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19 de Abril de 2024
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    Princípio da insignificância e crimes contra a fé pública

    há 15 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br)

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

    Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Princípio da insignificância e crimes contra a fé pública. Disponível em http://www.lfg.com.br.14 junho. 2009.

    Decisão da Primeira Turma do STF: "Falsificação de Moeda e Princípio da Insignificância. A Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do delito previsto no art. 289 , § 1º , do CP ? por guardar em sua residência duas notas falsas no valor de R$ 50,00 ? pleiteava a aplicação do princípio da insignificância. Inicialmente, não se adotou o paradigma da 2ª Turma, apontado pela impetração, ante a diversidade de situações, dado que aquele órgão julgador considerara as circunstâncias da situação concreta apresentada para conceder a ordem, tais como: a) a falsificação grosseira, b) a inexpressividade da lesão jurídica causada, e c) o fato de ter sido apreendida uma nota falsa no valor de R$ 5,00 em meio a outras notas verdadeiras. Em seguida, asseverou-se que, na espécie, cuidar-se-ia de notas falsas, as quais poderiam perfeitamente provocar o engano. Enfatizou-se, ademais, que o bem violado seria a fé pública, a qual é um bem intangível e que corresponde à confiança que a população deposita em sua moeda, não se tratando, assim, da simples análise do valor material por ela representado". Precedentes citados : HC 83526/CE (DJU de 26.3.2004), HC 93251/DF (DJE de 22.8.2008). HC 96153/MG , rel. Min. Cármen Lúcia, 26.5.2009. (HC-96153)

    Comentários: o princípio da insignificância está em foco mais uma vez. Analisa-se, agora, a sua aplicação em relação aos crimes contra a Administração Pública, mais precisamente, o crime de moeda falsa (art. 289 do Código Penal). Outra vez o assunto acabou chegando ao STF.

    Há um equívoco (s.m.j.) nessa matéria (que vem sendo repetido há anos nos tribunais). O bem jurídico fé pública (confiança que as pessoas depositam nas notas e moedas correntes, ou seja, nas cédulas que exprimem valores) não está (definitivamente) fora do âmbito de incidência do princípio da insignificância. Embora seja um bem intangível (imaterial), só por isso não fica fora do raio de ação do referido princípio.

    Cuida-se de bem intangível, mas que pode ser afetado (ofendido). Cuida-se, ademais, de delito de perigo (que é quantificável). Tudo depende da conduta praticada e do nível de ofensividade (periculosidade da conduta).

    Quem monta toda uma infraestrutura para fabricar notas falsas, ou seja, quem realiza essa conduta com todo aparato adequado para a produção de muitas notas, ainda que fabrique uma só (de dois reais ou de dez reais ou de um dolar), não está praticando uma conduta insignificante. O fundamental é quantificar o perigo decorrente da conduta (não o valor da nota fabricada). De outro lado, quem cria uma estrutura ou usa um aparato extremamente precário, que não tem nenhuma condição de fabricar mais que uma só nota falsa, pode ser favorecido pelo princípio da insignificância.

    A falsificação (ou alteração), quanto mais grosseira, menos periculosidade revela (no sentido de ofender o bem jurídico). A conduta de guardar uma nota falsa deve ser analisada em todo seu contexto fático. O agente pode guardar uma só nota, mas tem toda uma estrutura para praticar essa conduta muitas vezes. Se o agente nunca se envolveu com absolutamente nada de ilícito e tem em sua casa uma só nota falsa, há muitos anos (v.g.), não há como afirmar que está praticando o delito do art. 289 , § 1º , do CP . Direito penal é fato, norma e valoração do fato. Miguel Reale falava na teoria tridimensional: fato, valor e norma. É isso mesmo.

    Todos os fatos devem ser devidamente valorados. É um equívoco afirmar, de pronto, que esse ou aquele bem jurídico não admite o princípio da insignificância. Isso revela um formalismo ultrapassado. Não existe fato jurídico sem possibilidade de valoração. Do ponto de vista da ofensividade, tudo é quantificável (valorável).

    Em julgado publicado no dia 07 de maio de 2009, de relatoria da Ministra Laurita Vaz, a Quinta Turma do Tribunal da Cidadania analisou situação análoga: a incidência ou não do princípio em relação ao crime de moeda falsa e, de acordo com o entendimento então firmado, "A Turma negou a ordem por entender que não se aplica o princípio da insignificância ao crime de moeda falsa por tratar-se de delito contra a fé pública" (HC 129.592-AL , Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 7/5/2009) (Grifo nosso).

    O bem jurídico fé pública (imaterial) não afasta, de pronto, a incidência da insignificância. É um erro (e um formalismo exagerado) a assertiva contida no acórdão. Cada caso é um caso. Não se pode, a partir de dogmas mal elaborados, já se afastar a incidência deste ou aquele instituto penal. Tudo depende do caso concreto.

    Acertou a Segunda Turma do STF (veja a ementa acima mencionada) quando reconheceu o princípio da insignificância levando em conta as circunstâncias do caso concreto, tais como: a) a falsificação grosseira, b) a inexpressividade da lesão jurídica causada, e c) o fato de ter sido apreendida uma nota falsa no valor de R$ 5,00 em meio a outras notas verdadeiras.

    Os casos analisados no STJ e no STF (no HC 96153/MG) trazem as mesmas características: a prática do crime de moeda falsa, em que foram encontradas junto ao condenado duas notas falsas de R$ 50,00.

    Tanto o STF como o STJ afastou a incidência do princípio da insignificância, mas, o que se deve analisar são os fundamentos apontados.

    Vejamos.

    Para o STJ, o simples fato de se tratar de crime contra a fé pública (a impossibilidade de quantificação econômica e o atingimento da credibilidade da moeda e do sistema financeiro) já é suficiente para a não aplicação da insignificância. Em contrapartida, de acordo com o entendimento (a nosso ver, correto) firmado pelo STF, outros fatores devem ser analisados.

    Ora, o crime de moeda falsa exige, para a sua caracterização, que a falsificação não seja grosseira, sendo imprescindível a imitatio veritatis (imitação da verdade). Em outras palavras, faz-se necessário que a cédula falsa tenha a eficácia de enganar o homem médio, induzindo a erro número indeterminado de pessoas.

    Quando não preenchida essa condição, ou seja, quando a falsificação se mostrar grosseira, não há de se falar em lesão considerável ao bem jurídico tutelado (não há potencialidade lesiva), o que impõe o reconhecimento do princípio da insignificância, com a conseqüente atipicidade material da conduta.

    Trata-se de raciocínio simples, que toma como base a razoabilidade. O Direito deve buscar, quase sempre, o "meio termo". Afirmar, como faz o STJ, que, em se tratando de crime contra a fé pública, resta automaticamente afastado o princípio da insignificância, não parece ser a postura mais adequada, porque reveladora de um legalismo que pode chegar a uma arbitrariedade. Deve-se, sim, considerar duas hipóteses: se a falsificação se mostra hábil a enganar o homem comum (o normal das pessoas), pouco importando o valor da nota falsa, e se o contexto fático em razão de outras circunstâncias mostra a periculosidade da conduta, o crime restará configurado, mas, se grosseira e perceptível a olho nu, não há motivos para que se afaste a aplicação do princípio, em razão da inexistência de potencialidade lesiva.

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