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25 de Abril de 2024

Ministério Público: princípio da independência funcional

há 15 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. Ministério Público: princípio da independência funcional. Disponível em http://www.lfg.com.br 19 julho. 2009.

O Ministério Público se manifesta em determinada fase processual pela desclassificação de um crime. Posteriormente um outro promotor pede a condenação por um crime mais grave. O caso em tela traz um importante questionamento:

O Promotor de Justiça que substitui o anterior pode rever a tese da acusação, em sede de recurso? Sim. Aplicação do art. 127, § 1º da CF, que prevê o princípio da independência funcional. Por empate na votação, não foi esse o entendimento firmado pela Sexta Turma do STJ (abaixo).

Decisão da Sexta Turma do STJ: E mpate beneficia acusado e restabelece desclassificação de crime de associação ao tráfico de drogas. Terminou empatada a discussão sobre a possibilidade de o Ministério Público se manifestar em determinada fase processual pela desclassificação de um crime e, posteriormente, por atuação de um outro promotor, pedir a condenação por um crime mais grave. Com o empate, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o entendimento mais benéfico ao réu e anulou o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ) que impôs sanção mais grave aos réus depois de a sentença desqualificar o crime de associação para o tráfico de drogas. No caso, dois réus foram denunciados por tráfico e um deles, também por porte ilegal de armas. A sentença desqualificou o delito de tráfico para uso de substância entorpecente e manteve a acusação de porte de armas, depois de solicitar a manifestação do Ministério Público (MP). Interposto o recurso de apelação, o Tribunal revisou essa decisão com base em parecer de um outro promotor e condenou ambos os acusados a três anos de reclusão em regime fechado por associação ao tráfico. A defesa alegou ao STJ que, se a opinio delict - base com que o promotor se convence da justa causa para oferecer a ação penal - pudesse ser revista pelo promotor que sucedeu o anterior, os princípios do Ministério Público (MP) como unidade e sua indivisibilidade estariam completamente esvaziados, pois o órgão teria tantas opiniões delitivas quantos fossem seus integrantes. São princípios do MP a independência, a unidade e indivisibilidade: seus membros atuam como se fossem um. O Tribunal de Justiça entendeu que a divergência de opiniões entre seus representantes deve ser respeitada por previsão constitucional, que dá liberdade de convencimento a seus membros. O relator no STJ, ministro Paulo Gallotti, entendeu que mesmo o representante do MP tendo entendido que, na fase de alegações finais - razões produzidas em juízo antes da decisão -, a hipótese não seria de levar a uma condenação por tráfico, não existe obstáculo para que um outro membro interprete os fatos de forma diferente, buscando, por meio de recurso, uma condenação. O ministro destaca que a independência funcional não é incompatível com a unidade da instituição. "O princípio da independência, longe de dar carta branca à atuação arbitrária de membro do MP - e para coibir eventuais desvios existem os órgãos de correição -, tem por escopo tornar efetiva a atuação ministerial, de modo a atingir a defesa da ordem jurídica". O ministro Nilson Naves, que abriu a divergência, também não tem dúvida quanto à independência funcional do MP, mas vê com reservas nessa irrestrita liberdade. Ele assinala que uma coisa é a independência, outra coisa é o interesse em agir em determinados momentos processuais. Não há dúvidas de que o órgão possa pedir ao juiz que absolva o réu, mas "não é saudável, nem elegante" que volte seus próprios passos em nome ministerial e "desdizer o que já se havia dito em benefício do réu". "Feita uma coisa, feita está; desfazê-la significa ou ter dois pesos ou duas medidas, ou lhe conferir sabor lotérico, porque um representante não pode recorrer, outro pode". O julgamento ficou em dois a dois. O empate restabelece a sentença do juiz da 6ª Vara Criminal de Nova Iguaçu.

Comentários: o tema gerou empate na Sexta Turma do STJ. Qual princípio deve prevalecer: unidade e indivisibilidade ou indepêndência funcional?

A Constiuição Federal de 1988 em seu art. 127, § 1º determina que:

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Unidade: os membros que integram a instituição estão sob a égide de um único chefe, de forma que o Ministério Público deve ser visto como uma instituição única, sendo a divisão essencialmente funcional. O princípio da unidade, como se vê, tem natureza administrativa.

Indivisibilidade: consequência direta da unidade, revela a possibilidade de um membro ser substituído por outro, sem qualquer implicação prática, já que os atos são considerados prtaticados pela institução e não pela pessoa do Promotor de Justiça ou Procurador.

Independência funcional: livre convencimento de cada membro do Ministério Público, ou seja, inexiste vinculação dos seus membros a pronunciamentos processuais anteriores.

A nosso ver, não se trata de prevalência entre os princípios acima descritos, mas, sim, de concordância entre eles.

A independência funcional foi o principal fundamento apontado pelo órgão julgador na decisão proferida. De acordo com o entendimento firmado, a unidade existente não vincula a forma de atuação dos membros do Ministério Público, devendo, assim, se complementar pela independência funcional.

O que deve preponderar é a independência funcional. Um segundo Promotor (que participe da mesma relação processual) não está atrelado ao que o anterior disse. Isso é o que deve prevalecer, mas com uma reserva: na mesma fase processual não pode um segundo Promotor desfazer o que já foi feito por outro. A independência funcional é importante, mas também é relevante o esgotamento da manifestação do Ministério Público em cada fase processual. Se um membro do MP fez alegações finais num determinado sentido, não poderia outro substituir essa atuação (nessa mesma fase). Quando o processo alcança fase processual distinta, parece irreversível aceitar a autonomia funcional de cada Promotor.

Essa distinção não foi feita no v. acórdão (explicitamente). Implicitamente, no entanto, foi ventilada. Em razão do empate prevaleceu a condenação pela infração menos grave. Uma hipótese clara de aplicação do princípio "in dubio pro reo". De qualquer modo, parece acertada a corrente que reconhece a autonomia funcional dos membros do Ministério Pùblico, desde que em etapas (fases) processuais distintas. Dentro da mesma fase processual isso não seria possível, porque, dentro dela, a opinião de cada membro é a opinião da instituição. Inaugurada nova fase processual (recursal, v.g.), sim, agora a autonomia funcional ganha relevância ímpar.

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