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27 de Abril de 2024

ARTIGO DO DIA - AIDS. Transmissão do vírus HIV. Qual delito?

há 13 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. AIDS. Transmissão do vírus HIV. Qual delito? Disponível em http://www.lfg.com.br - 09 de novembro de 2010.

O sujeito, sabendo ser portador de AIDS, pratica relações sexuais com várias pessoas, sem preservativo e sem comunicar nada. Qual delito foi cometido? Importa saber se a vítima contraiu ou não o vírus HIV?

O STF acaba de afirmar (HC 98.712-SP) que aquele que, sabendo-se portador do vírus HIV, mantém relações sexuais com outrem, sem o uso de preservativo, comete o delito previsto no artigo 131 do Código Penal, em detrimento de possível tentativa de homicídio.

O entendimento foi exposto por ocasião do julgamento do HC 98.712 de São Paulo. Em primeira instância, o paciente foi denunciado pelo Ministério Público local imputando-lhe a prática do artigo 121c.c. 14, ambos do Código Penal (homicídio tentado), já que o acusado teria mantido relações sexuais com três pessoas diferentes, sabendo ser portador do vírus HIV, sem usar qualquer preservativo, tampouco comunicando as vítimas.

Para o parquet estadual, era possível concluir que houve dolo eventual do acusado, tendo ele aceitado o risco de provocar a morte das vítimas, tendo em vista a gravidade de sua atitude.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, de acordo com o relator do writ, o Ministro Março Aurélio, repudiou as razões ministeriais, fazendo prevalecer o entendimento de que não há que se falar em dolo eventual no caso específico, já que há para a hipótese previsão expressa em tipo penal. Logo, houve sim dolo específico de praticar o crime de perigo de contágio de moléstia grave: Art. 131. Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

De fato, a questão se cinge à perfeita constatação do ânimo do agente, ou seja, da sua intenção ao praticar a conduta que lhe foi imputada. Veja-se que o tipo penal descritivo do crime de perigo de contágio de moléstia grave é explícito ao apontar o objetivo a ser alcançado pelo deliquente, qual seja: transmitir a moléstia grave.

Assim sendo, desde que as vítimas não tenham sido contaminadas com o vírus HIV, estamos com o entendimento do louvável Ministro ao entender que é pouco provável que o paciente buscasse com sua atitude, ainda que de maneira a aceitar o seu resultado (elementar do dolo eventual), matar as vítimas.

Mirabete [ 1 ]orientava que a prática de relações sexuais do portador do vírus da AIDS com o fim de transmitir a moléstia constitui o delito, em não havendo o contágio; ocorrendo este, o crime é mais grave, conforme as circunstâncias (homicídio consumado ou tentado, lesão corporal de natureza grave). Não se tem notícias de que as vítimas foram contaminadas, logo, acreditamos ser forçoso imputar a pratica do delito de homicídio tentado, em detrimento de enquadrar o fato no tipo adequado. Aliás, trata-se de obediência à estrita legalidade que deve ser respeitada, com mais razão, no Direito penal.

Confira-se parte do voto do Ministro:

Descabe cogitar de tentativa de homicídio na espécie, porquanto há tipo específico considerada a imputação perigo de contágio de moléstia grave. Verifica-se que há, até mesmo, presente o homicídio, a identidade quanto ao tipo subjetivo, sendo que o do artigo 131 é o dolo de dano, enquanto, no primeiro, tem-se a vontade consciente de matar ou assunção de risco de provocar a morte.

(...)

Esses elementos consubstanciam não o tipo do artigo1211 doCódigo Penall, presente até mesmo dolo eventual, mas o específico artigo1311.

Notas de Rodapé:

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, Parte Especial . 20ª ed. Atlas.

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2 Comentários

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Ola´professor, excelente artigo, mas é atual [novembro 2017] a compreensão do STF? continuar lendo

É impossível saber quem contaminou quem. A mesma pessoa que se sente vitima teve outras atividades sexuais antes e se presume que foram tbm sem preservativos. Cada pessoa é responsável pela sua vida e sáude. Como podem afirmar que o virus é idêntico ao do acusado? Existem cerpas diferentes que variam de pessoa pra pessoa. Ja ouvi falar tbm que existe o teste Gold (caro por sinal e so tem nos Estados Unidos) e único para saber se são o mesmo virus do acusado com a tal vítima que na verdade não tem nada de vítima. Tive relações sexuais com outras pessoas durante a minha vida toda e jamais saberia de quem eu fui contaminado. Sem falar que o paciente soro positivo estando indetectável pode ter filhos e não transmite HIV. Como que alguém hoje vai acusar alguém de "vc me contaminou?" Impossível isso! Pessoas bebem, usam drogas ou agem pelo ímpeto do sexo e prazer sem se prevenirem. Camisinhas furam, rasgam ou se rompem. Esses artigos tem que ser revisados e mudados. Ou a justiça cometerá muita injustiça e corre o risco de indenizar má sentenças. Gostaria de algum respaldo nisso.... Se eu for processar todas as pessoas com quem fiquei no passado desprevenido como elas tbm, haja tempo e advogados para tal. Eu taria rico......kkk Obrigado! continuar lendo