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    O processo de consolidação dos direitos humanos no plano internacional - Herta Rani Teles Santos

    há 14 anos

    Como citar este artigo: SANTOS, Herta Rani Teles. O processo de consolidação dos direitos humanos no plano internacional. Disponível em http://www.lfg.com.br - 15 de julho de 2010.

    O PROCESSO DE CONSOLIDAÇAO DOS DIREITOS HUMANOS NO PLANO INTERNACIONAL

    I. Introdução

    O Direito Internacional dos Direitos Humanos, tal como consolidado atualmente, é o resultado direto de uma sequência histórica dirigida à proteção dos direitos e liberdades do indivíduo.

    O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode ser definido atualmente como um conjunto de normas e princípios que regem a cooperação institucionalizada dos Estados para a defesa dos direitos e liberdades do ser humano. Direitos estes considerados pela comunidade internacional como um relevante valor a proteger.

    Os direitos humanos, em seu sentido mais restrito, podem ser definidos como as faculdades atribuídas a pessoas ou a grupos sociais para a garantia de suas necessidades em relação à vida, liberdade, igualdade, participação política ou social ou qualquer outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral do ser humano como pessoa, exigindo o respeito a estes direitos pelos demais homens da sociedade, grupos sociais ou Estados.

    A ideia de direitos humanos está intrinsecamente relacionada ao nascimento da instituição dos Estados. Afinal, uma das principais razões do surgimento de tal ramo do direito foi a crescente necessidade de se limitar o poder absoluto dos Estados. Adicione-se a isso o fato de alguns desses direitos requererem a atuação estatal para serem efetivados.

    II. Avanços históricos

    A) Século III antes de Cristo

    Até o século III antes de Cristo não existia uma teoria dos direitos humanos como ela se apresenta nos dias atuais, mas poder-se-ia indicar dois antecedentes históricos: as referências filosófico-jurídicas e o componente axiológico que seria o Código de Hamurabi, uma das primeiras normas a introduzirem o conceito de legalidade.

    B) Idade Média

    A partir do século XV faz-se referência a um conjunto de normas que reconheceram direitos aos particulares, embora elas não assegurassem a universalização de tais garantias. Eram normas de caráter contratual. Tratava-se de pactos entre senhores feudais e seus súditos e, portanto, restritos a eles. Não existia ainda á época um direito amplo que abrangesse uma coletividade de indivíduos, razão pela qual não se podia falar em direitos humanos tal como reconhecidos hoje em dia.

    Esses antigos contratos exigiam intercâmbio de prestações entre os senhores feudais e seus trabalhadores; e os direitos humanos são justamente o contrário: atribuem direitos às pessoas, simplesmente pelo mero fato de serem pessoas humanas, não implicando nenhum tipo de contraprestação obrigacional.

    Outra característica que distingue esses pactos das garantias atuais trazidas pelos direitos humanos é o fato das antigas cláusulas consolidarem privilégios para certos setores sociais como a nobreza e os cidadãos livres. Pode-se destacar entre esses diplomas normativos a Carta Humana Inglesa (1215) ou a Carta Leonina dirigida a certas partes da sociedade e aos homens livres. A Carta Inglesa reconhece o Direito à Propriedade e também à proibição da pessoa ser presa sem mandato judicial a justificar tal detenção (antecedente do habeas corpus). A Carta Leonina incorporou um nível de proteção de direitos equivalente ao da Carta Magna Inglesa, introduzindo, inclusive, o mandado que proíbe a tortura nos interrogatórios. Cuida-se de um sistema que estabelece uma regularidade precária apesar de introduzir o princípio da segurança jurídica.

    C) Antecedentes próximos

    A partir do século XVI começam a surgir novos enfoques de caráter filosófico que permitem um avanço na teoria dos direitos humanos.

    Começam a acontecer mudanças sociais como o nascimento da burguesia como classe social hegemônica. A sociedade passa a ser centralizada no indivíduo e o indivíduo é o que raciocina e compreende o mundo.

    Surge o liberalismo como um novo modo de atuação política. Ele parte da teoria de que existem direitos próprios que não estão submetidos à arbitrariedade do monarca. Trata-se da ideia de o absolutista não ter poder absoluto. O poder dele, então, poderia ser, então, relativizado pelos direitos dos indivíduos enquanto pessoas humanas. Em termos normativos, essas mudanças se traduzem em três tipos de normas que no século XVII incorporam antecedentes mais próximos à positivação da teoria dos direitos humanos.

    A primeira seria o Direito dos Índios. Com o descobrimento das Américas, surge na Espanha a polêmica a respeito da natureza do povo indígena. Discutia-se se os índios seriam seres humanos ou não. Foi um debate que deu lugar ao jusnaturalismo espanhol e ao desenvolvimento do direito internacional na Espanha. A postura consolidada é a que reconhece alguns direitos a estes povos. Assim, paulatinamente, direitos individuais são assegurados aos povos indígenas.

    Posteriormente, poder-se-ia citar as normas relativas ao direito da tolerância, em relação ao aspecto religioso. A Europa no século XVI foi afetada pelas guerras religiosas: cristãs e protestantes. Para acabar com estes conflitos religiosos foi necessário estabelecer alguns acordos em relação á tolerância. O Direito à tolerância surge da polêmica que apareceu a partir do século XV na Europa medieval entre os protestantes e os católicos. Depois das guerras de cunho religioso na Europa no século XVI, resolve-se permitir a livre determinação religiosa. Esta possibilidade de liberdade religiosa se encontra na Acta de Meriland sobre liberdade religiosa (1646).

    Por fim, têm-se as normas que foram aprovadas nas revoluções burguesas da Grã-Bretanha, ao longo do século XVII. Nesse contexto surgiram sucessivas normas que introduziram elementos importantes para o processo de positivação dos direitos humanos.

    Há três instrumentos que são considerados os mais relevantes: A Petição de Direitos de 1628, o Ato Habeas Corpus de 1678 e a Declaração de Direitos de 1689.

    A Petição de Direitos de 1628 incide basicamente na defesa de direitos de caráter patrimonial. Veda-se que o Poder Executivo confisque arbitrariamente o direito dos particulares. Seria necessário, então, ser estipulado um critério de razoabilidade para respaldar tal ação.

    O ato Habeas Corpus estipula uma garantia processual segundo a qual não se pode deter um indivíduo ou mantê-lo à disposição da autoridade judicial antes de vinte dias. A pessoa pode ser detida, já que há uma acusação de direito contra ela, mas se impede que este poder de prender determinado indivíduo seja arbitrário. Então se estipula um prazo. Esse ato e os direitos a ele conexos já tinham precedentes na Idade Média, como restou explicitado alhures. Não existiam, no entanto, instrumentos que assegurassem isso a todos os cidadãos.

    Quanto à declaração de Direitos de 1689, trata-se de uma regularização pormenorizada do que foi recolhido na petição de 1628.

    No final do século XVIII e já no início da Idade Contemporânea, há um salto qualitativo no reconhecimento desses direitos. Surge em 1776 a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia e em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esses aparatos possuem outra significação. Trazem em seu bojo direitos que pertencem a todos os seres humanos independentemente do estado em que se encontrem.

    A partir de então, inicia-se um processo de desenvolvimento da teoria dos direitos humanos com a incorporação de normas jurídicas obrigatórias.

    O processo de positivação dos direitos humanos continua ao longo do século XIX, no entanto a ampliação do âmbito material não se produzirá até o começo do século XX. As primeiras constituições nacionais a incorporarem novos direitos referentes à pessoa humana incorporados em suas disposições são: a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.

    A Constituição Mexicana assegurou a proteção dos direitos e garantias individuais, os direitos econômicos, sociais e culturais, bem como outros direitos relativos à proteção dos direitos da coletividade (direito de associação, de greve, direito ao trabalho). O catálogo de direitos humanos é ampliado e o processo continua.

    A Constituição de Weimar dedicou o seu livro II inteiramente aos Direitos Humanos e Fundamentais do Cidadão.

    Alguns autores sustentam que se existisse um sistema que efetivamente garantisse esses direitos internacionalmente, provavelmente não ocorreriam guerras mundiais.

    Na última etapa é estabelecido um sistema de garantia internacional para salvaguardar os direitos humanos.

    III. Processo de positivação internacional dos Direitos Humanos

    A positivação em bloco dos direitos humanos só ocorre definitivamente a partir de 1945, devido às consequências geradas após a segunda Guerra Mundial.

    Um março desse processo de positivação é a elaboração da Carta das Nações Unidas assinada em São Francisco no ano de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, a qual entra em vigor em 24 de outubro daquele mesmo ano.

    A Carta consolida, ainda que de forma incipiente, os Direitos Humanos, pois apesar de não haver uma enumeração taxativa dos direitos fundamentais, esses tem presença marcante no referido diploma normativo.

    A Carta das Nações Unidas é resultado de uma organização restrita arquitetada pelas potencias vencedoras da Segunda Guerra Mundial, mediante um processo de negociação iniciado no final de 1944 entre as nações hegemônicas.

    Na redação desse diploma não foi feita referência explícita a direitos humanos. A Carta se centralizou especificamente na manutenção da paz e da segurança internacional.

    É importante trazer à lume que, durante o processo de redação final da Carta da ONU, incidiam duas forças: as das organizações não governamentais dos EUA, que objetivavam a incorporação de matérias de direitos humanos à Carta, e as do bloco dos países que resistiam à incorporação destes direitos pela Carta.

    As maiores resistências à indexação dos Direitos Humanos na Carta emanavam das grandes potências. Como exemplo, poder-se-ia citar a União Soviética que desrespeitava a liberdade de associação e de expressão; ou então os Estados Unidos que praticavam descriminação racial e vulneravam os direitos humanos. Havia ainda a França e a Grã-Bretanha; ambas possuíam impérios coloniais e, portanto, não respeitavam o princípio da livre determinação dos povos.

    Além disso, as distintas concepções defendidas por cada um dos países entraram em choque no momento de definir os direitos humanos.

    Na redação final da Carta poucas disposições sobre direitos humanos foram incorporadas. Além disso, ela não define nem estabelece mecanismos de proteção para aludidas garantias.

    Na Carta da ONU, as regularizações que se fazem dos Direitos Humanos se encontram no Preâmbulo, nos artigos 1, 13, 55, 56, 62 e 68.

    O Preâmbulo reafirma a fé nos direitos fundamentais do homem. É uma referência de caráter genérico apenas, apesar de o preâmbulo possuir um valor interpretativo.

    O artigo primeiro relaciona os propósitos da ONU, o artigo 13 estipula as competências da Assembleia Geral das Nações Unidas. A discriminação é o único dos direitos humanos materializado na prática.

    O artigo 55 fixa as competências da ONU em matéria de direitos humanos.

    O artigo 56, por sua vez, elenca as competências dos Estados membros da ONU em matéria de direitos Humanos. Os países obrigam-se, dessa forma, a adotar medidas para o respeito dos Direitos Humanos.

    Já as competências do Conselho Econômico e Social são fixadas pelo artigo 62.

    O artigo 68 permite ao Conselho Econômico e Social criar órgãos subsidiários para desempenhar suas funções. Este artigo serve de base para que, em 1946, este Conselho crie a Comissão de Direitos Humanos.

    Como resultado de todo esse processo, há uma ruptura no princípio de que só os Estados seriam sujeitos de Direito Internacional. Passa-se a entender, a partir de então, os indivíduos como sujeitos plenos de Direito Internacional.

    Vale consignar, todavia, que esse reconhecimento, entretanto, é condicionado a alguns temperamentos.

    IV. Conclusões finais

    Ao longo dos anos, houve uma evolução considerável do direito internacional dos direitos humanos, eis que juntamente com o reconhecimento internacional, houve o interno, no âmbito de cada país. Isso contribuiu sobremaneira para a solidificação e o fortalecimento da proteção da pessoa humana no âmbito internacional.

    Constata-se, entretanto, que a consolidação do direito internacional dos direitos humanos só ocorreu efetivamente após a segunda guerra mundial. Isto porque o elevado número de vítimas da época, assim como as consequências desastrosas do conflito que envolveu o maior número de nações até então evidenciaram a necessidade de se criar mecanismos eficientes para a proteção dos direitos humanos no plano internacional.

    Note-se que apesar da positivação do direito internacional dos direitos humanos e da implantação dos correspondentes instrumentos de defesa, atualmente ainda são encontrados vários focos de violação desses direitos fundamentais, o que torna duvidosa a real eficácia dessas normas.

    Urge, então, fortalecer e cristalizar os mecanismos internacionais de proteção da pessoa humana para que as frequentes violações a estes direitos fundamentais sejam severamente punidas e diminuam. Assim as normas internacionais protetoras dos direitos humanos passarão a ser consideradas verdadeiramente eficientes e eficazes.

    V. Referências Bibliográficas

    CASTILLO, Mireya. Derecho Internacional de los Derechos Humanos . Valencia: Tirant to blanch, 2003.

    FERNÁNDEZ DE CASADEVANTE, Carlos (coord.). Derecho Internacional de los Derechos Humanos . Madrid: Dilex, 2000.

    NIKKEN, P. La Protección internacional de los Derechos Humanos. Su desarrollo progressivo . Madrid: Civitas, 1987.

    REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público . Curso Elementar.São Paulo: Saraiva, 2005.

    VILLAN DURAN, Carlos. Curso de Derecho Internacional de los Derechos Humanos. Madrid: Trotta, 2002.

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    Apesar do grande avanço e esforços na prática dos Direitos Humanos ,vimos ainda hoje , muitos casos em que se prática a desumanidade em vários países,onde notamos casos absurdos acontecendo envolvendo seres humanos. continuar lendo