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19 de Abril de 2024
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    DPU impetra HC no STF com fulcro no princípio da adequação social

    há 14 anos

    Notícias do STF (www.stf.jus.br)

    HC sustenta adequação social para pedir absolvição de donos de casa de prostituição

    Sob alegação de que a tolerância social e ausência de dano ou de perigo de dano a valores da comunidade tornam atípica a conduta de manter casa de prostituição, a Defensoria Pública da União (DPU) pede liminar no Habeas Corpus (HC) 104467, para manter a absolvição de A.F.M. e J.S., donos de uma casa de shows na cidade praiana de Cidreira (RS), denunciados pelo crime previsto no artigo 229 do Código Penal (CP).

    Os donos do estabelecimento foram absolvidos em primeiro grau e, também, pelo Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS), mas o Ministério Público estadual (MPE) recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou ao juiz de primeiro grau que redija outra sentença. Recurso de agravo regimental interposto pela defesa dos empresários contra essa decisão teve provimento negado pela Corte Superior.

    No HC impetrado no Supremo, a DPU pede a suspensão, em caráter liminar, da decisão do STJ até decisão final do HC. No mérito, pede que seja confirmada essa decisão.

    Prós e contras

    Ao absolver A.F.M. e J.S., o juiz de primeiro grau fundamentou-se no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual o juiz pode absolver o réu, quando o fato de que ele é acusado não constituir infração penal.

    O juiz explicitou seu entendimento ao observar que, embora tipificada, a conduta dos réus, quando envolve prostituição de maiores, vem sendo descriminalizada pela jurisprudência, em virtude da liberação de costumes.

    No mesmo sentido se pronunciou o TJ-RS. Inviável a condenação dos acusados por esse crime, pois, conforme entendimento jurisprudencial, viável a aplicação do princípio da adequação social, que torna o fato materialmente atípico, observou o tribunal, em seu acórdão.

    Assim, embora certa a autoria do delito, a absolvição dos réus deve ser mantida, pois o fato não ofende a moralidade pública, tratando-se de conduta aceita pela sociedade atual, inexistindo, portanto, justificativa para manter a criminalização dessa situação.

    Ao determinar a prolação de nova sentença, o STJ lembrou que aquela Corte firmou compreensão de que a tolerância pela sociedade ou o desuso não geram a atipicidade da conduta relativa à prática do crime do artigo 229 do Código Penal.

    Adequação social

    Em defesa dos donos do estabelecimento, a DPU invoca o princípio da adequação social, concebido pelo jurista e filósofo do direito alemão Hans Welzel. Os defensores públicos adotam o entendimento de que, apesar de uma conduta se subsumir ao tipo penal, é possível deixar de considerá-la típica quando socialmente adequada, isto é, quando estiver de acordo com a ordem social.

    Realce-se ser inegável que a sociedade evoluiu, sobremaneira, no que se refere ao pudor e à quebra de paradigmas atinentes à conduta sexual, afirma a DPU. Noutras palavras, verifica-se um menor nível de censura relacionado à existência de casas de prostituição. Em síntese, o senso comum indica que o corpo social, majoritariamente, tolera a existência delas.

    A Defensoria destaca, porém, que desse entendimento estão nitidamente excepcionadas, em jurisprudência firmada pelo STJ, as hipótese de exploração sexual de crianças e adolescentes (artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA), o rufianismo (artigo 230 do CP) e o favorecimento da prostituição (artigo 228 do CPP), em relação aos quais a sociedade expressa total repugnância.

    Concluindo suas alegações, a DPU sustenta que, embora ainda figure no Código Penal vigente este dos idos de 1940 , a conduta a que se refere o seu artigo 229 (casa de prostituição) deixou de ser vista à conta de delituosa. E deixou de sê-lo porque se trata de um conceito moral reconhecidamente ultrapassado que já não tem mais como se sustentar nos dias atuais.

    O HC 104467 tem como relatora a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha.

    NOTAS DA REDAÇAO

    O Código Penal brasileiro sustenta como delito de manter casa de prostituição:

    Casa de prostituição

    Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

    Pena - reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

    Embora ainda subsista a lex scripta , tem-se como fruto do Direito Penal moderno, pautado no princípio da dignidade da pessoa humana como reflexo da manutenção do Estado Democrático de Direito, que sua aplicação não pode mover-se pela crueldade ou desumanidade, próprias da época em que o direito penal regia-se pela vingança privada, buscando orientar-se por princípios ou regras que tornem sua efetivação mais humana.

    Nessa esteira é que princípios como o da fragmentariedade (em que o Direito Penal deve ocupar-se somente daqueles casos em que há uma ameaça grave aos bens jurídicos tutelados pelo Estado) e o da intervenção mínima (intuito de limitar ou eliminar o arbítrio do legislador na edição de normas que criem tipos penais desnecessários ou penas imperfeitas e cruéis), levam o aplicador do direito a repensar quando de fato deve a ultima ratio ser erigida como forma de solução de conflito social.

    Conclusão, só caberá a intervenção do Direito Penal em casos de relevante ofensa a bens jurídicos tutelados pelo Estado. Assim é que deve ser considerado para haver justa causa à aplicação da lei penal, não só a lesão ao bem jurídico tutelado, bem como certa gravidade/lesividade, e a conduta como objeto de reprovabilidade social.

    A doutrina então, adequando a aplicação do Direito Penal às necessidades da sociedade, elaborou instrumentos de interpretação restritiva do tipo penal, dentro do contexto da intervenção mínima e na fragmentariedade: os Princípios da Adequação Social e da Insignificância .

    O princípio da adequação social teve sua origem nos ensinamentos de Hans Welzel, doutrinador alemão, que percebeu que em determinados casos, torna-se impossível considerar como delituosa uma conduta aceita ou tolerada pela sociedade, mesmo que se enquadre em uma descrição típica. Logo, se um comportamento, em determinadas circunstâncias, não recebe juízo de reprovação social, não pode constituir um crime. Seria o caso, por exemplo, do barbeiro que corta o cabelo de um indivíduo. A priori seria lesão corporal, conduta formalmente típica e antijurídica, mas que por entendimento social não é reprovável, e sim querido como demonstração de asseio.

    Portanto, se para a sociedade, tal conduta, ainda que descrita formalmente na lei, não cause sentimento de justiça na sociedade, não pode o agente daquela conduta ser punido penalmente. Considera-se conduta reprovável dessa forma, aquela relevante ao interesse social.

    Difere do Princípio da Insignificância em que se vê desprezado a lesão de pequeno significado ou valor, ou seja, danos de pequena importância ou amplitude, denominados crimes de bagatela, compreendendo-se que devam se resolver pelo direito civil, como perdas e danos.

    No caso em concreto, não mais se poderia afirmar que manter casa de prostituição é socialmente reprovável, de outra sorte, não seriam frequentadas por parcela da população. E por não oferecerem dano, tem-se mais uma argumentação ao fato de que não caberia ao direito penal intervir.

    Hoje é a jurisprudência pátria nesse sentido:

    RECURSO CRIMINAL RCCR 14082 GO 2003.35.00.014082-6 PENAL. RECURSO CRIMINAL. DESCAMINHO. ART. 334 DO CPB. REJEIÇAO DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇAO SOCIAL. RECURSO PROVIDO.

    1. Inserido no conceito moderno de intervenção mínima do Direito Penal, o Princípio da Adequação Social, segundo o qual afasta-se a tipicidade de condutas socialmente aceitas, deve ser aplicado com moderação.

    2. Impossibilidade de aplicação de tal princípio ao caso concreto, em face de grande quantia de produtos introduzidos no território nacional, iludindo-se o Fisco. Caracterização do crime de descaminho. Proteção da indústria e comércio nacionais.

    3. Recurso Criminal provido, para que seja recebida a denúncia e dado regular prosseguimento ao feito.

    RECURSO ESPECIAL REsp 966077 GO 2007/0153718-0 Descaminho . Prejuízo (pequeno valor). Lei nº 11.033/04 (aplicação). Princípio da insignificância (adoção).

    1. A melhor das compreensões penais recomenda não seja mesmo o ordenamento jurídico penal destinado a questões pequenas -coisas quase sem préstimo ou valor.

    2. Antes, falou-se, a propósito, do princípio da adequação social; hoje, fala-se, a propósito, do princípio da insignificância. Já foi escrito: "Onde bastem os meios do direito civil ou do direito público, o direito penal deve retirar-se."

    3. É insignificante, em conformidade com a Lei nº 11.033/04, suposta lesão ao fisco que não ultrapassa o valor de 10 mil reais.

    4. Habeas corpus deferido

    Oportuno frisar a manifestação da Defensoria Pública da União, no sentido de que não se reprova socialmente a propriedade de casa de prostituição em razão da liberação dos costumes, contudo, é odioso nas hipóteses de exploração sexual de crianças e adolescentes (artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA), o rufianismo (artigo 230 do CP) e o favorecimento da prostituição (artigo 228 do CPP), expressado no seio social a total repugnância a essas práticas.

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