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20 de Abril de 2024

ARTIGOS DO PROF. LFG: Tráfico ou usuário de droga: depende do caso concreto

há 13 anos

LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Tráfico ou usuário de droga: depende do caso concreto . Disponível em http://www.lfg.com.br - 08 de dezembro de 2010.

Um dos maiores problemas técnicos contidos na lei de drogas (Lei 11.343/2006) diz respeito à distinção entre usuário e traficante. A lei não foi clara. Não estabeleceu critérios objetivos certos. Deixou grande margem de discricionariedade, o que dá ensejo a posturas puramente ideológicas (ideologia da segurança versus ideologia da liberdade). Impõe-se reformar a legislação penal brasileira (também) nesse ponto. Tudo é uma questão de respeito ao direito fundamental da liberdade. Também é uma questão de evitar discriminações e tratamentos desiguais (a depender do status da pessoa).

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Para a Sexta Turma do STJ a quantidade de drogas apreendida seria o quesito prioritário quando se trata de aferir se ela era para uso próprio ou para o tráfico. É o que se depreende do julgamento proferido no HC 144.476 MG, cujo relator foi o Desembargador convocado Celso Limongi.

O fato apreciado dizia respeito a uma apreensão de 1,9 quilos de maconha. Na oportunidade, os acusados disseram que a droga se destinava ao consumo próprio e, em primeiro grau, foram mesmo condenados por uso de entorpecente (fato praticado e julgado em primeira instância sob a vigência da antiga Lei 6.368/76 artigo 16). De acordo com o voto do Ministro relator: a droga, segundo os pacientes, e segundo decidiu o Juiz de primeiro grau, não era para ser comercializada, mas, sim, consumida pelos próprios adquirentes .

Acompanhe-se outro trecho do voto do rel. Celso Limongi:

HABEAS CORPUS Nº 144.476 - MG (2009/0156478-0)

RELATOR : MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

(...)

A classificação jurídica desses fatos se liga ao preceito primário do tipo descrito no artigo166 da Lei nº 63688888/76 e não configura o delito de tráfico ilícito de entorpecente: todos adquiriram a droga, para uso de cada um.

A propósito, veja-se a crítica formulada por Guilherme de Souza Nucci, enfatizando que a Lei nº 6.368/76 era muito rigorosa por não distinguir o traficante, aquele que age com intuito de lucro, do passador, aquele que passa a droga para consumir com um amigo, sem intenção de lucro. E diz, também, que o parágrafo 3º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 foi uma tentativa do legislador de mitigar o rigor da antiga Lei de Drogas, pois agora reduz as penas para aquele que oferece droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem. Cf. "Leis penais e processuais penais comentadas", p. 348/349.

E, desta feita, acertou o legislador, desequiparando o passador (que age sem intuito de lucro) do traficante (que passa a droga com intuito de lucro). São situações distintas que mereciam tratamento penal distinto. Felizmente isso foi feito pela Lei nº 11.343/2006 e os fatos apurados se subsumem exatamente ao artigo 33, , dessa lei, pelo que, sendo lei mais benigna que a Lei nº 6.368/76, deve ser aplicada retroativamente, nos termos dos artigos , XL, da Constituição Federal (...).

Os demais Ministros da Sexta Turma do Tribunal da Cidadania, no entanto, não acompanharam a posição do Ministro Celso Limongi. Veja-se a conclusão do caso, mencionada pela página on line do STJ:

No habeas corpus ajuizado no STJ, os condenados pediram a fixação do regime aberto, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. O relator, desembargador convocado Celso Limongi, propôs a concessão da ordem, de ofício, para desclassificar o crime de tráfico , tendo em vista que a droga não seria comercializada. Para ele, houve mera aquisição do entorpecente para uso próprio e compartilhamento com terceiros.

A proposta do relator não foi aceita, principalmente em razão da grande quantidade de droga apreendida . Seguindo o voto-vista do ministro Og Fernandes, a Turma concedeu a ordem em parte, apenas para fixar o regime semiaberto para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade. Isso porque os autores do pedido são primários e têm a culpabilidade como única circunstância judicial desfavorável. Negou-se, no entanto, o pedido de substituição da pena. (Destacamos)

Fonte : www.stj.jus.br

Conforme nosso entendimento exposto em Legislação Criminal Especial (RT), há dois sistemas legais para se decidir sobre se o agente é usuário ou traficante: a) o sistema da quantificação legal (fixa-se, nesse caso, um quantum diário para o consumo pessoal; até esse limite legal não há que se falar em tráfico); b) sistema do reconhecimento judicial ou policial (cabe ao juiz ou à autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir sobre o correto enquadramento típico).

Tradicionalmente no Brasil sempre se adotou o segundo critério e para isso a nova lei estabeleceu uma série de vetores aferidores, pelo que, é possível concluir-se que não se trata de uma opinião do juiz, pois os dados são objetivos.

Art. 28, 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.

No caso julgado no HC em comento, embora não tenhamos notícia sobre todos os dados exigidos pela norma acima transcrita, entendemos, com a DEVIDA VENIA daqueles que se posicionaram no sentido contrário, que a pessoa mais apta a indicar pelo uso ou tráfico, era o juiz de primeira instância que estava, visivelmente, mais próximo das partes e das provas produzidas. Se em primeira instância conclui-se que os pacientes possuíam a droga com o intuito de uso, apenas pelo critério da quantidade da droga, não se poderia ter concluído que o fato se amoldava no tráfico. Neste sentido é que apoiamos o brilhante voto do respeitável Ministro Celso Limongi.

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