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    ARTIGO DO DIA - Interrogatório feito antes da nova lei processual. Validade

    há 13 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Christiane de O. Parisi Infante.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. Interrogatório feito antes da nova lei processual. Validade . Disponível em http://www.lfg.com.br - 02 de novembro de 2010.

    A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 28 de setembro de 2010, indeferiu habeas corpus em que se pleiteava renovação de interrogatório para observância da novel redação conferida pela Lei 11.719/2008 ao artigo 400 do Código de Processo Penal[ 1 ](CPP) (HC 104.555/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.09.2010[ 2 ]).

    Da notícia publicada no Informativo n. 602 do STF[ 3 ]transcrevemos:

    Lei 11.719/2008: Interrogatório e Tempus Regit Actum

    (...)

    Observou-se que o interrogatório fora realizado em data anterior à vigência daquela lei, o que, pelo princípio tempus regit actum , excluiria a obrigação de se renovar ato validamente praticado sob a égide de lei anterior, para que o paciente fosse interrogado ao final da audiência de instrução e julgamento. Por fim, reafirmou-se o entendimento do Supremo segundo o qual não se declara a nulidade de ato processual se a alegação não vier acompanhada de prova do efetivo prejuízo sofrido pelo paciente.

    O relator, Ministro Ricardo Lewandowski, em 24 de junho de 2010, havia indeferido a liminar contra acórdão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Do despacho do relator constata-se que:

    - o paciente foi denunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 302, caput , do Código de Trânsito Brasileiro;

    - o interrogatório do paciente foi realizado em 30 de julho de 2008;

    - com o advento da Lei 11.719/2008 os impetrantes requereram a realização de novo interrogatório do paciente, sendo o pleito inicialmente deferido, mas posteriormente revogado pelo juiz;

    - a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual denegou a ordem. Ajuizaram outro mandamus , no Superior Tribunal de Justiça, oportunidade em que a Quinta Turma daquela Corte Superior denegou a ordem no HC 152.456/SP . É contra essa última decisão que se insurgem os impetrantes;

    - Em síntese, os impetrantes sustentam que: a) o paciente sofre constrangimento ilegal pela não realização de novo interrogatório ao final da audiência de instrução e julgamento (conforme nova redação do art. 400 do CPP); b) não obstante a absolvição do réu, teria ocorrido prejuízo, ao argumento de que, se houvesse novo interrogatório, as alegações das testemunhas da acusação seriam justificadas e o Ministério Público não interporia recurso de apelação, como o fez; c) a nova redação do art. 400 é norma de caráter processual, motivo pelo qual exige aplicação imediata aos processos em andamento, independentemente se há benefício ou prejuízo do réu;

    - com base nesses argumentos pediram a concessão da ordem para que fosse determinada a realização de novo interrogatório do paciente, com a consequente anulação de todos os atos posteriores ao despacho que revogou a designação de novo interrogatório.

    O subprocurador-geral da República apresentou parecer (em 31 de agosto de 2010) pela denegação da ordem por entender que não há constrangimento algum a ser reparado, pois devidamente concedido ao réu o contraditório e a ampla defesa, de acordo com a lei que vigorava à época. Do parecer destacamos:

    Cuida-se de conflito da lei no tempo, ante a vigência de nova lei processual, que, conforme preconiza o artigo do Código de Processo Penal, aplicar-se-á de forma imediata, em atenção ao princípio tempus regit actum .

    (...)

    Assim sendo, os atos processuais realizados antes do advento da nova lei têm plena validade, enquanto os atos posteriores passam a ser regidos pela novel legislação processual.

    (...) não basta a alegação de existência de irregularidade nos atos processuais para que se alcance o efeito da decretação de nulidade, vez que deve estar nítido o prejuízo sofrido pela parte que alega a eiva, o que não ocorre no caso em testilha; pelo contrário, registre-se que o Sr. (...) fora absolvido em primeira instância.

    Os impetrantes aferram-se no indeferimento de realização de novo interrogatório, mas em momento algum explicitam o que pretendiam com a repetição deste ato processual, tão pouco manifestam qual foi a lesão realmente suportada pelo paciente ao ter seu pleito indeferido.

    O interrogatório do paciente foi realizado em 30 de julho de 2008. A Lei 11.719 foi publicada no Diário Oficial da União de 23 de junho de 2008, sendo que o art. 2º da referida Lei determina: Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.

    A inovação trazida pela Lei 11.719 ao art. 400 do CPP (realização do interrogatório do réu ao final da audiência de instrução e julgamento) possui caráter processual e, portanto, deve obedecer ao disposto no art. do CPP que dispõe: A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.

    As normas genuinamente processuais terão aplicação no mesmo dia em que entrarem em vigor. Normas genuinamente processuais relacionam-se com a parte puramente procedimental ou técnica do processo (forma de intimação, modo de citação, forma de gravação dos atos processuais, formalidades dos atos, interrogatório etc.). Para elas vale o princípio da aplicação imediata ou do tempus regit actum .

    Os atos anteriores, entretanto, são válidos e devem ser preservados. Uma lei nova que altere o procedimento, só vale a partir da sua vigência (e não retroage). Todos os atos praticados antes dela continuam válidos. A lei nova não alcança os atos anteriores praticados validamente. O procedimento do júri foi alterado no ano de 2008, mas todos os atos praticados antes, na vigência da lei anterior, foram considerados válidos.

    Aury Lopes Jr. [ 4 ] leciona que:

    A lei processual penal pura regula o início, desenvolvimento ou fim do processo e os diferentes institutos processuais. Exemplo: perícias, rol de testemunhas, forma de realizar atos processuais, ritos etc. Aqui vale o princípio da imediatidade, onde a lei será aplicada a partir dali, sem efeito retroativo e sem que se questione se mais gravosa[ 5 ] ou não ao réu. Assim, se no curso do processo penal surgir uma nova lei exigindo que as perícias sejam feitas por três peritos oficiais, quando a lei anterior exigia apenas dois, deve-se questionar: a perícia já foi realizada? Se não foi, quando for levada a cabo, deverá sê-lo segundo a regra nova. Mas, se já foi praticada, vale a regra vigente no momento de sua realização. A lei nova não retroage.

    De acordo com nossa opinião, acertada a decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal.

    BIBLIOGRAFIA

    LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional . vol. I. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

    Notas de Rodapé:

    [1]Art. 400 do CPP (com redação dada pela Lei 11.719/2008): Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

    [2]STF, HC 104.555/SP, Primeira Turma, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 28.09.2010.

    [3]Informativo STF, n. 602, Brasília, 27 de set. a 01º de out. de 2010. Disponível em: . Acesso em: 09 out. 2010.

    [4]LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional . vol. I. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 215-216.

    [5]A questão de ser ou não mais gravosa para o réu deve ser compreendida de forma ampla, à luz dos princípios fundantes do processo penal e que foram por nós analisados no início dessa obra. (...)

    Assistam nossos comentários na TVLFG , no programa @professorLFG e no LFG News .

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