Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
25 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Limitações à requisição da força pública no exercício da fiscalização tributária - Lucianne Coimbra Klein

    há 15 anos

    Como citar este artigo: KLEIN, Lucianne Coimbra. Limitações à requisição da força pública no exercício da fiscalização tributária . Disponível em http://www.lfg.com.br. 12 de janeiro de 2009.

    O art. 200 do CTN confere uma prerrogativa à Administração Tributária no exercício da fiscalização, consistente na possibilidade da requisição do auxílio de força pública pelas autoridades administrativas em caso de embaraço ou desacato no exercício das suas funções ou quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária. O alcance do dispositivo encontra limitação não só nas três hipóteses objetivas que arrola, mas, sobretudo, nos direitos e garantias individuais e na lei, de modo que a prerrogativa em questão não é absoluta, embora a atividade de fiscalização tributária revista-se de grande interesse público.

    A fiscalização tributária é, segundo Célio Armando Janczeski, com amparo na lição de José Jayme de Macedo Oliveira, "o ato de empreender exame e verificação, de controlar a execução ou funcionamento, tudo com vistas ao fiel atendimento das obrigações tributárias a cargo dos contribuintes. Induvidoso que o sujeito ativo, como titular de um crédito fundado na lei, tem o direito e o dever de verificar se as normas legais, que lhe conferem o crédito, estão sendo rigorosamente cumpridas pelo sujeito passivo " (2006, p. 171).

    Assim, a fiscalização tributária tem por escopo a efetividade na arrecadação, com vistas a assegurar os recursos necessários à manutenção dos serviços públicos essenciais, de modo que qualquer obstáculo ao normal desenvolvimento do trabalho de fiscalização afronta o interesse público. E é justamente por isso que a Administração Tributária tem prerrogativas concedidas em nome do poder-dever de fiscalizar, as quais são dotadas de coercibilidade e de auto-executoriedade, conferidas pelo art. 200 do CTN , mediante a possibilidade do uso da força pública, que é legítima na medida em que tutela diretamente o interesse público.

    Na atividade fiscalizatória, estabelece-se, pois, uma relação de caráter não patrimonial entre a Administração Tributária e o sujeito passivo, que tem dever de suportar a fiscalização, com a limitação da sua liberdade em prol do interesse público, limitação esta que, contudo, é relativa, devendo ser assegurados os direitos e garantias individuais: se é certo que o Fisco tem prerrogativas, é certo que também tem limites para o seu exercício. Por isso, James Marins afirma: "disciplinar a relação jurídica subjacente à atividade de fiscalização implica determinar as prerrogativas e limites da ação investigatória estatal em relação ao indivíduo. A atividade de fiscalização insere-se dentro do conjunto das atividades que dizem respeito à Administração Tributária que necessariamente deve contar com mecanismos e instrumentos aptos a otimizar a arrecadação, mas sem que haja - jamais - o sacrifício das garantias individuais que alicerçam o ordenamento constitucional e tributário " (2005, p. 230).

    Trata-se de um imperativo do princípio da razoabilidade, que deve servir de ponto de equilíbrio no conflito entre a Administração Tributária e o sujeito passivo: urge que, em cada caso concreto, seja analisado se o uso da força pública é razoável, isto é, se há congruência lógica com o óbice posto pelo contribuinte, sendo irrazoável violar, por meio da ação fiscal, um direito individual. Exige-se relação de adequação e necessidade com os meios escolhidos.

    Outrossim, a Lei Maior, ao estabelecer fundamentos para o exercício da fiscalização tributária no § 1º do seu art. 145 determina que as prerrogativas da Administração Tributária para ingerir no patrimônio, nos rendimentos e nas atividades econômicas do contribuinte devem respeitar os direitos individuais. Nesse contexto, James Marins assevera: "o conjunto de poderes de investigação não é, portanto, ilimitado, pois encontra freios no campo das garantias individuais do cidadão, notadamente as previstas no art. da Constituição " (2005, p. 235). Ou seja, no Estado Democrático de Direito, que tem a liberdade como uma das suas maiores conquistas, o poder de tributar, com o respectivo poder de fiscalizar, jamais poderá servir de entrave ao exercício dos direitos e garantias individuais.

    Os direitos e garantias que servem de baliza ao exercício da fiscalização tributária e, portanto, à requisição do auxílio de força pública enquanto medida integrante da ação fiscal, são, principalmente, aqueles previstos nos incs. X , XI , XII , XIII e XV do art. da CF e no parágrafo único do art. 170 da CF. Quanto ao direito ao livre exercício de qualquer atividade econômica, Sacha Calmon Navarro Coêlho ressalta que o Fisco está obrigado "a respeitar o normal andamento das atividades das pessoas físicas e jurídicas, sem lhes causar transtornos que lhes impeçam ou obstaculizem o exercício, sob pena de responsabilização civil e penal " (2004, p. 890), situação da jurisprudência apresentada (TRF3 - Ag

    -7/SP).

    Para que não ocorra a violação de tais direitos e garantias, o uso da força pública deverá ser objeto de prévia autorização judicial. Outro não é o entendimento de Hugo de Brito Machado: "é necessário distinguirmos entre as hipóteses nas quais é cabível a requisição da força pública diretamente pela autoridade administrativa daquelas nas quais se faz necessária uma decisão judicial para autorizá-la. Sem essa distinção o art. 200 do Código Tributário Nacional será inconstitucional. [...]. Nos casos em que o uso da força pública possa estar em conflito com as garantias constitucionais do contribuinte deve este ser objeto de prévia autorização judicial [...]. [...] tais garantias constitucionais impõem limitações ao alcance do art. 200 do Código Tributário Nacional " (2003, p. 235).

    Acerca da matéria, Leandro Paulsen destaca que o posicionamento do STF é o mesmo adotado pela doutrina: "o STF tem entendido que, inobstante a prerrogativa do Fisco de solicitar e analisar documentos, os agentes fiscais só podem ingressar em escritório de empresa quando autorizados (pelo proprietário, gerente ou preposto). Em caso de recusa, não podem os agentes simplesmente requerer auxílio de força policial, eis que, forte na garantia de inviolabilidade do domicílio, oponível também ao Fisco, a medida dependerá de autorização judicial "(2006, p. 1352). A respeito do tema, veja-se o acórdão exarado em 2005 pela 2ª turma do STF nos autos do HC nº 82788 .

    Além dos direitos e garantias individuais, também a lei coloca-se como limite ao alcance do art. 200 do CTN . Trata-se de imperativo que decorre do princípio da legalidade (art. , inc. II , CF), do já mencionado § 1º do art. 145 da CF e do art. 194 do CTN, acerca do qual James Marins afirma que "explicita, como primado da fiscalização, a legalidade a qual estão submetidas as autoridades administrativas " (2005, p. 236).

    Não se pode olvidar, ainda, que a fiscalização tributária é espécie do gênero poder de polícia, que, de acordo com o parágrafo único do art. 78 do CTN , pressupõe, para o seu exercício regular, a observância dos limites legais. Segundo James Marins, "a própria noção de poder de polícia encerra a idéia de que, dentro da legalidade e do estrito respeito aos direitos individuais, tem o estado o dever de agir, de maneira fiscalizatória inclusive, sempre com vistas a atingir o bem comum " (2005, p. 230).

    Eduardo de Moraes Sabbag, ao trabalhar com o alcance do art. 200 do CTN , ressalta a submissão da medida aos limites legais: "deve imperar, na utilização da prerrogativa em comento, a máxima parcimônia, uma vez que o emprego da força, divorciado da guarida legal, pode ensejar o crime de excesso de exação (art. 316 , § 1º , CP) ou de violência arbitrária (art. 322 , CP) "(2006, p. 301). São limites impostos pela lei o sigilo profissional (art. 197 , parágrafo único , CTN) e o sigilo fiscal (art. 198 , CTN), entre muitos outros.

    Consoante dicção do próprio art. 200 do CTN , o uso da força pública é exceção, e não regra, somente se justificando quando houver embaraço ou desacato ou quando for necessária para efetivar medida prevista na legislação tributária (art. 96 , CTN). Assim, por exemplo, o fato de os fiscais, na abordagem inicial, comparecerem já acompanhados de força policial configura ilegalidade e, portanto, abuso de poder, pois só há embaraço ou desacato depois de um primeiro contato com o fiscalizado. A doutrina diverge quanto à possibilidade do uso da força pública em caso de recusa da apresentação de livros comerciais ou documentos fiscais. Luciano Amaro entende que "é compreensível que a autoridade requisite força policial para a efetivação de certos atos (por exemplo, bloqueio de estrada para verificação de mercadorias em trânsito), ou em casos de desacato, mas isso não tem sentido quando se trate de puro e simples embaraço à fiscalização, através, por exemplo, da sonegação de livros e documentos " (2005, p. 480).

    A fiscalização tributária submete-se, ainda, aos princípios previstos no art. 37 , caput, da CF . Para Eduardo de Moraes Sabbag, "é certo que, como se trata a ação fiscalizatória de ato público da Administração, esta não poderá agir divorciada dos Princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Publicidade (Art. 37 da CF/88), sob pena de resvalar em arbítrio e abuso de poder " (2006, p. 297).

    Por fim, as provas coletadas com violação dos limites impostos às autoridades administrativas no exercício da fiscalização são nulas para efeitos de lançamento tributário, pois este não pode basear-se em prova obtida por meios ilícitos (art. 30 , Lei nº 9.784 /99).

    Referências Bibliográficas:

    AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro . 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

    BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Hábeas Corpus nº 82788 . Relator: Min. Celso de Mello. Julgamento 24 abr. 2005. Disponível em: http://www.stf.gov.br. Acesso em 02 dez. 2008.

    COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro . 7. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

    JANCZESKI, Célio Armando. Direito Tributário . Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006.

    MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário . 23. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2003.

    MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial) . 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005.

    PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência . Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

    SABBAG, Eduardo de Moraes. Direito Tributário . 8. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2006.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876173
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações2034
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/limitacoes-a-requisicao-da-forca-publica-no-exercicio-da-fiscalizacao-tributaria-lucianne-coimbra-klein/579178

    Informações relacionadas

    Fiscalização tributária não é caso de Polícia

    Karyne Santos Soares, Advogado
    Artigoshá 2 anos

    Fiscalização tributária: Descubra o que fazer quando o agente fiscal bater a sua porta

    Editora Revista dos Tribunais
    Doutrinahá 3 anos

    Capítulo 9. Excesso de Exação (Art. 316, §§ 1º e 2º)

    Profª Francys Balsan, Bacharel em Direito
    Artigoshá 5 anos

    Recurso OAB - exame xxix - Direito Tributário

    Artigoshá 9 anos

    A CDA e sua presunção de certeza e liquidez

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)