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19 de Abril de 2024

Brasil é condenado novamente pela CIDH: Caso Escher (Violação à privacidade) (PARTE I)

há 15 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES (www.blogdolfg.com.br) Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Brasil é condenado novamente pela CIDH: Caso Escher (Violação à privacidade) (PARTE I). Disponível em http://www.lfg.com.br - 25 agosto de 2009.

Em maio de 1999, o então major Waldir Copetti Neves, oficial da Polícia Militar do Paraná, solicitou à juíza Elisabeth Khater, da comarca de Loanda, no noroeste do estado, autorização para grampear linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST. A juíza autorizou a escuta imediatamente, mas deixou de cumprir a constituição e a lei brasileiras, seja porque não fundamentou sua decisão, seja porque não notificou o Ministério Público, seja porque ignorou o fato de não competir à PM fazer investigação criminal contra civis. Durante 49 dias os telefonemas foram gravados.

A falta absoluta de embasamento legal, disse a ONG Justiça Global, demonstra a clara intenção de criminalizar os trabalhadores rurais grampeados.

A Secretaria de Segurança Pública do Paraná, segundo a mesma ONG, convocou uma coletiva de imprensa e distribuiu trechos das gravações editados de maneira tendenciosa. O conteúdo insinuava que integrantes do MST planejavam um atentado à juíza Elisabeth Khater e ao fórum de Loanda. O material foi veiculado em diversos meios de imprensa, o que contribuiu para o processo de criminalização que o MST já vinha sofrendo.

Ainda consoante notícia da Justiça Global (www.global.org.br), no dia 06 de agosto de 2009 a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA divulgou a sentença do caso Escher e outros Vs Brasil, na qual condena o Brasil pelo uso de interceptações telefônicas ilegais em 1999 contra associações de trabalhadores rurais ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná.

O Estado brasileiro foi considerado culpado pela instalação dos grampos, pela divulgação ilegal das gravações e pela impunidade dos responsáveis.

A polêmica em torno de escutas telefônicas é atual. Há menos de um ano, denúncias de grampo nas investigações da Polícia Federal ao banqueiro Daniel Dantas causaram reações indignadas no Congresso, e nos poderes Executivo e Judiciário. Recentemente, a divulgação das gravações sigilosas do filho de José Sarney causou polêmica e resultou em uma medida judicial que proibiu a veiculação das conversas. A sentença divulgada hoje evidencia o fato de que, no Brasil, setores da Justiça e da classe política se comportam de maneira distinta em função dos atores envolvidos.

A denúncia à OEA foi feita em dezembro de 2000 pelo MST, pela Justiça Global, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela Terra de Direitos e pela Rede Nacional de Advogados Populares (RENAP).

A decisão da Corte Interamericana foi a seguinte:

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS CASO ESCHER E OUTROS VS. BRASIL SENTENÇA DE 6 DE JULHO DE 2009 (PRIMEIRA PARTE)

(Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas)

No caso Escher e outros , a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante a Corte Interamericana, a Corte ou o Tribunal), integrada pelos seguintes juízes: Cecilia Medina Quiroga, Presidenta; Diego García-Sayán, Vice-presidente; Sergio García Ramírez, Juiz; Manuel E. Ventura Robles, Juiz; Leonardo A. Franco, Juiz; Margarette May Macaulay, Juíza; Rhadys Abreu Blondet, Juíza; e Roberto de Figueiredo Caldas, Juiz ad hoc ; presentes, ademais, Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e Emilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta, em conformidade com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante a Convenção Americana ou a Convenção) e com os artigos 29, 31, 37.6, 56 e 58 do Regulamento da Corte1 (doravante o Regulamento), decreta a presente Sentença.

INTRODUÇAO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA

1. Em 20 de dezembro de 2007, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante a Comissão Interamericana ou a Comissão) submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil (doravante o Estado ou o Brasil), a qual se originou da petição apresentada em 26 de dezembro de 2000, pelas organizações Rede Nacional de Advogados Populares e Justiça Global em nome dos membros das organizações Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda. (doravante COANA) e Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais (doravante ADECON"). Em 2 de março de 2006, a Comissão declarou admissível o caso mediante o Relatório No. 18/06 e, em 8 de março de 2007, conforme os termos do artigo 50 da Convenção, aprovou o Relatório de Mérito No. 14/07, o qual continha determinadas recomendações para o Estado. Esse relatório foi notificado ao Brasil em 10 de abril de 2007, sendo-lhe concedido um prazo de dois meses para comunicar as ações empreendidas com o propósito de implementar as recomendações da Comissão. Depois de três prorrogações concedidas ao Estado, [a]pós considerar as informações prestadas pelas partes com relação à implementação das recomendações constantes do relatório de mérito, e [] a falta de progresso substantivo no que diz respeito ao [...] efetivo cumprimento [das mesmas], a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte. Considerou que o presente caso representa uma oportunidade valiosa para o aperfeiçoamento da jurisprudência interamericana sobre a tutela do direito à privacidade e do direito à liberdade de associação, assim como os limites do exercício do poder público. A Comissão designou como delegados os senhores Clare K. Roberts, Comissionado, e Santiago A. Canton, Secretário Executivo, e como assessores legais a senhora Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva Adjunta, e os advogados Juan Pablo Albán e Andrea Repetto.

2. Segundo a Comissão indicou, a demanda se refere à [alegada] interceptação e monitoramento ilegal das linhas telefônicas de Arle[i] José Escher, Dalton Luciano de Vargas, Delfino José Becker, Pedro Alves Cabral, Celso Aghinoni e Eduardo Aghinoni, [...] membros das organizações [ADECON] e [COANA], realizados entre abril e junho de 1999 pela Polícia Militar do Estado do Paraná; [a divulgação das conversas telefônicas,] bem como [a] denegação de justiça e [da] reparação adequada.

3. Na demanda, a Comissão solicitou à Corte declarar que o Estado é responsável pela violação dos artigos 8.1 (Garantias Judiciais), 11 (Proteção da Honra e da Dignidade), 16 (Liberdade de Associação) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana, em relação com a obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos e ao dever de adotar medidas de direito interno, previstos, respectivamente, nos artículos 1.1 e 2 do referido tratado, também em consideração às diretrizes emergentes da cláusula federal contida no artigo 28 do mesmo instrumento. A Comissão requereu à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação.

4. Em 7 de abril de 2008, as organizações Justiça Global, Rede Nacional de Advogados Populares, Terra de Direitos, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) (doravante os representantes) apresentaram seu escrito de petições, argumentos e provas (doravante escrito de petições e argumentos), nos termos do artigo 23 do Regulamento. No referido escrito, solicitaram à Corte que, com base nos fatos relatados pela Comissão em sua demanda, declare a violação dos direitos às garantias judiciais, à vida privada, à liberdade de associação e à proteção judicial previstos nos artigos 8, 11, 16 e 25 da Convenção Americana, todos estes em relação com os artigos 1.1, 2 e 28 do referido tratado, em prejuízo de Arlei José Escher e Dalton Luciano de Vargas, e de outros trinta e dois membros da COANA e da ADECON que não foram mencionados como supostas vítimas na demanda. Em consequência, requereram ao Tribunal que ordene medidas reparatórias. Finalmente, essas duas organizações, mediante procuração outorgada em 16 de abril de 2007, designaram como suas representantes legais as advogadas da Justiça Global, senhoras Andressa Caldas, Luciana Silva Garcia, Renata Verônica Cortes de Lira e Tâmara Melo.

5. Em 7 de julho de 2008, o Estado apresentou um escrito no qual interpôs três exceções preliminares, contestou a demanda e formulou observações sobre o escrito de petições e argumentos (doravante contestação da demanda). O Estado solicitou que a Corte considere fundamentadas as exceções preliminares e, em consequência: i) não admita o escrito de petições e argumentos e seus anexos; ii) exclua da análise do mérito o suposto descumprimento do artigo 28 da Convenção; e iii) declare-se incompetente em razão da falta de esgotamento dos recursos internos. Ademais, afirmou que os tribunais internos examinaram as condutas dos policiais militares que pediram a interceptação telefônica, da juíza que a autorizou e do então Secretário de Segurança Pública, quem teria divulgado partes das gravações; concluindo que não existiram condutas juridicamente reprováveis. Requereu que a Corte reconheça que o Estado brasileiro envidou todos os esforços administrativos e judiciais que lhe foram possíveis, a medida que instado a agir, no sentido de apurar os fatos denunciados e que as supostas vítimas tinham à sua disposição recursos adequados e efetivos para questionar os atos estatais; e que o Tribunal declare que não houve violação dos artigos 1.1, 2, 8, 11, 16, 25 e 28 da Convenção Americana. O Estado designou o senhor Hildebrando Tadeu Nascimento Valadares como agente e as senhoras Márcia Maria Adorno Cavalcanti Ramos, Camila Serrano Giunchetti, Bartira Meira Ramos Nagado e Cristina Timponi Cambiaghi, como agentes assistentes.

6. Conforme o artigo 37.4 do Regulamento, nos dias 24 e 27 de agosto de 2008 a Comissão e os representantes, respectivamente, apresentaram suas alegações sobre as exceções preliminares opostas pelo Estado.

Comentários: nenhuma pessoa física tem o poder de peticionar diretamente à Corte Interamericana (que está localizada em San Jose da Costa Rica). A demanda só pode ser apresentada (inicialmente) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sediada em Washington). No caso Escher e outros contra o Brasil a petição foi protocolada em dezembro de 2000 (junto à Comissão). Quando o assunto não se encerra na Comissão, ela pode enviá-lo à Corte. Foi o que ocorreu no caso em destaque. Em 20 de dezembro de 2007, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante a Comissão Interamericana ou a Comissão) submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil (doravante o Estado ou o Brasil).

Em 2 de março de 2006 a Comissão declarou admissível o caso (juízo de admissibilidade da demanda) mediante o Relatório n. 18/06 e, em 8 de março de 2007, conforme os termos do artigo 50 da Convenção, aprovou o Relatório de Mérito n. 14/07, o qual continha determinadas recomendações contra o Estado brasileiro.

Esse relatório foi notificado ao Brasil em 10 de abril de 2007, sendo-lhe concedido um prazo de dois meses para comunicar as ações empreendidas com o propósito de implementar as recomendações da Comissão. Depois de três prorrogações concedidas ao Estado, [a]pós considerar as informações prestadas pelas partes com relação à implementação das recomendações constantes do relatório de mérito, e [] a falta de progresso substantivo no que diz respeito ao [...] efetivo cumprimento [das mesmas], a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte. Considerou que o presente caso representa uma oportunidade valiosa para o aperfeiçoamento da jurisprudência interamericana sobre a tutela do direito à privacidade e do direito à liberdade de associação, assim como os limites do exercício do poder público.

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