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19 de Abril de 2024

Competência da Justiça Federal para julgar o crime de redução à condição análoga à de escravo (Informativo 524)

há 15 anos

Brasília, 13 a 17 de outubro de 2008 - Nº 524.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

SEGUNDA TURMA

Redução a Condição Análoga à de Escravo e Competência

A Turma deu provimento a recurso extraordinário para fixar a competência da Justiça Federal para julgar os crimes de exposição da vida ou da saúde de trabalhadores a perigo, de redução a condição análoga à de escravo, de frustração de direito assegurado por lei trabalhista e de omissão de dados da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CP , artigos 132 , 149 , 203 e 297 , § 4º , respectivamente). Entendeu-se, no caso, que as condutas atribuídas aos recorridos, em tese, violam bens jurídicos que extrapolam os limites da liberdade individual e da saúde dos trabalhadores reduzidos àquela condição, malferindo os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho. Por conseguinte, afastou-se a competência da Justiça Estadual. Por outro lado, não se conheceu do recurso na parte referente à alegada competência da Justiça Federal para conhecer e julgar outros crimes descritos na denúncia, alegadamente conexos, porquanto envolveriam o exame de legislação infraconstitucional, bem como o revolvimento de matéria fático-probatória. Precedentes citados: RE 398041/PA (j. em 30.11.2006); RE 480138/RR (DJE 24.4.2008) e RE 508717/PA .(DJU 11.4.2007) RE 541627/PA , rel. Min. Ellen Gracie, 14.10.2008. (RE- 541627)

NOTAS DA REDAÇÃO

O crime de redução à condição análoga à de escravo está previsto no artigo 149 do Código Penal que por sua vez está classificado no capítulo dos crimes contra a liberdade individual, mais precisamente da seção dos crimes contra a liberdade pessoal.

A escravidão é um estado de direito pelo qual o homem perde, por lei, sua personalidade. O Brasil não reconhece tal estado, por isso não há escravidão no Brasil e nem crime que reduza a condição de escravo, mas a condição análoga à de escravo, ou seja, a algo semelhante.

A definição da competência para julgar o crime de redução à condição análoga à de escravo tem três correntes. A primeira entende ser competente a justiça estadual, pois leva em consideração a posição topográfica do artigo no Código Penal e o disposto no item 51 da Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal que traz a seguinte redação:

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

51. (...) No artigo 149, é prevista uma entidade criminal ignorada do Código vigente: o fato de reduzir alguém, por qualquer meio, à condição análoga à de escravo, isto é, suprimir-lhe, de fato, o status libertatis , sujeitando-o o agente ao seu completo e discricionário poder. É o crime que os antigos chamavam de plagium . Não é desconhecida a sua prática entre nós, notadamente em certos pontos remotos do nosso hinterland .

A segunda corrente defende ser competência da Justiça Federal, pois o principal bem jurídico a ser tutelado é a organização do trabalho e não a liberdade pessoal.

Não obstante criticarem a segunda corrente no sentido de que ela cria um bem jurídico que o legislador não criou, surge uma terceira corrente (do Ministro Gilmar Mendes) que também sustenta ser da competência da Justiça Federal, mas sob o argumento de que o crime do artigo 149 do CP só será julgado pela Justiça Federal quando atingir a coletividade.

No caso em tela apurou-se que, as condutas atribuídas aos recorridos violam os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade do trabalho, ou seja, ultrapassam os bem jurídicos da liberdade individual e da saúde, portanto, afasta-se a competência da justiça estadual.

Contudo, o recurso não foi conhecido no que diz respeito a análise da competência da Justiça Federal para julgar os demais crimes considerados conexos, pois tal exame implicaria em apreciação de legislação infraconstitucional, bem como de matéria fático-probatória.

Neste sentido, dispõe a Súmula 279 do STF abaixo transcrita:

PARA SIMPLES REEXAME DE PROVA NÃO CABE RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

Por fim, vejamos a posição da Corte Suprema quanto a competência da Justiça Federal para julgar o crime de redução à condição análoga à de escravo manifestada no Recurso Extraordinário nº. 480138/RR de Relatoria do Min. GILMAR MENDES, a seguir:

Trata-se de recurso extraordinário em matéria criminal interposto com fundamento no artigo 102 , III , a , da Constituição Federal . O acórdão recorrido entendeu ser da Justiça estadual a competência para processo e julgamento dos crimes de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, falsificação de documento público, exposição da vida e saúde de trabalhadores a perigo, aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional e redução à condição análoga à de escravo. No caso, entendeu-se que não se trata de crimes contra a organização do trabalho, mas contra determinados trabalhadores, o que não atrai a competência da Justiça federal. O acórdão possui a seguinte ementa (fl. 517): "PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXPOSIÇÃO DA VIDA E SAÚDE DE TRABALHADORES A PERIGO (ART. 132 DO CP). REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO (ART. 149 , CP). FRUSTRAÇÃO DE DIREITOS ASSEGURADOS POR LEI TRABALHISTA (ART. 203 , CP). OMISSÃO DE DADOS DA CARTEIRA DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL (ART. 297 , § 4o DO CP). ALICIAMENTO DE TRABALHADORES DE UM LOCAL PARA OUTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL (ART. 207 , CAPUT, C/C §§ 1o E 2o DO CP). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (ART. 337-A DO CP)É CRIME MATERIAL. 1. Esta Corte já firmou entendimento, na esteira de precedentes do STJ e do STF, que o trabalho em condições sub humanas, análogas às de escravo, sem observância das leis trabalhistas e previdenciárias, só tipificam crime contra a organização do trabalho, de competência da Justiça Federal, se afetarem coletivamente as instituições trabalhistas. 2. A sonegação de contribuição previdenciária (Art. 337-A , do CP)é crime material. Não tendo a denúncia demonstrado o lançamento fiscal pelo INSS há que ser mantida a decisão que rejeita a peça acusatória por falta de justa causa para a ação penal. 3. Recurso improvido."Alega-se violação ao art. 109 , VI , da Carta Magna . O Subprocurador-Geral da República Dr. Edson Oliveira de Almeida manifestou-se pelo provimento do recurso para que seja reconhecida a competência da Justiça federal, por entender que o crime de redução à condição análoga à de escravo é atentatório à organização do trabalho. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 398.041 , Rel. Joaquim Barbosa, sessão de 30.11.2006, fixou a competência da Justiça federal para julgar os crimes de redução à condição análoga à de escravo, por entender "que quaisquer condutas que violem não só o sistema de órgãos e instituições que preservam, coletivamente, os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também o homem trabalhador, atingindo-o nas esferas em que a Constituição lhe confere proteção máxima, enquadram-se na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto de relações de trabalho" (Informativo no 450). Assim, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento (art. 557 , § 1º-A , do CPC) para declarar competente a Justiça federal. (Grifos nossos)

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