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18 de Abril de 2024
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    ARTIGOS DO PROF. LFG: Incompatibilidade entre dolo eventual e o homicídio qualificado pela surpresa

    há 13 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES*

    Áurea Maria Ferraz de Sousa**

    A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal acaba de se posicionar no sentido da incompatibilidade entre o dolo eventual e o homicídio qualificado pelo inciso IV do 2º do artigo 121 (surpresa, traição, emboscada ou dissimulação).

    A decisão foi proferida nos autos do HC 95.136/PR relatado pelo Ministro Joaquim Barbosa. A defesa alegava a incompatibilidade do dolo eventual com a qualificadora do artigo 121, parágrafo 2º, inciso IV; pedia também a redução da pena e o afastamento da impossibilidade de progressão da pena. O réu foi condenado pela justiça paranaense ao cumprimento de 18 anos de reclusão, cumpridos integralmente em regime fechado, por ter atropelado e matado um casal que passeava na calçada.

    Como se sabe, de acordo com a Lei 8.072/90 o crime de homicídio qualificado é considerado hediondo (art. 1º, I) e, até 2007, o cumprimento de sua pena deveria se dar integralmente em regime fechado. O julgamento no Paraná provavelmente se deu antes da Lei 11.464/07 que alterou o 1º do artigo da Lei de Crimes Hediondos para que hoje, em tese (porque esta nova regra também já vem sendo rechaçada pela jurisprudência), o crime hediondo e os equiparados a ela sejam cumpridos inicialmente em regime fechado.

    Pois bem. O fato é que o paciente do writ pretendia ter alguma dessas benesses reconhecidas, tendo chegado até o STF para tanto.

    De acordo com o Ministro Joaquim Barbosa, há precedentes no Supremo que já orientam pela impossibilidade de se imputar um homicídio praticado em dolo eventual com o homicídio qualificado pelas hipóteses do inciso IV do 2º.

    A topografia do crime de homicídio apresenta, sequencialmente, as seguintes práticas: 121, caput - homicídio doloso simples; 121, 1º - homicídio doloso privilegiado; 121, 2º - homicídio doloso qualificado; 121, 3º - homicídio culposo; 121, 4º - majorantes e no 121, 5º o perdão judicial. Note-se que não há menção ao homicídio dolosamente eventual, uma construção da doutrina que imputa a prática dolosa ao agente que, em verdade, não quer o resultado, mas dentro da possível previsibilidade reconhece a ocorrência do resultado e o aceita.

    A este respeito vale lembrar as teorias do dolo: a) teoria da vontade, b) teoria da representação e c) teoria do consentimento ou assentimento. Pela teoria da vontade, há dolo direto quando há vontade consciente de querer praticar a infração penal. Pela teoria da representação, o agente prevê o resultado como possível e ainda assim opta por continuar a conduta. A terceira teoria, no entanto, é que se liga ao fato em comento, pois, de acordo com a teoria do assentimento, o agente prevê o resultado como possível e ainda assim continua na prática assumindo o risco de produzi-lo.

    Quanto à qualificadora imputada ao sujeito, o Ministro Joaquim Barbosa lembrou que a posição do STF é no sentido da incompatibilidade com o dolo eventual, uma vez que ela somente seria aplicável quando há intenção dolosa, ou seja, quando o autor realmente quer o resultado morte e o faz de maneira ainda mais reprovável, seja por meio de traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; o que entendeu não ter ocorrido no caso em julgamento no presente writ.

    Da mesma maneira se posicionou o Ministro Gilmar Mendes no julgamento do HC 86.163: é manifesta a incompatibilidade entre o dolo eventual, que "implica numa mera aceitação de um resultado possível - e a qualificadora do recurso que impossibilita a defesa da vítima, a qual reclama um preordenamento do agente à conduta criminosa".

    *LFG Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito penal pela USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Acompanhe meu Blog. Siga-me no Twitter. Encontre-me no Facebook.

    **Áurea Maria Ferraz de Sousa Advogada pós graduada em Direito constitucional e em Direito penal e processual penal. Pesquisadora.

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