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24 de Abril de 2024
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    STJ fixa a competência concorrente da justiça brasileira na análise de conflito oriundo de contrato assinado no exterior

    há 14 anos

    DECISAO (www.stj.jus.br)

    Desrespeito ao uso de imagem em razão de contrato assinado no exterior pode ser julgado no Brasil

    A Justiça brasileira pode ser acionada em caso de violação no exterior ao direito de imagem, constatada pela internet, sendo que o contrato entre as partes fixava a Espanha como foro e envolvia uma cidadã que vive no Brasil? A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que sim. Por unanimidade, os ministros negaram o recurso da empresa World Company Dance Show Ltda., que pedia para que a demanda fosse analisada pela Justiça espanhola.

    De acordo com informações do processo, em 2004 a cidadã havia firmado contrato temporário com a World Company Dance Show para prestar serviços como dançarina e assistente de direção em show típico brasileiro, com apresentações nos continentes europeu e africano. Só que, meses após o término do acordo, ao acessar o endereço eletrônico da empresa, a mulher percebeu que a página continha montagens de imagens dela, recortadas de várias fotografias dos shows em que havia trabalhado, além de outras utilizadas para propaganda. A profissional, domiciliada no Rio de Janeiro, recorreu à Justiça com pedido de indenização por danos materiais e morais, alegando que o contrato vedava expressamente a utilização de imagens, sem prévia autorização, para qualquer fim diverso do pactuado.

    O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que a Justiça brasileira é competente para julgar o caso quando a ação se refere a fato ocorrido ou a ato praticado no Brasil. Por isso, o TJRJ concordou com os argumentos da profissional.

    No STJ, a empresa sustentou que, embora o site tenha sido acessado em território brasileiro, caberia à Justiça espanhola analisar o caso porque, entre outros motivos, a empresa é espanhola e não possui sede ou filial no Brasil e o contrato de trabalho foi firmado entre as partes na Espanha.

    Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a demanda pode ser proposta no local onde ocorreu o fato, ainda que a ré seja pessoa jurídica, com sede em outro lugar, pois é na localidade em que reside e trabalha a pessoa prejudicada que o evento negativo terá maior repercussão, afirmou o ministro. O relator lembrou que a internet pulverizou as fronteiras territoriais e criou um novo mecanismo de comunicação, mas não subverteu a possibilidade e a credibilidade da aplicação da lei baseada nos limites geográficos. Assim, para as lesões a direitos ocorridos no âmbito do território brasileiro, em linha de princípio, a autoridade judiciária nacional detém competência para processar e julgar o litígio, arrematou o ministro. Em seu voto, o relator ressaltou que, se assim não fosse, poderia se ter a sensação de que a internet é uma zona franca, por meio da qual tudo seria permitido, sem que desses atos resultassem responsabilidades.

    O ministro ainda salientou as hipóteses de jurisdição concorrente estabelecidas no Código de Processo Civil, em que a competência do Poder Judiciário brasileiro não afasta a de outro país. O relator elencou precedentes do Tribunal no sentido de que a cláusula de eleição de foro existente em contrato de prestação de serviços no exterior não impede que a ação seja proposta no Brasil, ainda que se trate de competência concorrente. E como a ação de indenização movida pela profissional não é baseada no contrato em si, mas no uso de fotografias e imagens dela, sem seu consentimento, não há que se falar no foro definido pelo contrato. Os outros ministros da Quarta Turma do STJ acompanharam o voto do relator no sentido de considerar competente a Justiça brasileira para dirimir o conflito, já que o ato foi praticado no Brasil (o acesso ao site da empresa foi feito aqui) e a profissional reside em território nacional. (STJ, Resp 1168547 , Min. Rel. Luis Felipe Salomão, julgado em 11.05.2010 )

    NOTAS DA REDAÇAO

    A decisão em comento prestou-se a dirimir a competência da justiça brasileira em fato que pode ter como juízo competente a justiça espanhola.

    É importante antes de mais nada fixar o que se entende por competência. A doutrina brasileira, a luz dos ensinamentos de Fredie Didier, ensina que a competência é instituto que pertence a teoria geral do direito, portanto não exclusivo do processo, em que se fixa o limite de poder atribuído a determinado órgão.

    A competência pauta-se pelos princípios da indisponibilidade de competência (em que o titular do poder não pode dela dispor) e a tipicidade da competência (aquelas previstas em lei). Fixada a competência a mesma deverá ser determinada, ou seja, qual juízo apreciará a causa, entendendo-se que a determinação da competência consiste na identificação do juízo que irá julgar determinada causa, determinação essa que se dá no momento da propositura da ação, nos termos do art. 87 do CPC.

    A propositura da ação por sua vez se dá pelo despacho inicial ou, em havendo mais de uma juízo ou juiz, por distribuição, nos termos do art. 263 do CPC.

    Fixada e determinada a competência são irrelevantes os fatos supervenientes chamado de sistema de estabilidade do processo ou de perpetuação da jurisdição. Tal regra só será excepcionada, isto é, só haverá quebra da perpetuação de jurisdição, caso haja supressão do órgão judiciário (juízo deixa de existir questão física) ou quando houver modificação da competência em razão da matéria ou da hierarquia em que se opera a modificação da competência absoluta. Como exemplo em nosso ordenamento temos as modificações oriundas da EC nº 45/04.

    Retomando a análise da decisão em comento, vejamos a fixação da justiça brasileira como competente para a análise do feito.

    A regra geral para a fixação de competência das ações individuais é o domicílio do réu, conforme art. 94 do CPC (grifos nossos):

    Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra , no foro do domicílio do réu.
    1o Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.
    2o Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele será demandado onde for encontrado ou no foro do domicílio do autor.
    3o Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.
    4o Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
    A relação jurídicas entre as partes surgiu de contrato de prestação de serviços celebrado no estado espanhol, fixando-se no próprio contrato o foro espanhol para analisar controvérsias oriundas do contrato. Como se percebe não seria possível alegar-se abusividade do foro de eleição, já que se trata de contrato paritário e não de adesão, próprio das relações consumeristas.

    Portanto, extrai-se que a relação jurídica é de direito obrigacional, regendo-se pelo art. 111 do CPC (grifos nossos): Art. 111. A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. 1o O acordo, porém, só produz efeito, quando constar de contrato escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. 2o O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

    Ocorre que a controvérsia ou pretensão resistida surgiu em razão de violação ao direito fundamental de imagem da autora, que extrapolou de forma abusiva no tocante ao uso, vez que utilizada fora dos limites contratados, e, portanto, não propriamente da execução do contrato. Muito embora o contrato, fruto da autonomia da vontade das partes, tenha declarado a justiça espanhola como competente para dirimir conflitos entre os contratantes, estamos com a Corte Superior que entendeu pela competência concorrente da justiça brasileira para a análise de conflitos reflexos às obrigações do contrato.

    A provocação do judiciário brasileiro não se deu por descumprimento do contrato que elegia a justiça espanhola como competente para conflitos, mas sim do uso equivocado de imagens que não compunham o contrato de prestação de serviços.

    A parte lesada sofreu dano à sua imagem. A obrigação, como afirmado pelo Tribunal da Cidadania, terá repercussão muito maior no Brasil do que na Espanha, não se justificando que a autora tivesse que se insurgir contra a ré no Estado Espanhol, o que dificultaria em demasia a solução do conflito e o próprio acesso àquela, já que a autora reside no Brasil.

    Entende-se por competência concorrente aquela fixada no art. 88 do CPC, a saber: Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil. Parágrafo único. Para o fim do disposto no no I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

    A competência do art. 88, como vemos, não afasta a estrangeira, mas permite que a brasileira inclusive analise a demanda. Por oportuno, frise-se que ainda que haja ação tramitando no estrangeiro sobre a questão, esta não induz à litispendência, quando hipótese de competência concorrente. A sentença estrangeira só terá validade em território nacional, quando e se homologada pelo STJ (art. 109, X, CR/88).

    Nesse sentido é a posição assentada do Tribunal Superior que já disse (grifos nossos):

    COMPETÊNCIA INTERNACIONAL. CONTRATO DE CONVERSAO DE NAVIO PETROLEIRO EM UNIDADE FLUTUANTE. GARANTIA REPRESENTADA POR "PERFOMANCE BOND" EMITIDO POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS. CARÁTER ACESSÓRIO DESTE ÚLTIMO. JURISDIÇAO DO TRIBUNAL BRASILEIRO EM FACE DA DENOMINADA COMPETÊNCIA CONCORRENTE (ART. 88, INC. II, DO CPC).
    - O "Performance bond" emitido pelas empresas garantidoras é acessório em relação ao contrato de execução de serviços para a adaptação de navio petroleiro em unidade flutuante de tratamento, armazenamento e escoamento de óleo e gás.
    - Caso em que empresas as garantes se sujeitam à jurisdição brasileira, nos termos do disposto no art. 88, inc. II, do CPC, pois no Brasil é que deveria ser cumprida a obrigação principal. Competência internacional concorrente da autoridade judiciária brasileira, que não é suscetível de ser arredada pela vontade das partes.
    - A justiça brasileira é indiferente que se tenha ajuizado ação em país estrangeiro, que seja idêntica a outra que aqui tramite. Incidência na espécie do art. 90 do CPC. Recurso especial não conhecido, prejudicada a medida cautelar. (STJ, 4ª Turma, Resp. 251.438, Min. Barros Monteiro, relator, j. 8.8.2000)
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