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24 de Abril de 2024
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    Desempregado e furto famélico

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

    Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Desempregado e furto famélico. Disponível em http://www.lfg.com.br - 04 maio.2010.

    Como se sabe, a característica essencial do estado de necessidade reside na existência de um conflito entre dois ou mais bens jurídicos protegidos (pelo Direito) diante de uma situação de perigo. Em outras palavras, trata-se de um poder de sacrificar bens alheios, quando não há outra forma de evitar o perigo. O fundamento do estado de necessidade reside no princípio do interesse preponderante.

    O exemplo clássico é o dos náufragos: duas ou mais pessoas em alto mar disputam um único objeto (salva-vidas). Aqui se justifica que alguém sacrifique a vida de outrem para salvar a sua.

    Quanto ao furto famélico há jurisprudência no sentido de justificar o fato praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome e pela necessidade de se alimentar ou alimentar a sua família. A saída jurídica para tal hipótese é excluir a antijuridicidade do fato por estar encoberto pelo estado de necessidade. Sem o requisito da antijuridicidade não há que se falar em delito.

    Rogério Sanches indica os seguintes requisitos para a configuração do furto famélico: a) que o fato seja praticado para mitigar a fome, b) que se configure a inevitabilidade do comportamento lesivo, c) que a subtração seja de coisa capaz de diretamente contornar a emergência e d) verificar-se a insuficiência dos recursos adquiridos ou impossibilidade de trabalhar.

    Neste sentido, recentemente o STJ - ao julgar o HC 139.995 DF -, em voto da Ministra M (2009/0121488-5) aria Thereza de Assis Moura, assim se posicionou:

    (...) Lado outro, a hipótese não está a revelar estado de necessidade, também chamado de "furto famélico", porquanto, além de não demonstrada a necessidade inadiável de alimentar a si ou à sua prole, a res substracta não era de alimentos, não servindo, ainda, a alegação de dificuldades financeiras que assolam o país. Igualmente, tenho que inadmissível a aplicação do privilégio, em razão do pequeno valor dos objetos subtraídos, porquanto incompatível com a prática do crime de furto qualificado (...).

    Assim também entendeu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina que não acolheu alegação de que o desemprego e a falta de dinheiro justificariam hipótese de roubo praticado em estado de necessidade.

    Na hipótese julgada pela terceira Câmara Criminal do mencionado TJ, manteve-se por unanimidade condenação a agente que praticou crime de roubo qualificado pelo uso de arma de fogo, mas que alegou estado de necessidade, por estar desempregado e em situação financeira crítica. De acordo com a desembargadora Marli Mosimann Vargas: a simples alegação de dificuldades financeiras ou desemprego não é motivo plausível para a caracterização da excludente de ilicitude do estado de necessidade, tampouco pode ser admissível para absolver pela prática de crimes dessa natureza, cometidos, inclusive, com violência ( Apelação Criminal n. ).

    O acusado alegou que, em momento de desespero, desempregado e sem dinheiro para custear suas despesas de moradia e alimentação, além da pensão alimentícia de seu filho, praticou o assalto em casa lotérica, de onde levou a quantia de R$ 541,00.

    O tema do furto famélico (assim como o do roubo famélico) nos conduz a um dilema que consiste no uso do Direito penal contra a miséria. Um miserável, na maioria das vezes, o que precisa é de emprego, moradia e alimentação, não de Direito penal. Cuidando-se efetivamente de um furto famélico (furto de bens alimentícios para saciar a fome), não há dúvida que deve ser aplicado o instituto do estado de necessidade. Há situação, no entanto, em que não fica claro esse pressuposto. A jurisprudência brasileira, conservadoramente, vem se mantendo firme em seu posicionamento clássico (situação financeira difícil não justifica nenhum delito). Mas cabe ao juiz analisar cada caso concreto. Há situações em que se pode reconhecer a inexigibilidade de conduta diversa (excludente da culpabilidade) ou mesmo a irrelevância penal do fato (princípio da irrelevância penal do fato). Cada caso é um caso (é por isso que o julgamento penal exige um juiz de carne e osso). Não fosse assim, tudo poderia ser feito por um computador.

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