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19 de Abril de 2024
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    Teoria neopositivista da disntinção entre regras e princípios

    há 16 anos

    Versão 1 - Direito Constitucional

    58. A teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios. Ao se abandonar essa distinção, sugere a metodologia jurídica moderna que as regras e princípios são duas espécies de normas. Saber como distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre regras e princípios, é uma tarefa particularmente complexa. Vários são os critérios sugeridos: a) grau de abstração; b) grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto; c) caráter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito; d) proximidade da idéia de direito; e) natureza normogenética. A complexidade deriva de indefinição quanto à função dos princípios e de se saber se entre princípios e regras existe um denominador comum, com diferença apenas de grau. Lido o texto, assinale a alternativa correta.

    (A) Os princípios são verdadeiras normas, quantitativamente distintas das outras categorias de normas - as regras jurídicas.

    (B) Os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas.

    (C) A convivência dos princípios é antinômica, enquanto a convivência de regras é conflitual.

    (D) Um modelo constituído exclusivamente por princípios conduziria a um sistema jurídico de ilimitada racionalidade prática.

    NOTAS DA REDAÇÃO

    O questionamento em tela trata da distinção entre regras e princípios, e exige do candidato um conhecimento aprofundado do sistema normativo constitucional jusnaturalista, positivista e pós-positivista, mais especificamente das lições de José Joaquim Gomes Canotilho, pois foi o jurista escolhido pela banca para essa questão.

    A distinção entre regras e princípios nem sempre existiu, para o jusnaturalismo e o positivismo a diferença estava somente entre princípio e norma. Assim, princípio era apenas uma diretriz, como conselhos ao legislador sem caráter obrigatório e norma era um comando que, obrigatoriamente devia ser cumprido.

    Por muito tempo predominou a corrente jusnaturalista, para a qual além do direito posto pelo Estado havia o direito natural, que se caracterizava por ser inato ao homem, eterno, universal e limitador do Estado absolutista. Posteriormente, veio a corrente positivista com várias vertentes, destacando-se a de Kelsen, que se preocupava mais com o aspecto formal do que com o conteúdo da norma.

    Surge, então, o pós-positivismo ou neopositivismo, que na busca de conciliar as premissas do jusnaturalismo e do positivismo culmina em duas características preponderantes, quais sejam: a) dar mais valor ao conteúdo da norma, sem deixar de reconhecer a importância da forma e b) elevação dos princípios à categoria de normas jurídicas, ou seja, extingue-se a distinção entre princípios e normas, pois essa é considerada como gênero da qual são espécies os princípios e as regras. Neste sentido, muito contribuíram os estudos de Robert Alexy e do jusfilósofo norte-americano Ronald Dworkin ao apresentarem a seguinte diferenciação: "a dogmática moderna avaliza o entendimento de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas-princípios e as normas-disposição. As normas-disposição, também referidas como regras, têm eficácia restrita às situações específicas as quais se dirigem. Já as normas-princípio, ou simplesmente princípios, têm, normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada dentro do sistema."

    Sendo assim, de acordo com a atual classificação, de cunho pós-positivista, norma adquire um "superconceito" que engloba tanto as regras, como os princípios.

    Diante dessa nova distinção a banca examinadora questiona como fazer essa complexa distinção segundo os critérios de Canotilho, a seguir expostos:

    a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.

    b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras, enquanto as regras são suscetíveis de aplicação direta.

    c) Caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito).

    d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na ideia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculantes com um conteúdo meramente formal.

    e) Natureza normogenética: os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.

    Pelo exposto, passemos à análise de cada uma das alternativas.

    ALTERNATIVA (A)

    A alternativa está incorreta, pois os princípios não são apenas qualitativamente distintos das regras, mas quantitativamente diferentes. Nas palavras do Juiz Federal George Marmelstein Lima "as regras descrevem uma situação jurídica, ou melhor, vinculam fatos hipotéticos específicos, que, preenchidos os pressupostos por ela descrito, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos (direito definitivo), sem qualquer exceção. P. ex."aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou o possuidor"(art. 62 do CPC); os princípios, por sua vez, expressam um valor ou uma diretriz, sem descrever uma situação jurídica, nem se reportar a um fato particular, exigindo, porém, a realização de algo, da melhor maneira possível, observadas as possibilidades fáticas e jurídicas (reserva do possível). Possuem um maior grau de abstração e, portanto, irradiam-se por diferentes partes do sistemas, informando a compreensão das regras, dando unidade e harmonia ao sistema normativo. P. ex.,"todos são iguais perante a lei", onde a igualdade surge como a instância valorativa adotada pela Carta Magna". No mesmo sentido, Jean Boulanger, dizia: "Há entre princípio e regra jurídica não somente uma disparidade de importância mas uma diferença de natureza".

    ALTERNATIVA (B)

    De acordo com o critério de distinção pela natureza normogenética de Canotilho os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante. Logo, a alternativa (B) está correta .

    ALTERNATIVA (C)

    Segundo Robert Alexy os princípios e as regras podem ser diferenciados pelo critério da dimensão, que por sua vez subdivide-se em dimensão de validade e dimensão de importância. Enquanto os princípios e as regras possuem dimensão de validade, apenas os princípios possuem dimensão da importância.

    No campo da validade todas as normas do ordenamento jurídico podem entrar em conflito, ou seja, pode haver conflito entre princípios, entre regras ou até entre regras e princípios. Assim, sob a dimensão de validade, havendo conflito umas das normas deverá ser invalidada segundo os critérios apresentados por Bobbio, quais sejam: critério hierárquico, critério cronológico ou temporal e critério da especialidade.

    Já no campo da dimensão da importância há conflito apenas entre os Princípios, e neste caso não se invalida um dos princípios, pois parte-se do pressuposto de que os todos os princípios são validos, portanto não há antinomia entre eles, mas sim uma colisão no campo da importância, o que será solucionado pelo juízo de ponderação aplicado a cada caso em concreto, isto é, o juiz verificará qual princípio tem mais valor, mais importância para determinado caso real.

    Dessa forma, diferentemente do que afirma a alternativa (C), a convivência entre princípios não é antinômica, pois há na verdade uma colisão de importância entre os princípios. Esta alternativa está errada.

    ALTERNATIVA (D)

    Nesta alternativa, mais uma vez, o examinador empregou as lições de Canotilho, porém de forma sutilmente contrária, pois ao utilizar o termo "ilimitada racionalidade prática" alterou o ensinamento, que na verdade tem o sentido de que tanto as regras quanto os princípios são necessários à composição do sistema jurídico, e nas palavras de Canotilho "Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática . Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa - legalismo - do mundo da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e os resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um 'sistema de segurança', mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. Corresponderia a uma organização política monodimensional (...). O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios (...) levar-nos-ía a conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras precisas, a coexistência de princípios conflitantes, a dependência do 'possível' fáctico e jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema". (grifos nossos)

    Pelo exposto, a alternativa (D) está errada.

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