o que for atividade privativa de advogado que não se relacione com a postulação a órgãos do Poder Judiciário, se enquadra na expressão "questões distintas", podendo assim, ser considerado tempo de atividade jurídica.

Art. 59. III - o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídic o;

Nenhuma novidade em relação à Resolução 11 /06 que também trazia tais possibilidades. Conforme visto anteriormente, o rol estampado pelo art. 59 não é cumulativo, de forma que, para o atendimento desse inciso, não é exigido que se trate de cargo (emprego ou função) privativo de bacharel em Direito, sendo suficiente a utilização preponderante de conhecimento jurídico.

O que muda em relação aos incisos anteriores é a verificação do período respectivo. Nos termos do § 2º desse mesmo artigo, "a comprovação do tempo de atividade jurídica relativamente a cargos, empregos ou funções não privativos de bacharel em Direito será realizada mediante certidão circunstanciada expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições e a prática reiterada de atos que exijam a utilização de preponderante conhecimento jurídico, cabendo à Comissão do Concurso, em decisão fundamentada, analisar a validade do documento".

Da leitura do art. 58, § 1º, 'i' é possível notar a diferença. Para os demais casos, basta o preenchimento de formulário fornecido pela Comissão do Concurso, onde deverão ficar especificadas as atividades jurídicas desempenhadas, em ordem cronológica.

Duas novidades trazidas pela Resolução 75 /09 foram a contagem, como atividade jurídica, do exercício da função de conciliador (desde que realizada junto a tribunais judiciais, juizados especiais, anexos de juizados especiais ou de varas judiciais, por no mínimo dezesseis horas semanais e durante um ano) e da atividade de mediação ou de arbitrágem na composição de litígios. Tais hipóteses estão previstas, respectivamente, nos incisos IV e V do artigo 59.

Por derradeiro, analisemos a exclusão dos cursos de pós-graduação do conceito de atividade jurídica.

A Resolução 11 /06 admitia (art. 3º) "no cômputo do período de atividade jurídica os cursos de pós-graduação na área jurídica reconhecidos pelas Escolas Nacionais de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (art. 105 , parágrafo único , I e art. 111-A , § 2º , I , da Constituição Federal , ou pelo Ministério Público, desde que integralmente concluídos com aprovação".

Com a revogação expressa trazida pela Resolução 75 /09 e a não renovação de previsão no mesmo sentido, restaram afastados do conceito de atividade jurídica a pós-graduação, com uma única ressalva: os cursos iniciados antes da sua vigência, nos termos de seu art. 90 ("Fica revogada a Resolução 11 /CNJ, de 31 de janeiro de 2006, assegurado o cômputo de atividade jurídica decorrente da conclusão com freqüência e aproveitamento, de curso de pós-graduação comprovadamente iniciado antes da entrada em vigor da presente Resolução").

A vigência da nova Resolução se deu com a sua publicação no Diário Oficial da União, o que aconteceu no último dia 21. De acordo com as normas da Lei de Introdução do Código Civil , considera-se, na contagem do prazo de vigência, a data da publicação do ato a ser considerado, de forma que, apenas serão considerados como atividade jurídica os cursos de pós-graduação iniciados até o dia 20 deste mês de maio.

A nosso ver, a não consideração da pós-graduação é resultado de um infeliz equívoco: a confusão entre o conceito de atividade jurídica e prática jurídica. Já cuidamos do tema em outras oportunidades: a Constituição Federal ao prever tal exigência (art. 93, I) fala em atividade jurídica, conceito amplo, que não se relaciona exclusivamente com o manuseio de processos, mas, com toda e qualquer atividade que imponha ao indivíduo o contato e principalmente o conhecimento da legislação brasileira.

É lógico que, se considerado o verdadeiro e, principalmente, o correto conceito de atividade jurídica, não haveria como, simplesmente, afastar a pós-graduação, mesmo as iniciadas depois da vigência da nova Resolução.

Essa postura nos causa estranheza: no final de 2008 o STF, no MS 26.682-DF posicionou-se em sentido completamente oposto, admitindo que a pós-graduação, desde que realizada na área jurídica e, em entidades reconhecidas, fosse, sim, computada nos três anos exigidos.

A nosso ver, outro não poderia ser o entendimento: a teleologia da norma contida nos artigos 93 , I e 129 , § 3º da CF é selecionar profissionais preparados para o exercício das relevantes funções atribuídas aos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Um dos instrumentos hábeis a conferir a preparação exigida é, sem sombra de dúvida, a freqüência (e o aproveitamento) em cursos de pós-graduação.

O tratamento da matéria deveria se pautar pela razoabilidade. Não vemos problemas em exigir maior preparo daqueles que desejam fazer parte de carreiras de tamanha importância e responsabilidade, mas, tudo, dentro do critério da proporcionalidade. Não há o que justifique, por exemplo, que a contagem dos três anos se dê apenas depois da colação de grau. E, nada mais justo que inserir nesse lapso temporal, o período dedicado a cursos de pós-graduação, pois, por meio deles, o indivíduo agrega muito conhecimento que o habilita para o exercício profissional.

O título de pós-graduação, como veremos, continua a valer como uma preciosa pontuação ao candidato, na quinta etapa do concurso, ou seja, quando da análise dos títulos apresentados.

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Do meu ponto de vista, é mais uma maneira de construir uma "elite" de acesso a determinados cargos públicos. Lamentável a exclusão de pós graduação do rol de atividades jurídicas desistimulando a capacitação e o aprendizado. Esse é o nosso Brasil. continuar lendo

Bom dia,
Realização de audiências preliminares do Juizado Especial Criminal contam como atividade jurídica?
Estou com essa dúvida, pois no último ano estou me dedicando aos estudos e atuo unicamente como advogada dativa nas audiências preliminares do Juizado Especial Criminal. Nesse último ano já fiz mais de 15. Contudo, um dos servidores me alertou que, mesmo os art. 68 e 72 da Lei 9099/95 falando da necessidade de advogado, estas audiências preliminares não estavam sendo consideradas atos privativos. Fiquei bastante preocupada e não encontrei nada específico sobre isso.
Agradeço a atenção. continuar lendo

Olá, gostaria de saber se o cargo de Delegado de Polícia Civil, conta conta como atividade jurídica? continuar lendo

Sim, para o cargo de Delegado é obrigatório no ato da posse, demostrar 2 ou 3 anos de atividade jurídica. Esta atividade pode ser tanto advocatícia ou policial. continuar lendo

sem se falar que se trata de cargo privativo de bacharel em direito, ñ é... continuar lendo

Sou servidor do Ministério público Federal. Cargo concursadoTécnico administrativo. Tanto a OAB quanto o ministério público possuem normas que proíbem os servidores do Ministério público Federal de obter a Carteira da OAB e advogar. O cargo de técnico administrativo do Ministério público Federal é exigência de ensino médio. Diante disso como um aprovado em exame de ordem e com pós graduação de 360 horas pode concorrer em concurso que exige 2 ou 3 anos de atividade jurídica? Obrigado continuar lendo