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19 de Abril de 2024
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    Tendência de objetivação do controle concreto de constitucionalidade - Angelo de Camargo Dalben

    há 14 anos

    Como citar este artigo: DALBEN, Angelo de Camargo. Tendência de objetivação do controle concreto de constitucionalidade. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 11 de novembro de 2009.

    Tendência de objetivação do controle concreto de constitucionalidade

    Posições doutrinárias exaradas em arestos de nosso Tribunal Maior, acompanhadas de grande parte dos doutrinadores brasileiros, têm se posicionado pela modificação dos efeitos das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concreto/incidental de constitucionalidade.

    Para que possamos entender a presente questão, é importante que conheçamos o regime de jurisdição constitucional pátrio. Bem assim, o controle de constitucionalidade brasileiro está compreendido em duas grandes frentes: o abstrato e o concreto ou incidental. Para o primeiro caso, o STF é acionado por meio de uma ação específica para questionar a constitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ação esta proposta por um autor com legitimidade previamente estabelecida a exemplo, para a propositura da Ação Direta da Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), estão legitimados os indivíduos e entidades elencados no art. 103 da CF -, cuja decisão espraiará seus efeitos para além do processo efeitos erga omnes .

    Para a segunda vertente controle incidental a questão constitucional é submetida ao STF por meio de uma via nascida em meio a um processo. Por assim dizer, é o controle feito pelo nosso Tribunal Maior das decisões prolatadas pelos Tribunais inferiores quando houver desrespeito à norma constitucional.

    A principal via é, sem dúvida, o recurso extraordinário, o qual se encontra insculpido no art. 102, III, da CF/88, cabível das decisões de última ou única instância quando o decisum prolatado contrariar dispositivo da Carta Magna, ou demais hipóteses listadas nas alíneas do inciso em comento. Para este caso, a decisão proferida pelo STF produzirá seus efeitos apenas e tão somente inter pars, id est , entre as partes envolvidas na lide. Ao Supremo, proferida a decisão, cabe exclusivamente proceder em conformidade ao estabelecido no art. 52, X, da CF/88, que possibilita ao Senado, após comunicação do STF, suspender a execução de Lei declarada inconstitucional.

    Feitas as devidas colocações, tem-se a afirmar que a controvérsia reside justamente no fato de que poucas não são as vozes que se levantaram a favor da extensão dos efeitos duma decisão proferida em controle incidental para além do processo em que ocorreu.

    Essa discussão tomou força principalmente após a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 82.959/SP, da relatoria do Exmo Min. Março Aurélio, no qual decidiu pela inconstitucionalidade do art. 2, parágrafo 1º da Lei n. 8.072/90 .(Lei dos Crimes Hediondos) A redação de citado preceptivo vedava a progressão de regime para os crimes considerados hediondos[ 1 ]. Assim, para os criminosos que praticassem um dos tipos penais estabelecidos na Lei 8.072/90, não se concedia a benesse da progressão do regime quando do cumprimento de 1/6 da pena, conforme garantido no art. 112 da LEP (Lei de execução penal n. 7.210/84) para os crimes não-hediondos[ 2 ] .

    Os questionamentos circunscreveram-se sobre a possibilidade, ou não, de mencionada decisão, que declarou o antigo art. 2º, parágrafo 1º da Lei em referência como inconstitucional, produzir efeitos não somente ao impetrante do aludido habeas corpus, mas também a todos os condenados que se encontrassem em idêntica situação daquele que fora beneficiado com a decisão do Supremo.

    Veja-se que a decisão fora tomada em controle de constitucionalidade concreto/incidental, o que, a rigor, faria com que os efeitos do decisum se espraiassem apenas na relação endoprocessual. Caberia ao Senado, após comunicação expedida pelo Supremo, tornar sem eficácia a lei declarada inconstitucional. Não foi essa a posição de muitos constitucionalistas. Gilmar Mendes[ 3 ] , a exemplo, exprimiu entendimento de que uma vez proferida decisão firme no sentido de inconstitucionalidade duma lei, essa decisão, de per si, possuiria força normativa suficiente para ser seguida pelos demais Tribunais.

    Parece legítimo entender que a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Dessa forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação ao Senado Federal para que publique a decisão no Diário do Congresso. Tal como assente, não é (mais) a decisão do Senado que confere eficácia geral ao julgamento do Supremo. A própria decisão da Corte contém essa força normativa. Parece evidente ser essa a orientação implícita nas diversas decisões judiciais e legislativas acima referidas. Assim, o Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que não cuida de decisão substantiva, mas de simples dever de publicação, tal como reconhecido a outros órgãos políticos em alguns sistemas constitucionais (Constituição austríaca, art. 140, 5, publicação a cargo do Chanceler Federal, e Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã, art. 31, 2, publicação a cargo do Ministro da Justiça). A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia.

    Essa solução resolve de forma superior uma das tormentosas questões da nossa jurisdição constitucional. Superam-se, assim, também as incongruências, cada vez maiores, entre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a orientação dominante na legislação processual, de um lado, e, de outro, a visão doutrinária ortodoxa e permita-nos dizer ultrapassada do disposto no art. 52, X, da Constituição de 1988.

    Em consonância com precitado autor, o tema se encontra em discussão no Plenário do Supremo Tribunal, nos autos da Reclamação n. 4.335, ajuizada pela Defensoria Pública da União, em face de um Juiz de Direito do Acre. O autor alegou que o Magistrado local se negou ao cumprimento da decisão prolatada pelo STF, o qual decidiu pela inconstitucionalidade de parte da Lei dos crimes hediondos. O processo se encontra suspenso por pedido de vista do Exmo. Min. Ricardo Lewandowski, mas seu Relator, Ministro Gilmar Mendes, proferiu voto reconhecendo o pedido. Eis o que narra, ad litteram :

    Proferi voto reafirmando minha posição no sentido de que a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o Supremo, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se comunicação àquela casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Dessa forma, julguei procedente a Reclamação por entender desrespeitada a eficácia erga omnes da decisão proferida no HC 82.959 , no que fui acompanhado por Eros Grau. Divergiram dessa posição os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa.

    Tal entendimento não é isolado, muito menos desprecedido de outras decisões que tencionam a demonstrar essa tendência de modificação da jurisdição constitucional brasileira até a data presente, ao menos formalmente, apresentada sob a forma de um sistema difuso ou misto, como já reforçado. Em sua exposição, Gilmar Mendes[ 4 ] trabalha com a questão da transcendência dos efeitos de uma decisão advinda do controle concreto, via essa que não o recurso extraordinário.

    Dessarte, a força vinculante das decisões do Supremo, proferidas em controle concreto, pode ser sentida, a exemplo, no provimento de plano ou não provimento de plano nos termos do art. 557 e 1º-A do Código de Processo Civil, porquanto o Supremo tem entendido que quando uma questão de constitucionalidade já fora decidida, desnecessária a submissão ao Plenário, bastando a prolação de uma decisão monocrática escorada noutra decisão, já consolidada.

    Bem assim, existem também as decisões proferidas em controle de constitucionalidade via ação coletiva, ação civil pública ou mandado de segurança coletivo, que embora façam parte do controle concreto de constitucionalidade, a decisão prolatada em sua sede tem características que lhe permite atingir um vasto número de indivíduos, mesmo que não integrantes da lide originária.

    O que dizer, ainda, da súmula vinculante art. 103-A da Constituição Federal a qual tem seu nascedouro a partir de várias decisões proferidas pelo Supremo acerca de questões constitucionais decididas na análise de casos concretos. Aliás, a súmula vinculante, se bem observado o mencionado artigo constitucional, nasce depois de reiteradas decisões proferidas pelo Supremo, sendo editada a partir da análise dum caso concreto. Seria, então, considerado como mais um mecanismo alargador do campo atingido pelos efeitos da decisão exarada pela nossa Corte Constitucional em sede de controle concreto.

    Não obstante a profícua lição de mencionado autor e de grande parte da doutrina que o acompanha, possível constatar que o Supremo Tribunal, por meio de diversas decisões proferidas, vem modificando a estrutura de nossa Jurisdição Constitucional, isso um passo à frente do legislador reformador constitucional. A tendência de objetivação ou abstrativização do controle concreto, fortemente sentida a partir do julgamento do aludido HC n. 82/959/SP, parece deixar transparecer, como já estudado, uma busca da doutrina do stare decisis do direito norte-americano ou então na fonte do controle concentrado alemão.

    De se observar que decisões constitucionais proferidas por meio de uma via tal como ação coletiva, ação civil pública, ou mandado de segurança coletivo, tem efeitos extraprocessuais justamente por ser característica do meio impugnativo, que embora manejado como sendo instrumento de um controle concreto, a decisão ali proferida não restará contida unicamente na relação formada.

    Assim também se apresenta a questão da súmula vinculante, porquanto o Supremo, por meio de um caso[ 5 ] , sumulará determinado assunto, obrigando sua observância por todos, isso não querendo dizer que o decidido em controle concreto, pura e simplesmente, passará a produzir efeitos para todos, assim como no caso do HC retro mencionado. Antes, há dispositivo expressamente prevendo a existência da súmula vinculante, sendo que sua edição, muito embora originada do julgamento de vários casos concretos, não permite concluir que houve um aumento de alcance dos efeitos da decisão do caso específico. Uma coisa não quer dizer a outra. O fato de a Súmula ter origem em várias decisões a exemplo, proferidas via Recurso Extraordinário não nos permite concluir pelo alargamento dos efeitos das decisões paradigmas.

    O emblemático caso do habeas corpus e posterior Reclamação ajuizada pela Defensoria Pública da União, onde há afirmativa de que um Magistrado estaria descumprindo a decisão do STF, proferida, lembre-se, em controle concreto, leva ao questionamento acerca da validade da tese de abstrativização do controle concreto. Poderia o Supremo, passando por cima da clara redação do art. 52, X, da CF/88, declarar eficácia erga omnes para decisões proferidas em controle incidental? A resposta, antes de resposta, apresenta-se mais como uma nova dúvida, cuja possível solução parece correr em sentido negativo.

    Conceder efeitos alargados, ou erga omnes, a uma decisão tomada, verbi gratia, no julgamento de um recurso extraordinário, é decidir em total desapego à Constituição Federal, porquanto inexistente normativo concessor de tal pretensão. Aliás, a possibilidade de um aresto produzir efeitos vinculantes a todos é sentido unicamente para os casos de ações integrantes do rol de controle abstrato principalmente na ação direita de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade -, pois assim possibilitado pela Constituição.

    Conceder ao STF a possibilidade de aplicação de eficácia erga omnes a indivíduos/entes não participante de impugnação incidental de inconstitucionalidade é laborar em nítido equívoco. Que dito alargamento concederia maior eficácia às decisões, bem como também maior celeridade, isso não há de se questionar. Contudo, tal agir é como colocar a carroça na frente dos touros.

    Se esta é uma premente necessidade, que se proceda então a uma modificação constitucional, precedida de um amplo debate em que serão discutidas as bases teóricas para tal alteração. Alargamento sem alteração legislativa é pura invasão da competência do Senado Federal, isto é, interferência não justificada na atribuição do Poder Legislativo, atribuição esta não puramente formal, mas sim plenamente substancial ao contrário do que veementemente afirma Gilmar Mendes[ 6 ].

    Nessa esteira, não zombando da força normativa das decisões proferidas pelo Supremo, impossível se permitir uma modificação dos efeitos de decisões proferidas em controle concreto sem que antes se proceda à alteração legislativa. Não se pode esquecer que tal questão demanda uma inequívoca discussão acerca da tripartição dos Poderes e criação de uma Corte Constitucional, pois somente assim os jurisdicionados terão a segurança que necessitam acerca da validade das normas, bem como competência do Supremo. Permitir que o STF passe a modificar os efeitos de suas decisões, numa nítida adoção do stare decisis norte-americano, é permitir a adoção de mecanismos não suportáveis pelo nosso sistema vigente.

    Notas de Rodapé:

    [1] São considerados hediondos: homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, 2o, I, II, III, IV e V); latrocínio; extorsão qualificada pela morte; extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada; estupro; atentado violento ao pudor; epidemia com resultado morte; falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais; genocídio. Consideram-se equiparados a hediondos: a prática da tortura; o tráfico ilícito de entorpecentes; e o terrorismo.

    [2] Após amplo e acalentado debate, iniciado com a decisão do STF proferida no HC n. 82.959/SP, o Legislador ordinário entendeu por bem alterar o preceptivo proibitivo existente na lei807222/90, de modo a permitir a progressão de regime quando o condenado cumprir 2/5 da pena, quando primário, ou 3/5 quando reincidente.

    [3] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008. p. 1090.

    [4] MENDES; COELHO; GONET BRANCO. op. cit., p 1088 e ss.

    [5] A partir de um caso, claro, depois de reiteradas decisões, como apregoado pelaConstituição Federall, em seu art103333-AA.

    [6] MENDES; COELHO; GONET BRANCO. op. cit., p. 1086.

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