ARTIGO DO DIA: Condenação com base em indícios: possibilidade
LUIZ FLÁVIO GOMES
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora : Áurea Maria Ferraz de Sousa.
Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Condenação com base em indícios: possibilidade . Disponível em http:// www.lfg.com.br - 23 de junho de 2010.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina reformou sentença de primeiro grau que havia absolvido acusado por falta de provas. O réu foi denunciado pela prática de furto mediante rompimento de obstáculo, não tendo a primeira instância acolhido as alegações ministeriais. Em segunda instância decidiu-se o seguinte:
APELAÇAO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO PELO ARROMBAMENTO (ART. 155, 4º, I, DO CP)- MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS DEPOIMENTOS DO POLICIAL MILITAR E DE TESTEMUNHA, ALIADOS ÀS DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS INCRIMINADORAS - NEGATIVA DE AUTORIA ISOLADA NO CONTEXTO PROBATÓRIO - CONDENAÇAO QUE SE IMPÕE - ABSOLVIÇAO COM BASE NO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO - IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
O acusado foi encontrado próximo ao local dos fatos, não portando os objetos do furto. Mas de acordo com a acusação ele teria arrombado um veículo no estacionamento de uma faculdade e do seu interior subtraído vários objetos, escondidos num matagal próximo; ao voltar para o estacionamento em busca de um novo veículo, foi preso por policiais militares. Em sua defesa, o réu negou a prática do furto. Absolvido em 1º grau por falta de provas, a decisão acabou sendo revista e reformada no TJ local.
Contra o acusado, em tese, havia apenas indícios de que ele teria furtado o automóvel, tendo sido essa a conclusão a que a polícia chegou, pois ao fazer a ronda pelo local, notou que o acusado fugiu com sua presença tendo se escondido no matagal mencionado. No dia seguinte, diligenciou-se no mesmo matagal onde foram encontrados os pertences do ofendido cujo carro foi arrombado. Para a primeira instância, esses indícios não foram suficientes a culminar na condenação do réu, mas para a segunda sim.
Como se sabe, vigora no processo penal brasileiro o sistema do livre convencimento fundamentado (art. 155, CPP) do qual se extrai a possibilidade de o juiz não se limitar aos meios de provas regulamentados em lei (sendo lícitas, por óbvio) e a ausência de hierarquia entre os meios de prova.
O Código de Processo Penal também afirma que indício é a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias . A este respeito, a doutrina faz menção à categoria de provas indiretas que, a despeito de não demonstrarem diretamente determinado ato ou fato, permitem deduzir tais circunstâncias a partir de um raciocínio lógico e irrefutável.
Foi dessa forma que o Tribunal de Justiça de Santa Catarina concluiu pela responsabilidade do acusado pelo fato em questão. Os indícios que recaíam sobre o acusado permitiram concluir que ele era o autor do furto. O TJSC entendeu pela perfeita admissibilidade da prova indireta, fundamentando sua posição doutrinária e jurisprudencialmente, como segue:
[...] há um procedimento na doutrina e, principalmente, na prática, de que o indício é uma fonte imperfeita, a menos atendível de certeza que a prova direta. Isso não é exato. A eficácia do indício não é menor do que o da prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à história e física. O indício é somente subordinado à prova, porque não pode subsistir sem uma premissa, que é a circunstância provada; e o valor crítico do indício está em relação direta com o valor intrínseco da circunstância indiciante. Quando esteja bem esclarecido, pode o indício adquirir uma importância predominante e decisiva no Juízo. (Eduardo Espínola Filho. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado. 6ª ed, v. 3, Borsoi, p. 176)
E da jurisprudência:
PROCESSUAL PENAL - PROVA - INDÍCIOS E CIRCUNSTÂNCIAS - CONDENAÇAO MANTIDA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - CPP, ART. 156.
[...]
Em nosso Direito predomina o princípio do livre convencimento, da verdade real, devendo o juiz justificar a respectiva convicção com base na lógica que o persuadiu racionalmente.
Prova indireta, constituída por indícios veementes, autoriza a condenação.
(Ap. Crim. n. 97.012927-0, de Joinville, rel. Des. Amaral e Silva)
Fonte : TJSC - Apelação Criminal nº
Em síntese: é possível condenar um réu com base em provas puramente indiciárias, desde que contundentes, firmes, convincentes. Esse, aliás, foi o que aconteceu no Caso Nardoni.
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