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27 de Abril de 2024
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    A inteligência da nova redação do art. 213 do CP é de que o crime é único

    há 14 anos

    DECISAO ( www.stj.jus.br )

    Após mudança no CP, estupro e atentado violento ao pudor contra mesma vítima em um mesmo contexto é crime único

    A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu como crime único as condutas de estupro e atentado violento ao pudor realizadas contra uma mesma vítima, na mesma circunstância. Dessa forma, a Turma anulou a sentença condenatória no que se refere à dosimetria da pena, determinando que nova reprimenda seja fixada pelo juiz das execuções.

    No caso, o agressor foi denunciado porque, em 31/8/99, teria constrangido, mediante grave ameaça, certa pessoa às práticas de conjunção carnal e coito anal. Condenado à pena de oito anos e oito meses de reclusão, a ser cumprida, inicialmente, no regime fechado, a pena foi fixada, para cada um dos delitos, em seis anos e seis meses de reclusão, diminuída em um terço em razão da sua semi-imputabilidade.

    No STJ, a defesa pediu o reconhecimento do crime continuado entre as condutas de estupro e atentado violento ao pudor, com o consequente redimensionamento das penas.

    Ao votar, o relator, ministro Og Fernandes, destacou que, antes das inovações trazidas pela Lei n. 12.015/09, havia fértil discussão acerca da possibilidade, ou não, de se reconhecer a existência de crime continuado entre os delitos de estupro e atentado violento ao pudor.

    Segundo o ministro, para uns, por serem crimes de espécies diferentes, descaberia falar em continuidade delitiva. A outra corrente defendia ser possível o reconhecimento do crime continuado quando o ato libidinoso constituísse preparação à prática do delito de estupro, por caracterizar o chamado prelúdio do coito.

    A questão, tenho eu, foi sensivelmente abalada com a nova redação dada à Lei Penal no título referente aos hoje denominados Crimes contra a Dignidade Sexual. Tenho que o embate antes existente perdeu sentido. Digo isso porque agora não há mais crimes de espécies diferentes. Mais que isso. Agora o crime é único, afirmou o ministro.

    Ele destacou que, com a nova lei, houve a revogação do artigo 214 do Código Penal, passando as condutas ali tipificadas a fazer parte do artigo 213 que trata do crime de estupro. Em razão disso, quando forem praticados, num mesmo contexto, contra a mesma vítima, atos que caracterizariam estupro e atentado violento ao pudor, não mais se falaria em concurso material ou crime continuado, mas, sim, em crime único.

    O relator ainda destacou que caberia ao magistrado, ao aplicar a pena, estabelecer, com base nas diretrizes do artigo 59 do Código Penal, reprimendas diferentes a agentes que pratiquem mais de um ato libidinoso.

    Para o relator, no caso, aplicando-se retroativamente a lei mais favorável, o apenamento referente ao atentado violento ao pudor não há de subsistir. Isso porque o réu foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor por ter praticado, respectivamente, conjunção carnal e coito anal dentro do mesmo contexto, com a mesma vítima.

    Quanto à dosimetria da pena, o ministro Og Fernandes entendeu que o processo deve ser devolvido ao juiz das execuções. A meu juízo, haveria um inconveniente na definição da sanção por esta Corte. É que, em caso de eventual irresignação por parte do acusado, outro caminho não lhe sobraria a não ser dirigir-se ao Supremo Tribunal. Ser-lhe-ia tolhido o acesso à rediscussão nas instâncias ordinárias. Estar-se-ia, assim, a suprimir graus de jurisdição, afirmou o ministro. (HC 144870)

    NOTAS DA REDAÇAO

    A decisão em comento analisou uma extensa discussão que existiu em Direito penal a respeito do tratamento estendido aos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, ocorridos em um mesmo contexto fático contra mesma vítima. Discutia-se sobre a aplicabilidade de crime continuado ou concurso material de crimes, quando praticado os dois delitos em sequência pelo agente. A discussão, em suma, residia sobre qual o concurso de crimes aplicável, quando o atentado violento ao pudor ocorria antes ou depois do estupro, sendo quase amplamente majoritário, que quando perpetrado antes do estupro era por ele absorvido em razão de consubstanciar atos preparatórios do estupro.

    Lembramos que o crime material decorre da pluralidade de condutas e da pluralidade de crimes consistente em ofensa a bens jurídicos distintos. Pode ser homogêneo, quando os crimes são da mesma espécie, ou heterogêneo para as hipóteses em que o crime não é da mesma espécie.

    Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

    1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

    2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

    A tese utilizada pela defesa foi a de crime continuado, nos termos do art. 71 do CP, a saber:

    Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

    Ocorre que com a reforma oriunda da Lei 12.015/09 os crimes antes tratados em artigos distintos, o que gerava um tratamento diferenciado para uma ou outra conduta, agora são capitulados pelo legislador em mesmo dispositivo legal, levando então ao entendimento de que são um único crime de conduta alternativa. Ou seja, o Estupro abrange inclusive os atos libidinosos que no ordenamento revogado davam ensejo à caracterização do atentado violento ao pudor. Vejamos a nova redação (grifo nosso):

    Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

    Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

    1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

    2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009) Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos Ve-se, portanto na leitura do tipo penal do art. 213 do CP com redação dada pela Lei 12.015 que o tipo é crime de ação múltipla, podendo ser realizado pelo constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Assim, perpetrada uma, algumas ou todas as condutas descritas no tipo o crime praticado pelo agente será o mesmo: ESTUPRO.

    Desta feita, e considerando-se que o sistema penal brasileiro é pautado pelo princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, também conhecido como novatio legis in mellius, tem-se que as condutas perpetradas sob a égide da lei anterior foram beneficiadas pelo novo prisma dos crimes contra a dignidade sexual, devendo seus efeitos retroagirem, alcançado os fatos ocorridos durante a vigência do ordenamento anterior para beneficiar o réu.

    Por esta razão é que se manifestou o Ministro do STJ no sentido do não mais tratar-se, quanto aos crimes contra a dignidade sexual, em discussão sobre qual o concurso de crimes entre aplicável quando Atentado Violento ao Pudor e Estupro forem praticados dentro de um mesmo contexto fático e contra mesma vítima, mas sim em um crime único que em seu contexto pode se dar com ou sem conjunção carnal.

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