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    Lei de Drogas: Liberdade Provisória, direito de recorrer em liberdade, a jurisprudência da Colenda 1ª Turma do Supremo Ttribunal Federal e o HC 99.717 - Bruno Castro da Rocha

    há 13 anos

    Como citar este artigo : ROCHA, Bruno Castro da. Lei de Drogas: Liberdade Provisória, direito de recorrer em liberdade, a jurisprudência da Colenda 1ª Turma do Supremo Ttribunal Federal e o HC 99.717 . Disponível em: http://www.lfg.com.br - 26 de fevereiro de 2011.

    LEI DE DROGAS: LIBERDADE PROVISÓRIA, DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE, A JURISPRUDÊNCIA DA COLENDA 1ª TURMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O HC 99.717

    Bruno Castro da Rocha

    Advogado criminalista

    1. Introdução

    A atual Lei Antidrogas, de 23 de agosto de 2006, tem objetivos bem claros: prevenir o uso de drogas e, quando não possível, cuidar dos usuários e dependentes químicos, através de programas de inserção social, principalmente, com a criação do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e, por outro lado, combater, com maior rigor, o tráfico de drogas e crimes correlacionados.

    No que tange aos crimes ligados ao tráfico a citada lei enrijeceu o tratamento penal. Para o traficante a pena mínima foi elevada para 05 anos de reclusão e para quem o financia pode chegar 20 anos de reclusão. Da mesma forma ocorreu com as regras processuais, as quais proíbem a liberdade provisória e o direito de recorrer em liberdade, salvo primariedade e bons antecedentes, neste último caso.

    Entretanto, ao repreender mais impetuosamente à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas , sob a bandeira da gravidade desse delito e os malefícios que causam a saúde, trouxe novamente ao nosso ordenamento jurídico a odiosa prisão automática, a qual desnecessita de uma fundamentação criteriosa sobre seus fundamentos.

    Apesar da duvidosa constitucionalidade, a 1ª Turma da nossa Corte Suprema firmou jurisprudência no sentido de que a vedação da liberdade provisória e do direito de recorrer em liberdade advém da inafiançabilidade do crime do tráfico ilícito de entorpecente e drogas afins determinado pela Constituição da República no inciso XLIII do seu artigo 5º.

    Devido aos limites do presente artigo não me aprofundarei sobre a impossibilidade das prisões automáticas, mas tão somente da excepcionalidade de uma recente decisão proferida em habeas corpus , eis que, não obstante seu entendimento consolidado, concedeu a ordem para que um suposto traficante respondesse seu processo em liberdade.

    2. Jurisprudência consolidada da Primeira Turma e o HC 99.717

    A Colenda 1ª Turma do Egrégio Supremo Tribunal Federal, atualmente, é composta pelos eminentes Ministros Ricardo Lewandowski (Presidente), Março Aurélio, Carmem Lúcia e Dias Toffoli, contando uma cadeira vaga após a transferência do Ministro Ayres Britto para a 2ª Turma decorrente da aposentadoria recente do Ministro Eros Grau.

    Historicamente, a Turma sempre negou os pedidos de liberdade provisória e o de recorrer em liberdade quando o assunto era drogas, ora pautada nas leis próprias do tráfico, outras na Constituição da República, ou ainda baseado na Lei 8.072/90 ou no Código de Processo Penal. Chegou-se ao extremo de presumir a periculosidade objetiva dos traficantes de drogas [ 1 ] para negar-lhes tal direito.

    Anteriormente a Lei 11.343/06, o tráfico ilegal de drogas era tratado pelas leis 6.368/76 e a Lei 10.409/02. O direito de apelar em liberdade foi proibido pelo legislador de 1976 e permaneceu assim na lei de 2006; porém, quanto à possibilidade da liberdade provisória somente agora ela é proibida, pois era autorizada expressamente nas leis antecedentes.

    Na verdade, a liberdade provisória e apelo em liberdade tratam-se do mesmo instituto, porém concedidos (ou não) em momentos processuais diferentes, enquanto este se reserva apenas à sentença ou ao acórdão, aquele pode ocorrer durante todo o processo criminal. No fim, o que se quer é a possibilidade de responder a todo o processo em liberdade.

    Atualmente a Colenda Primeira Turma sustenta sua posição no artigo , inciso, XLIII, da Constituição da República, o qual afirma ser inafiançável o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, advindo daí, inclusive, as vedações à liberdade provisória [ 2 ]e à impossibilidade do réu recorrer em liberdade [ 3 ] , trazidas no artigo 44 e no artigo 59 da Lei 11.343/06, respectivamente.

    Entretanto, houve recentemente um caso peculiar em que a Turma superou sua própria jurisprudência e passou por cima dos seus argumentos. Trata-se do habeas corpus nº 99.717, relatado pelo eminente Ministro Ricardo Lewandowski, no qual foi concedida a ordem para que o acusado respondesse o processo em liberdade.

    Segundo o relatório do mandamus , o paciente tinha sido preso em flagrante pela prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 34 da Lei 11.343/06, impetrando um habeas corpus no Tribunal Distrital, sendo-lhe concedida a medida liminar para que respondesse o processo em liberdade. Todavia, no julgamento do mérito, a medida liminar foi cassada restabelecendo a prisão.

    Contra essa decisão, impetrou outro writ , mas dessa vez no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, o qual lhe concedeu a ordem parcialmente, apenas para anular o julgamento daquele Tribunal, entretanto, ratificou a prisão cautelar. Irresignado recorreu a Corte Suprema, ao argumento que sua prisão se deu à revelia dos requisitos exigidos pelo artigo 312 e seguintes do Código de Processo Penal.

    O Ministro Lewandowski concedeu a liminar pautando-se na ( a ) impossibilidade da execução antecipada da pena, citando o leading case [ 4 ] no assunto, ( b ) na ausência dos requisitos do artigo3122 doCPPP, ( c ) na impossibilidade de se fundamentar a medida cautelar tão somente no artigo444 da Lei Antidroga e, por fim, ( d ) de que o acusado não estava embaraçando a instrução criminal.

    No mérito, julgado no dia 09 de novembro de 2010, o Ministro manteve sua fundamentação e ratificou a liminar, não antes de deixar claro que a jurisprudência da Turma era diametralmente oposta a decisão que acabara de proferir. Vale ressaltar que a decisão foi unânime e do julgamento apenas o Ministro Março Aurélio não participou.

    O que causa espanto são as palavras do relator, pois vai de encontro com tudo que a Turma vem decidindo desde 1976 quando a primeira Lei de Tóxicos, em seu artigo 35 [ 5 ] , proibia do réu apelar em liberdade sem se recolher a prisão. Pior. Tudo que agora defendeu é tudo que todos os dias se rebate, principalmente no que tange a possibilidade da vedação dos artigos 44[ 6 ] e 59 [ 7 ] da atual Lei Antidroga.

    Salvo a exceção ora em análise, a Turma sempre decide no sentido de que a vedação à liberdade provisória para o delito de tráfico de drogas advém da própria Constituição, a qual prevê a inafiançabilidade (art. 5º, XLIII) e que o réu, ademais, foi preso em flagrante e permaneceu detido ao longo de toda a instrução criminal, não havendo, portanto, que falar no direito de apelar em liberdade [ 8 ] .

    Com efeito, a única coisa de diferencia esse julgamento-exceção dos julgamentos-regra é o fato de que naquele o acusado havia consigo uma liminar em seu favor no Tribunal de origem, a qual, porém, foi cassada no julgamento do mérito. Fora isso a ritualística mostrou-se idêntica, com a famosa frase: o artigo 44 da Lei nº 11.343/06 é, por si só, fundamento suficiente para manter a prisão cautelar.

    Aqui reside a contradição, pois se a Turma entende que a simples menção dos citados artigos 44 ou 59 são suficientes para denegação da liberdade provisória e do apelo em liberdade, bastava, novamente, ali trazer sua tem jurisprudência iterativa. Suas decisões sempre passaram ao largo da execução antecipada da pena e são pouco criteriosos na análise dos elementos do artigo 312 do CPP.

    Impressiona ainda o fato da Turma não usar nesse julgamento o argumento da superveniência da sentença condenatória, pois, segundo inúmeros acórdãos, ela torna prejudicado o exame do pedido referente ao excesso de prazo da prisão cautelar e à ausência de seus requisitos autorizadores [ 9 ] , e, no caso, o paciente havia sido condenado, em primeiro grau, a 07 anos e 02 meses de reclusão.

    O julgado recebeu a seguinte ementa:

    PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LIMINAR QUE CONCEDE A LIBERDADE PROVISÓRIA E POSTERIORMENTE É CASSADA. PRISÃO DETERMINADA NO JULGAMENTO DE MÉRITO DO WRIT IMPETRADO NA CORTE LOCAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇAO HÁBIL A JUSTIFICAR A SEGREGAÇAO. VEDAÇAO DA EXECUÇAO PROVISÓRIA DA PENA. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. I Não obstante a jurisprudência majoritária desta Corte ser no sentido de que no crime de tráfico de entorpecentes não cabe liberdade provisória, o caso dos autos revela excepcionalidade a justificar tal hipótese. II Paciente que teve liberdade provisória concedida em razão de liminar deferida em habeas corpus, sendo a prisão preventiva determinada no julgamento de mérito da impetração, sem qualquer dos fundamentos elencados no art. 312 do CPP. III O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a execução provisória da pena, ausente a justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes. IV Ordem concedida. (DJe 25/11/2010)

    A princípio poderia parecer uma mudança na jurisprudência da Primeira Turma. Entretanto, não é. O co-réu na ação penal original formulou pedido de extensão e foi negado, sob os velhos argumentos de que este foi preso em flagrante e nessa condição permaneceu durante toda a instrução penal, já tendo sido confirmada sua condenação pelo Tribunal de Justiça .

    3. Conclusão

    Conforme demonstrado, a Colenda Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal e seus notáveis Ministros, desde sempre, entenderam que as pessoas que se dedicam a mercadância ilegal de entorpecente e drogas afins, são obrigadas a permanecerem presas durante todo o processo penal salvo o excesso de prazo[ 10 ] , e desde que não sobrevenha, nesse ínterim, sentença condenatória[ 11 ] .

    Nesse habeas corpus bastava para denegar a ordem, e manter a prisão cautelar do paciente, a justificativa que o colegiado do Tribunal local e, depois, o Superior Tribunal de Justiça apenas estavam cumprindo a Lei de Toxico e corrigindo segundo esse entendimento - um error in procedendo cometido pelo Desembargador João Assis Mariosi quando deferiu a liminar no writ lá impetrado.

    Porém, nesse caso específico, a Turma achou por bem conceder a ordem, trazendo a lume todos os argumentos que, em regra, ali são refutados, tais como a execução antecipada da pena, a ausência dos requisitos do artigo 312 do CPP e, principalmente, que a vedação apriorística da Lei de tóxicos, por si só, não é a fundamentação substancial que a Constituição[ 12 ]exige.

    Apesar de não acreditar que isso seja um sinal de evolução da jurisprudência naquela Colenda Turma, pelo menos, já é um precedente importante para os defensores da inconstitucionalidade das prisões apriorísticas. Agora nos resta aguardar para ver se esse julgamento não passou de um caso isolado ou se pode ser o início de uma mudança na jurisprudência ali consolidada.

    NOTAS DE RODAPÉ

    [1] RHC 66.359, DJ 14/10/1988.

    [2] HC 104.155, DJe 03/11/2010.

    [3] HC 103399, DJe 20/08/2010

    [4] HC 84078, Rel. Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe 26/02/2010.

    [5] Art. 35. O réu condenado por infração dos artigos 12 ou 13 desta Lei não poderá recorrer sem recolher-se à prisão.

    [6] Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

    [7] Art. 59. Nos crimes previstos nos arts. 33, 1o, e 34 a 37 desta Lei, o réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória.

    [8] HC 104.281, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 03/08/2010, DJe 20/08/2010.

    [9] HC 101503, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 10/08/2010, DJe 22/10/2010

    [10] Súmul69797 do STF: A proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo.

    [11] HC 102783, Rel.Min. Cármen Lúcia, julgado em 04/05/2010, DJe 28/5/010. CFF, art. 5ºº, LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (...).

    4. Referências

    Brasil. Constituição da República Federal , de 05 de outubro de 1988.

    Brasil. Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941.

    Brasil. Lei federal 6.368, de 21 de outubro de 1976.

    Brasil. Lei federal 8.072, de 25 de julho de 1990.

    Brasil. Lei federal 10.409, de 11 de janeiro de 2002.

    Brasil. Lei federal 11.343, de 23 de agosto de 2006.

    Brasil. Superior Tribunal de Justiça.

    Brasil. Supremo Tribunal Federal.

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