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    Um ensaio atual sobre a gestão de provas no Direito Processo Penal após o advento da Lei 11.690/2008 - Joaquim Leitão Júnior

    há 14 anos

    Como citar este artigo: LEITAO JÚNIOR, Joaquim. Um ensaio atual sobre a gestão de provas no Direito Processo Penal após o advento da Lei 11.690/2008. Disponível em http://www.lfg.com.br - 04 de junho de 2010.

    UM ENSAIO ATUAL SOBRE A GESTAO DE PROVAS NO DIREITO PROCESSO PENAL APÓS O ADVENTO DA LEI 11.690/2008

    1.1 Conceito de prova

    A construção teórica da prova ao longo da história foi salutar, vez que rompeu a dogmática um tanto casuística da matéria probatória, dando um contorno especial de tratamento merecido à discussão.

    Diga-se nesse apontamento, que as escolas teóricas se preocuparam nitidamente em atribuir conceito a prova, a fim de corrigir e minimizar as distorções aplicadas no instituto hostil dispensado principalmente na Santa Inquisição pela Igreja Católica.

    Partindo-se dessa premissa, o conceito de prova, estabelecido segundo o ilustre professor Julio Fabbrini Mirabete é procurar:

    [...] produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato, que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo.[ 1 ]

    Já Guilherme de Souza Nucci assevera que:

    [...] prova origina-se do latim probatio que, significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar probare , significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8 Edição, São Paulo, 2009, p. 338).

    O doutrinador Fernando Capez tece a seguinte afirmação sobre a conceituação de prova

    [...] é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts. 156, 2ª, parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. (CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 10 Edição. Saraiva: São Paulo, 2003, p. 243)

    Aposto as definições dadas pela doutrina, cumpre destacar que a prova possui três acepções, sendo elas, como atividade probatória (rigth to evidence), como resultado e como meio.

    Como atividade probatória é o ato ou complexo de atos que tendem a formar a convicção da entidade dissidente sobre a existência ou não de uma hipótese fática.

    Já como resultado diz respeito a convicção da entidade dissidente quanto a existência ou não de um caso fático formado no caderno processual.

    Por sua vez, no sentido de meio é instrumento apto a formar a convicção do juiz quanto a existência ou não de um fatídico.

    Daí se conclui, que prova em acepção ampla e simplória é tudo aquilo que serve para atestar ou não a existência de uma alegação.

    A prova assume verdadeiro papel de garantia do indivíduo em face da norma processual penal, pois serve para limitar a atuação estatal na esfera de liberdade do cidadão no Estado Constitucional Humanitário e Democrático de Direito.

    Outra função importante da prova na condição de garantia é conceber a ideia de que ninguém poderá ser condenado sem alicerce probatório suficiente para provar a ocorrência do fato delituoso imputado ao indivíduo.

    Emerge-se desse postulado institucionalizado pela Constituição Cidadã um processo penal institucionalizado de forma democrática a contemplar o princípio in dubio pro reo.

    Por isso, a matéria de prova é fundamental no contexto punitivo, porque retira a arbitrariedade e a conduta despótica do Estado frente à liberdade individual.

    1.2 Das Inovações trazidas pela Lei n. 11.690/2008 e a incoerência do art. 155A preocupação do legislador em matéria probatória veio consolidada nas inovações trazidas pelas recentes reformas processuais penais.

    Isso se torna nítido com advento da Lei n 11.690/2008, que ilustrou com maior clareza o que a jurisprudência já havia paulatinamente consolidado.

    Todavia, no afã de limitar ainda mais a atuação estatal na esfera individual, o legislador com o devido respeito, se equivocou em algumas partes redacionais, porquanto o posicionamento firmado pela jurisprudência foi destoado sutilmente pela nova redação do art. 155 do Código de Processo Penal.

    O art. 155, caput, do Código de Processo Penal reza que:

    Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

    Numa primeira leitura, a conotação textual exprimida que o artigo nos dá é que teria sido resguardado todos os direitos constitucionais, porém, não é essa conclusão que se extrai em vista de uma exegese do conjunto do aludido artigo, pois, ao mencionar a expressão exclusivamente, o legislador quis na verdade dizer que é possível com base em elementos colhidos na fase inquisitorial onde não há contraditório e ampla defesa apoiar decisão condenatória em desfavor do réu, o que constituiria verdadeira inversão do nosso sistema constitucional.

    Daí temos por inconstitucional parte desse artigo cabendo ao intérprete fazer uma releitura constitucional do artigo, e principalmente ao Supremo Tribunal Federal dá uma interpretação conforme com redução de texto.

    Aliás, o legislador numa atitude louvável procurou definir as consequências e as hipóteses pelas quais mitigaria eventual prova ilícita no processo final, a fim de se adequar, a necessidade e proporcionalidade de se trabalhar com a prova.

    Por sua vez, o art. 157 do Código de Processo Penal:

    Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

    1º São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

    2º Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.

    3º Preclusa a decisão de desmembramento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultada às partes acompanhar o incidente.

    Podemos extrair várias conclusões acerca do dispositivo em cotejo, traçando a validade da prova derivada de fonte independente, sem nexo de causalidade com a prova ilícita e a prova expurgada ou de tinta diluída (chamada também de teoria, limitação do nexo causal limitado, ou purged taint).

    As plausíveis permissões expressas que no nosso entender eram permitidas implicitamente ampliaram o objeto da construção probatória em vista da utópica busca da verdade real no processo penal brasileiro.

    Indiscutivelmente também, outro aspecto importante foi quanto à perícia que passou admitir apenas um perito oficial, ao invés de 02 consoante o era pela antiga disposição da legislação processual penal. Todavia, quando a perícia não for realizada por perito oficial ou quando se tratar de perícia complexa, para sua realização será necessária a presença de 02 peritos preferencialmente portadores de diploma oficial para a primeira situação e 02 oficiais a critério do juiz para o da segunda situação.

    Outra inovação no mesmo âmbito, apesar de que já existiam vários magistrados e tribunais que entendiam possível a assistência técnica da perícia com base numa interpretação analógica do Código de Processo Civil por força do art. 3º da Lei Processual Penal, agora o diploma processual penal de forma expressa veio colocar por terra as discussões em torno da possibilidade ou não, firmando regra de permissão quanto à possibilidade.

    Nesse sentido, o legislador ateve com sensibilidade a realidade brasileira de regular casuísticas não contempladas antes.

    Mister se faz as considerações expendidas, primeiro porque inova substancialmente imensa parte da sistemática no núcleo da prova e abranda mais uma vez pontos importantes probatórios que geralmente eram tratados pela jurisprudência sem o cuidado de distinguir as fontes e a aplicabilidade das provas.

    Cumpre advertir ainda, com advento da Lei 11.689/2008 nosso sistema na produção da prova oral passou a ser cross examination, ou seja, as partes passam a perguntar diretamente às testemunhas, não precisando da intermediação do julgador na oitiva, conforme ocorria no sistema presidencialista, o que consideramos um grande avanço, mas obviamente o juiz deverá policiar tal atividade para se evitar excessos e abusos das partes.

    Afora esses argumentos, em nossa visão crítica, aponta que mais uma vez o legislador pátrio perdeu uma grande oportunidade de ter modificado o ônus da prova em sede penal, em vista do nosso sistema constitucional garantista acusatório pesando apenas à acusação em respeito ao comentado sistema.

    1.3 Objeto da prova

    O objeto da prova nada mais consiste naquilo que se deve demonstrar para solucionar o litígio. É também denominada de thema probandum.

    Abrange não só o fato delitivo e sua autoria, como todas as circunstâncias objetivas e subjetivas que pudesse influenciar na responsabilização penal e demais viés consequentes da pena ou medida de segurança.

    Realmente, cuida-se de fatos relevantes para a decisão da causa, excluindo-se aqueles que guardam qualquer relação com a discussão, e que não podem influenciar a solução do litígio.

    Outra colocação importante, é que ao contrário do processo civil, não se exclui do objeto da prova o denominado fato incontroverso aquele admitido entre as partes, vez que o juiz penal não está obrigado a admitir como verdadeiro os fatos em que as partes afirmam e consintam, já que tem margem de liberdade de indagar tudo que lhe pareça duvidoso.

    A assertiva encontra respaldo, no princípio da investigação oficial e da verdade material, já que o magistrado deve obter a verdade dos fatos tais como ocorreram historicamente.

    Daí pouco importa a confissão do acusado entre outras variadas situações que possam incutir no espírito do julgador a convicção inabalável e inconcussa dos fatos, pois esses ficam sujeitos aos questionamentos do magistrado.

    Todavia, há fatos que não dependem de comprovação.

    Os fatos axiomáticos (intuitivos) evidentes por si mesmos. Exemplificando a questão: a prova do acusado está em determinado lugar em determinada hora, exclui a necessidade de se comprovar que ele não estava no local do crime ocorrido em outra cidade distante, ou no exemplo de Manzini, em que encontrado um cadáver putrefato é desnecessário comprovar que a pessoa estava morta.

    Igualmente independem de prova, os fatos notórios (notoria non egent probatione).

    Fatos notórios são aqueles cujo conhecimento integra a cultura normal, a informação dos indivíduos de determinado meio.

    Por exemplo, não se precisa provar que o natal é comemorado em 25 de dezembro; que no Nordeste ocorrem secas etc.

    Por sua vez, os fatos presumidos não precisam ser provados, porquanto presumir algo é tomar verdadeiro um fato, levando-se em conta aquilo que em geral acontece.

    Essa presunção pode ser tanto absoluta (juris et de jure) que não admite prova em contrário, e juris tantum a presunção relativa que pode ser afastada.

    1.4 Classificações

    Há diversas classificações que de acordo com cada doutrina sofre variações.

    Nessa senda, Julio Fabbrini Mirabete, por exemplo, classifica a prova enfocando seu objeto, em razão do seu valor ou efeito, a coisa ou a sua materialização exterior e a sua forma e aparência.

    O quadro sinótico abaixo demonstra com maior clareza a classificação (adotada por Julio Fabbrini Mirabete[ 2 ]):

    Prova quanto ao objeto

    Direta : quando por si demonstra o fato; quando dá certeza deles por testemunhas, documentos etc.

    Indireta : quando comprovado um outro fato, se permite concluir o alegado diante de sua ligação com o primeiro, como na hipótese de um álibi, em que a presença comprovada do acusado em lugar diverso do crime permite concluir que não praticou o ilícito (MIRABETE, 2005).

    Prova em razão do efeito ou valor

    Plena : é a prova convincente, completa (exigida v.g., para a condenação).

    Não plena : uma probabilidade de procedência da alegação suficiente para medidas preliminares, como arresto, sequestro, prisão preventiva e apreensão). É denominada de prova prima facie e são indicadas pela nossa legislação de indícios veementes, indícios suficientes, fundadas razões e outras expressões (MIRABETE, 2005).

    Prova em razão da coisa ou da sua materialização exterior

    Reais : são as provas que consistem em uma coisa ou bem exterior e distintas do indivíduo (a arma, o lugar do crime, o cadáver, as pegadas, as impressões digitais etc).

    Pessoais : são as que exprimem o conhecimento subjetivo e pessoal atribuído a alguém.

    Prova em razão da forma ou aparência

    Essa é maneira pela qual a prova está corporificada no mundo.

    Há outra classificação que aborda a prova sobre outro enfoque, dispondo sobre a prova inominada, nominada, típica, atípica, anômala.

    Prova nominada

    As provas nominadas são aquelas catalogadas no Código de Processo Penal, em que há previsão expressa.

    Prova inominada

    De outro lado, as provas inominadas são as que não estão enumeradas no Caderno de Processo Penal.

    Prova Típica

    Apesar de haver opinião doutrinária que trata prova típica como prova nominada, na verdade se distinguem, pois, a prova típica além de estar expressa possui um procedimento probatório específico.

    Prova Atípica

    Consiste na prova que não possui um procedimento traçado especificamente. A doutrina cita o exemplo da reconstituição, disposta no art. 7 do Código de Processo Penal, que é uma prova nominada, eis que está prevista e atípica, uma vez que não há regulamentação específica.

    Registre-se, que a prova atípica é perfeitamente lícita.

    Prova Anômala

    A prova anômala é utilizada para fins diversos daqueles que lhes são próprios com características de outra típica. Um exemplo que pode ser extraído da doutrina é a pessoa que possui conhecimento sobre fatos essenciais para o desfecho do processo, mas é ouvida apenas informalmente no Ministério Público e é posteriormente juntada ao feito com status de prova documental.

    Embora a matéria de prova se paute pelo princípio da liberdade probatória, não justifica aceitar absurdo da prova anômala, por violar as garantias da ampla defesa, contraditório e ampla defesa.

    1.5 Meios de Provas

    Em virtude do direito processual penal brasileiro vigorar o princípio da verdade real ou material, não há limitações para a produção de provas através dos meios probatórios desde que obtidos de forma lícita e legítima.

    Nessa sintonia, o princípio da liberdade probatória corresponde a qualquer meio probatório nominado ou não na norma processual penal para a consecução desta, observado o aspecto da legalidade.

    Dessa linha, se infere que a investigação deve ser a mais ampla possível, não impedindo que seja utilizado meios científicos e técnicos para elucidação de questões relevantes.

    Vale dizer, que tal princípio não é absoluto, pois delimita algumas buscas pelo arcabouço probatório na via processual penal remetendo-a a lei civil.

    Tanto é verdade a assertiva supra, que a lei prevê questão prejudicial obrigatória no processo penal se a decisão sobre a existência da infração depender da solução de controvérsia séria e fundada sobre o estado civil das pessoas nos moldes delineados no art. 92, caput , do Código de Processo Penal.

    Configuram-se exemplos de meios de prova, a saber: o depoimento do ofendido, o depoimento da testemunha, a confissão, a inspeção judicial, o indício.

    Diz-se exemplificativo, porque o rol não é exaustivo admitindo as provas inominadas (MIRABETE, 2005).

    Notadamente, os meios de provas são os métodos pelos quais se obtém a prova.

    Na verdade, constituem modalidades de provas.

    1.6 Ônus da Prova

    Sistematicamente, a prova recai em quem alega fato em seu favor semelhante a distribuição do ônus da prova estabelecida no processo civil.

    Há algumas teorias que buscam explicar essa regra, cabendo destacarmos a teoria da ratio cognoscendi ou da indiciariedade, a teoria da absoluta independência ( ratio essendi ) e a teoria dos elementos negativos do tipo.

    Frisa-se que a teoria da ratio cognoscendi ou da indiciariedade é adotada no nosso direito pátrio.

    Não sendo nossa pretensão esgotar o tema, mas apenas simplificar o entendimento, a teoria da indiciariedade diz que a tipicidade presume relativamente a ilicitude. Já a teoria da absoluta independência ( ratio essendi ) e a teoria dos elementos negativos do tipo a ilicitude é a essência da tipicidade, ou seja, o fato só permanece típico, se também ilícito.

    O Ministério Público, na condição de dominus litis e pela regra processual, tem a obrigação de provar a acusação feita ao agente já que imputa fato típico.

    Diferente será a conclusão através de outras teorias da absoluta independência ( ratio essendi ) e a teoria dos elementos negativos do tipo, que chegam num mesmo resultado através de pontos teóricos diversos. Na prática, pela outra teoria a instante abordada, a defesa invocando excludente de ilicitude, fica obrigada a comprovar. Entretanto, pela teoria da absoluta independência ( ratio essendi ) e a teoria dos elementos negativos do tipo a discriminante caberia também a acusação, principalmente com advento com o art. 386, VI, do Código de Processo Penal, que veio reforçar esse entendimento, porquanto havendo dúvida sobre a ocorrência ou não da excludente de ilicitude, o juiz deve absolver o acusado.

    Assim, não podem ocorrer os elementos negativos, pois, se eles ocorrerem, haverá retirada da tipicidade, que deve ser provada pela acusação, daí entende que o ônus recairia nos ombros do estado na figura do órgão ministerial, porque pela teoria da indiciariedade adotada no nosso direito não há como conviver com a ilicitude sem o fato típico ou vice-versa, o que justifica o ônus sobre a responsabilidade do Parquet .

    Todavia, não parece razoável e constitucional admitir tal sistemática, máxime no nosso sistema acusatório em que o ônus deveria em qualquer hipótese recair sobre os ombros do Estado, na figura do Parquet .

    Mesmo diante da hipótese do acusado invocar tese de excludente de antijuridicidade caberia ao Estado provar o contrário, e não deixar sobre as mãos da parte acusada em verdadeiro desequilíbrio da balança processual.

    Isso se torna nítido na seara penal, quando é dificílimo provar fatos dessa natureza, logo, surgiria nesse ângulo a disparidade entre o acusado e o Estado.

    A dinâmica do sistema processual está sustentado por cinco princípios básicos, conforme explicado na obra Introdução Crítica ao Processo Penal: Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional, à qual remetemos o leitor. A título de ilustração, cumpre citar apenas o que se identifica com a celeuma que consiste no princípio da presunção da inocência:

    Esta garantia atribuída ao acusado implica em várias consequências, dentre eles, de que o acusado será mantido o estado de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória, no tratamento da parte passiva, inclusive na carga da prova (ônus da acusação) e na obrigatoriedade de que a constatação do delito e a aplicação da pena ocorrerão por meio de um processo com todas as garantias e através de uma sentença.

    O princípio em comento é norteador do processo penal garantista e, em última análise, podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância.

    Tamanha é sua relevância, que Amilton B. de Carvalho[ 3 ] afirma que o Princípio da Presunção de Inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum: é pressuposto para seguir Eros , neste momento histórico, da condição humana.

    Sob a perspectiva do julgador, a presunção de inocência deveria ser um princípio da maior relevância, principalmente no tratamento processual que o juiz deve dar ao acusado.

    Inarredavelmente, o excessivo poder sem controle do Ministério Público faz com que princípios como os da igualdade, certeza e legalidade penal não passem de ideais historicamente conquistados e sepultados pela degeneração do atual sistema. Tampouco sobrevivem nessas condições a presunção de inocência e o ônus probatório da acusação invertendo este último a defesa quando invocado excludente de antijuridicidade.

    Isso fere em demasia o princípio da paridade de armas no processo penal, já que cria um ônus excessivo à defesa.

    Não podemos aglutinar a ciência processual civil com a penal, ciências estas apesar de inúmeras semelhanças, com objetos e finalidades diversas.

    Mantidas substancialmente esses modelos inadmissíveis, o processo penal passa a não ser mais o caminho necessário para a pena, e com isso o status de inocente pode ser perdido muito antes do juízo e da sentença e, principalmente, sem que para isso a acusação tenha que provar o alegado.

    2. Gestão de prova no processo penal e a posição da jurisprudência acerca do tema após o advento da Lei nº 11.690/2008

    Ao nosso ver, a forma de gestão de prova na seara processual penal como era antes da Lei 11.690/2008, afrontava totalmente o espírito do sistema acusatório garantista, pois, deixava nas mãos do julgador a tarefa de realizá-la como protagonista.

    Como se observa na fase processual, a gestão da prova deve estar nas mãos das partes, impedindo que o juiz não tenha iniciativa probatória, mantendo-se assim supra-partes e preservando igualmente a imparcialidade do julgador.

    O modo estabelecido na nossa sistemática antiga torna incoerente e inexplicável colocar o núcleo da iniciativa da prova sob o poder do judicante, por deixar em risco a imparcialidade deste.

    A explicação é óbvia, já que ao gerir a prova pode surgir no magistrado o interesse de fazer prevalecer sua convicção inicial probatória maculando a sua imparcialidade.

    Não pode sobre o pretexto da busca da verdade real violar o espírito do sistema acusatório que é a essência de todo o garantismo. Claramente, não se pode desprezar a verdade real, no entanto, deve-se compatibilizar ambos, a fim de que prevaleça o sistema acusatório.

    O cross examination advindo com a novel Lei 11.690/2008 reforça nossa argumentação de que compete às partes protagonizarem a gestão de provas e não o juiz, mantendo assim, a imparcialidade deste ao deliberar sobre a matéria posta.

    Ensina Jacinto N. Miranda Coutinho (Introdução aos Princípios..., p. 2) que se o processo tem por finalidade, entre outras, a reconstituição do crime, enquanto fato histórico, através da instrução probatória, é a gestão da prova o princípio unificador que irá identificar se o sistema é inquisitório ou acusatório. Se a gestão da prova está nas mãos do juiz, como ocorre no nosso sistema, à luz do art. 156 (entre outros), estamos diante de um sistema inquisitório (juiz ator).

    A gestão da prova está confiada às partes, onde está presente o núcleo fundante de um sistema acusatório genuíno (juiz expectador).

    É inconciliável manter essa perspectiva, pois, a imparcialidade é o instrumento mais importante para se aplicar a justiça, porquanto é impossível visualizar um juiz que tem interesse na produção de prova e ao mesmo tempo manter sua imparcialidade. A partir do ativismo probatório encampado pelo magistrado, instintivamente, o juiz refoge da inércia e passa a figurar como sujeito, desequilibrando a relação processual.

    O Superior Tribunal de Justiça em decisão recente ratificando outros precedentes de sua lavra entendeu que o juiz só pode complementar a prova e que caberiam as partes, dentro da ordem do art. 212 do Código de Processo Penal, gerir as provas e não o juiz. Nesse sentido confira o escólio da aludida corte sobre o tema:

    NULIDADE. ORDEM. INQUIRIÇAO. TESTEMUNHAS.

    Cuida-se de habeas corpus impetrado pelo Ministério Público em favor da paciente, contra acórdão proferido pelo TJ que julgou improcedente reclamação ajuizada nos autos de processo crime pelo qual foi condenada à pena de um ano e cinco meses e 15 dias de reclusão em regime semiaberto e ao pagamento de 15 dias-multa, pela prática do delito disposto no art. 342, , do CP. O impetrante narra que, designada audiência de instrução e julgamento, ela se realizou em desacordo com as normas do art. 212 do CPP, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.690/2008, pois houve inversão na ordem de formulação das perguntas. Isso posto, a Turma concedeu a ordem para anular a audiência realizada em desconformidade com o art. 212 do CPP e os atos subsequentes, determinando-se que outra seja procedida nos moldes do referido dispositivo, ao entendimento de que ficou suficientemente demonstrada a nulidade decorrente do ato em apreço, em razão de evidente ofensa ao devido processo legal, sendo mister reiterar que contra a paciente foi proferida sentença condenatória, bem demonstrando que, diante do novo método utilizado para a inquisição de testemunhas, a colheita da prova de forma diversa, indubitavelmente, acarretou-lhe evidente prejuízo, sendo bastante para declarar nulo o ato reclamado e os subsequentes e determinar que outro seja realizado dentro dos ditames legais. HC 145.182-DF, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/2/2010.

    Afinal, o cross examination implantado com a novel Lei 11.690/2008 veio para corrigir deficiências do nosso sistema, amoldando-se perfeitamente, ao princípio do devido processo legal e da imparcialidade do órgão julgador.

    Notas de Rodapé:

    [1] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17 ed. rev. Atual São Paulo: Atlas, 2005, p. 274.

    [2] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 17 ed. rev. Atual São Paulo: Atlas, 2005, p. 277.

    [3]CARVALHO, Amilton Bueno de. Lei, para que (m)?, in Escritos de Direito e Processo Penal, p. 51.

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