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25 de Abril de 2024
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    Abstrativização dos efeitos do controle concreto de constitucionalidade - Sabrina Silva de Souza Jucá

    há 16 anos


    Fala-se atualmente na chamada "tendência de abstrativização dos efeitos do controle concreto de constitucionalidade". No entanto, para compreendermos o significado da expressão precisaremos fazer uso das lições do eminente doutrinador e professor, Marcelo Novelino, que nos ensina em sua obra Direito constitucional [ 1 ], de forma inequívoca, o que vem a ser controle difuso e controle concentrado de constitucionalidade, bem assim quais as implicações no universo jurídico que uma e outra forma de controle podem ocasionar. Estamos falando dos efeitos inter partes , erga omnes e vinculante.

    No Brasil, o controle de constitucionalidade , atividade que, em linhas gerais, consiste na verificação de compatibilidade das leis (em sentido amplo) em relação aos preceitos e princípios insertos na Constituição Federal , e que pode ser exercido de duas formas, concreta ou abstrata .

    No que concerne ao controle concreto , como o próprio nome sugere, é realizado quando a própria parte, de forma incidental , ou seja, dentro do processo em que pleiteia direito ou pretensão sua, argüi a inconstitucionalidade uma lei ou norma jurídica em face da Constituição Federal , com o intuito de, uma vez declarada a inconstitucionalidade do ato normativo, valer-se de dita declaração para a resolução de sua situação fática.

    Por ser uma defesa oponível nos próprios autos, não resta dúvida de que compete ao juiz natural da causa o julgamento de referida argüição. Daí o porque dessa forma de controle ser conhecida também pela sinonímia de controle difuso , vez que se trata de mecanismo de defesa cuja competência para julgamento está difundida dentre todos os órgãos componentes do Poder Judiciário. Guiados por esta linha de raciocínio, se argüida a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, por uma parte específica, dentro de um processo determinado, com parte contrária determinada e sobre uma situação de vida posta, corolário lógico que a decisão proferida pelo Órgão Julgador produza seus jurídicos e legais efeitos somente entre as partes litigantes. É o chamado efeito inter partes .

    Entretanto, a aferição de compatibilidade de uma norma em face da Constituição Federal também pode se dar de forma abstrata , ou seja, uma inconstitucionalidade argüida não em face de caso concreto e por uma parte dentro de processo pré-existente (de forma incidental); devendo cuidar de uma suposta inconstitucionalidade da própria lei ou ato normativo, cujo suscitante não será uma parte em sentido processual, mas alguém com legitimidade constitucional para tanto, chamado de legitimado , e ainda, através de uma ação própria, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), iniciada para este fim específico. Ainda com relação a esse modo de controle, temos que somente ao Supremo Tribunal Federal compete processar e julgar ADI, de forma concentrada. Disso decorre a denominação controle concentrado de constitucionalidade. E sendo um controle exercido sobre a própria lei, enquanto norma geral e abstrata, a qual todos estão sujeitos, também os efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade deverá ser observada por todos, e de forma obrigatória. Eis os chamados efeitos erga omnes e vinculante.

    Feitas estas considerações podemos afirmar, de forma sintética, que, em regra, o controle de constitucionalidade realizado por via difusa (controle concreto) produzirá efeitos restritivos às partes litigantes, no processo em que foi proferida a sentença; enquanto a decisão prolatada pelo STF, realizando controle concentrado (abstrato), será oponível contra todos e de forma obrigatória.

    Ocorre que, não obstante a regra acima apresentada, tem-se observado na jurisprudência dos Tribunais Superiores certa tendência a estender o alcance dos efeitos de uma decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, ou seja, à decisão que deveria, a princípio, obrigar somente as partes litigantes, tem-se atribuído um efeito abstrato, "erga omnes" e, hoje, efeito vinculante. A este fenômeno a doutrina denominou abstrativização do controle concreto de constitucionalidade , o qual pode ser observado tanto na seara do Poder Legislativo , quanto no âmbito no Poder Judiciário . Senão, vejamos os exemplos que têm se apresentado.

    No âmbito legislativo, devemos destacar a edição da Emenda Constitucional n.o 45 /2004, através da qual dois novos parâmetros para o controle de constitucionalidade foram criados: I) os Enunciados de Súmula, com efeitos vinculantes (Súmula Vinculante), a qual consiste na sedimentação de uma interpretação reiterada dos Tribunais Superiores e; II) A exigência de demonstração da chamada repercussão geral como requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário.

    Quanto às Súmulas Vinculantes, vê-se claramente que se constituem em hipótese de abstrativização do controle concreto, vez que tratam de reiterados julgamentos de casos concretos (com efeitos inter partes), que passam a ganhar força de observância obrigatória daqueles mesmos efeitos por todas as pessoas, sendo defeso a qualquer juiz ou tribunal decidir de forma divergente. Neste sentido, foi editada a Lei n.o 11.417 /06, que "Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784 , de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências."

    Por seu turno, a repercussão geral teria efeito semelhante, isto porque, sendo o Supremo Tribunal Federal o guardião da Constituição da Republica Federativa do Brasil , as questões que a ele sejam submetidas e decididas devem retratar uma repercussão maior, que represente o interesse geral, e não apenas interesse individual, daí porque a nova exigibilidade desse requisito de admissibilidade. A ser assim, uma determinada causa, ainda que diga respeito a duas partes formais num processo, deverá produzir efeitos que se projetem para fora do mesmo, por tratar-se não somente de interesse daquelas, mas de toda a coletividade, sobre a qual seus efeitos poderão ser estendidos. Mais uma vez nos deparamos com a abstrativização do controle concreto, levado a efeito pelo Legislativo através da edição da Lei n.o 11.418 /06, que "Acrescenta à Lei no 5.869 , de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil , dispositivos que regulamentam o § 3o do art. 102 da Constituição Federal ."

    No âmbito Jurisprudencial, algumas decisões de maior relevo também sinalizam para essa atual tendência à generalização dos efeitos do controle concreto, dentre as quais destacamos, dentre outros:

    1. O RE n.o 197.917/SP , por meio do qual a Egrégia Corte analisou os limites constitucionais da Resolução/TSE n.o 21.702 /2004, que dispôs sobre a composição da Câmara de Vereadores municipais, limitando esse número à proporção do número de habitantes do município, decisão esta proferida em sede de controle difuso, relativamente ao Município de Mira Estrela/SP. Apesar de tratar-se de controle difuso, o STF adotou entendimento de que os efeitos da decisão daquele caso concreto seriam extensivos a todos os municípios brasileiros, ou seja, efeito transcendente, porém, somente para o futuro, ou seja, a partir da legislatura seguinte àquela decisão; 2. O HC n.o 82.959/SP , em que o Pretório Excelso analisou, através do caso concreto, a própria constitucionalidade da vedação de progressão de regime prisional para crimes hediondos. Apesar de tratar-se de controle incidental, o entendimento adotado foi o de a decisão teria efeito erga omnes porque tratou do julgamento da constitucionalidade da própria lei para se chegar ao caso concreto. Vale ressaltar que, a despeito da aparente abstrativização do controle concreto, o então Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Rio Branco/AC, Dr. Marcelo Coelho de Carvalho, monocraticamente, negou a aplicação do efeito extensivo da decisão do referido habeas corpus aos pedidos de progressão de regime prisional interpostos pela Defensoria Pública daquela Comarca, indeferindo todos os pleitos fundamentados naquela decisão e sustentando a permanência da vedação à progressão pleiteada. Ocorre que, fundamentada na decisão prolatada no HC n.o 82.959/SP , a Defensoria Pública do Estado do Acre interpôs a Reclamação n.o 4335/AC, através da qual requereu o reconhecimento do efeito erga omnes do HC citado em benefício de seus patrocinados. No julgamento da reclamação, o Ministro Gilmar Mendes sustentou que o direito de progressão do regime prisional se estende a todos, e não somente para o paciente do habeas corpus em exame, no que foi seguido pelo Ministro Eros Grau. Foram contrários a esse entendimento os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa. Apesar de já ter se operado a perda do objeto desta reclamação, face à edição da lei n. 11.464 /07, que passou a permitir a progressão do regime de cumprimento da pena mesmo para condenados por crimes hediondos, o acompanhamento do deslinde da questão tem grande relevo doutrinário, justamente por gravitar em torno da debatida tendência de abstrativização do controle concreto.

    3. Os Mandados de Injunção n.os 670/ES e 712/PA, ambos relativos ao direito de greve dos servidores públicos, em face da ausência de lei específica. Ao que nos parece, em ambos os remédio heróicos teria havido extensão dos efeitos da decisão (permitir aos impetrantes o exercício do direito de greve, nos termos da Lei 7.783 /89, aplicável aos trabalhadores celetistas, enquanto o Congresso Nacional não editar lei específica) a todos os servidores públicos. Contudo, tal abstrativização levantou intensos debates doutrinários, vez que as decisões proferidas nestes MI`s poderiam transmudar-se em "Medidas Provisórias do Poder Judiciário", com dois sérios agravantes: I) decisão em Mandado de Injunção nada tem de "provisória": sendo jurisdicional, faz coisa julgada; II) ao contrário da Medida Provisória, decisão legislativa em Mandado de Injunção não iria ao crivo congressual (não haveria, na hipótese, conversão em lei) [ 2 ].

    1. NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional . 2ª ed. Método. São Paulo: 2008, p. 110/113.

    2. AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Mistura de poder: Mandado de Injunção pode se tornar Medida Provisória . Disponível em consultor jurídico (www.conjur.com.br). Acessado em 22.06.2008.

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