Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
19 de Abril de 2024

Princípio da tipicidade das formas. Inquirição de testemunhas. Ordem. Inversão. Nulidade.

há 14 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

Professor Doutor em Direito penal pela Universidade de Madri, Mestre em Direito penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG (www.lfg.com.br). Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. Princípio da tipicidade das formas. Inquirição de testemunhas. Ordem. Inversão. Nulidade. Disponível em http://www.lfg.com.br - 24 de fevereiro de 2010

Em regra os atos processuais possuem uma determinada forma. A sentença tem sua forma, a denúncia tem sua forma, os recursos possuem formas etc. O ato que não observa a forma prevista em lei está viciado (defeituoso), ou seja, gera uma nulidade. Em decorrência disso, pode ou não produzir efeitos. A sanção decorrente da nulidade é a declaração da ineficácia do ato (ou do processo). O ato declarado nulo perde sua eficácia (no mundo jurídico), ou seja, deixa de produzir efeitos. O ato processual ou o processo viciado (com mácula) é nulo. Declarada essa nulidade o ato perde a sua eficácia.

Mas é certo que nem todo vício (defeito) leva à declaração da ineficácia do ato. O vício irrelevante, por exemplo, revela uma nulidade ou uma irregularidade, mas disso não decorre (necessariamente) a ineficácia do ato. Se a denúncia não descreve (pormenorizadamente) os fatos ensejadores da sanção penal, estamos diante de um vício grave (insanável), que gera uma nulidade absoluta. Nesse caso, a ineficácia desse ato tem que ser declarada pelo juiz. Se o vício for irrelevante (ausência do número do imóvel onde se deu o delito, denúncia fora do prazo etc.) ele gera uma nulidade (ou uma mera irregularidade) mas isso não conduz à declaração da ineficácia do ato (em razão da ausência de prejuízo).

Temos que distinguir quatro categorias de defeitos (de vícios) (consoante doutrina de Cintra, Grinover e Dinamarco): (a) vício ou defeito que não gera nenhuma consequência (nulidade irrelevante: denúncia oferecida sem constar o número do imóvel onde se deu o delito; denúncia oferecida fora do prazo; sentença proferida fora do prazo etc.); (b) vício ou defeito que acarreta sanção extraprocessual (multa ao perito que apresentou o laudo fora do prazo: CPP, art. 277); (c) vício ou defeito que gera a nulidade do ato (a consequência é a declaração da ineficácia do ato ou do processo); (d) vício ou defeito do qual decorre a inexistência jurídica (sentença proferida por quem não é juiz). Os atos, consequentemente, são: perfeitos, irregulares, nulos ou anuláveis e inexistentes.

Ao magistrado compete, analisando cada caso, identificar a modalidade do vício. Tudo depende do grau de ofensa ao princípio da tipicidade das formas, assim como ao princípio do devido processo legal. Não se pode perder de vista, ademais, a questão do prejuízo (porque não existe reconhecimento de nulidade sem prejuízo).

Ordem na inquirição das testemunhas: o art. 212 do CPP, com redação dada pela Lei 11.690/2008, determinou que as perguntas às testemunhas (no sistema da cross examination ) serão formuladas pelas partes diretamente. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição (parágrafo único do art. 212 do CPP). A forma estabelecida, como se vê, é esta: primeiro a inquirição das partes, depois vem o complemento do juiz (quando necessário). Indaga-se: e se não observada essa forma (essa ordem), esse vício gera nulidade do ato?

Duas orientações emanam da jurisprudência:

(a) a inobservância na ordem de inquirição das testemunhas com violação do art2122222 doCPPP gera a nulidade do ato (assim como dos subsequentes):

Cuida-se de habeas corpus impetrado pelo Ministério Público em favor da paciente, contra acórdão proferido pelo TJ que julgou improcedente reclamação ajuizada nos autos de processo crime pelo qual foi condenada à pena de um ano e cinco meses e 15 dias de reclusão em regime semiaberto e ao pagamento de 15 dias-multa, pela prática do delito disposto no art. 342, , do CP. O impetrante narra que, designada audiência de instrução e julgamento, ela se realizou em desacordo com as normas do art. 212 do CPP, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.690/2008, pois houve inversão na ordem de formulação das perguntas. Isso posto, a Turma concedeu a ordem para anular a audiência realizada em desconformidade com o art. 212 do CPP e os atos subsequentes, determinando-se que outra seja procedida nos moldes do referido dispositivo, ao entendimento de que ficou suficientemente demonstrada a nulidade decorrente do ato em apreço, em razão de evidente ofensa ao devido processo legal, sendo mister reiterar que contra a paciente foi proferida sentença condenatória, bem demonstrando que, diante do novo método utilizado para a inquisição de testemunhas, a colheita da prova de forma diversa, indubitavelmente, acarretou-lhe evidente prejuízo, sendo bastante para declarar nulo o ato reclamado e os subsequentes e determinar que outro seja realizado dentro dos ditames legais. HC 145.182-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/2/2010.

(b) a inobservância do art. 2122 doCPPP não gera nulidade:

A Lei n. 11.690/2008 alterou a redação do art. 212 do CPP e modificou a ordem de inquirição das testemunhas, ao estabelecer que, primeiramente, as partes devem perguntar e, só ao final, poderá o juiz fazê-lo de forma suplementar, tal qual pugna o modelo norte-americano ( cross-examination ). Porém, a oitiva de testemunha sem observância dessa nova ordem não resulta nulidade absoluta, pois não se altera o sistema acusatório nem se viola a lei. O juiz, no modelo brasileiro, não é mero expectador, visto que possui participação ativa no processo cujo controle incumbe-lhe. Dele se espera a proteção de direitos e garantias constitucionais e também a busca da verdade real. Anote-se que o próprio CPP, em seu art. 473, permite que, no júri, as perguntas sejam feitas inicialmente pelo juiz presidente e, depois, pelas partes diretamente. Ve-se que o caráter acusatório é o mesmo nos dois procedimentos, de sorte que não há a nulidade pela alteração da ordem de perguntas. Precedente citado : HC 121.215-DF , DJe 18/11/2008. HC 144.909-PE, rel. Min. Nilson Naves, julgado em 4/2/2010.

Nossa posição: o sistema da cross examination (em linha de coerência com o princípio acusatório) prioriza a produção das provas pelas partes. O juiz não atua nessa área ou só atua supletivamente (complementarmente) (consante o que ficou estabelecido no art. 156, II, do CPP). Existe uma forte polêmica sobre a ordem na inquirição das testemunhas. Pela letra do art. 212 a prioridade é das partes. Só depois é que atua o juiz. O dispositivo que acaba de ser citado conflita com o art. 473 assim como com o art. 205 do CPP. Ocorre que esses últimos textos legais foram construídos no tempo do sistema antigo (que conferia primazia ao juiz, na produção das provas).

Melhor examinando o tema, devemos concluir que o propósito do art. 212 foi o de inaugurar um novo sistema (o da cross examination ), abandonando o antigo (sistema presidencialista). Novos tempos, novos horizontes. Não se pode pensar um sistema novo com nossas mentalidades passadas (anteriores). A inobservância da ordem do art. 212 do CPP pode trazer seríssimos prejuízos para o acusado. Para evitar esse risco o mais adequado é seguir o novo sistema (com todas as suas sortes e seus azares). Se interpretamos o novo com cabeça antiga, nunca se implanta um novo modelo. O novo é novo e o antigo é antigo. Se o legislador fez uma nova opção, não pode o juiz, com sua cabeça antiga, destruir esse novo horizonte, no plano interpretativo. Bem pensado o tema, a primeira corrente (no sentido da nulidade, quando constatado prejuízo) é a que melhor retrata o novo direito.

  • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
  • Publicações15364
  • Seguidores876189
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações3401
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/principio-da-tipicidade-das-formas-inquiricao-de-testemunhas-ordem-inversao-nulidade/2093726

Informações relacionadas

Pedro Henrique Pereira, Estudante
Artigoshá 7 anos

O Princípio da instrumentalidade das formas no Processo Civil

Vinnicius Watanabe, Advogado
Artigoshá 8 anos

Nulidades no Processo Penal

Gleydson Andrade, Advogado
Artigoshá 4 anos

Apelação "deserta" no Processo Penal?

Carlos Alberto Del Papa Rossi, Advogado
Artigoshá 5 anos

Recurso de Apelação no Novo Código de Processo Civil

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)