Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Ascensão e declínio do sursis no Brasil : uma análise histórica - Jamil Chaim Alves

    há 16 anos
    Como citar este artigo: ALVES, Jamil Chaim. Ascensão e declínio do sursis no Brasil : uma análise histórica. Disponível em http:www.lfg.com.br. 18 julho. 2008.

    A constatação de que a pena de prisão apresenta graves problemas por não ser apta a promover a ressocialização dos condenados e ferir a dignidade da humana, culminou na busca por formas alternativas de punição. Nesta esteira, vários institutos surgiram ao longo do tempo, merecendo destaque a suspensão condicional da pena, também chamada sursis .

    Leciona Eugênio Cuello Calón que, dentre as diversas medidas previstas como substitutivos das penas curtas de prisão, a suspensão condicional da pena é a de maior importância e difusão, sendo uma das instituições penológicas que alcançou maior êxito[ 1 ]. Trata-se de um instituto destinado a evitar os males e inconvenientes das penas de prisão de curta duração, havendo a sobrestação do cumprimento da pena imposta na sentença condenatória, mediante certos pressupostos e condições[ 2 ].

    Na antiga Roma já havia a preocupação de se substituir a pena corporal. Utilizava-se, à época, o instituto da severa interlocutio , que consistia numa admoestação, aplicável somente para crimes culposos. Contudo, ensina Chysólito de Gusmão que esta admoestação não encontra perfeita similitude com a suspensão condicional da pena atual, mas somente uma mera afinidade[ 3 ]. No mesmo sentido, aponta José Luis Sales que, embora representasse um benefício ao acusado, a severa interlocutio "jamais se traduziria no rastro pelo qual, mais tarde, se insinuou a suspensão condicional da pena"[ 4 ].

    É no direito eclesiástico que surge uma figura que apresenta grande semelhança com o atual sursis . Trata-se da monitio canonica, através da qual os juízes eclesiásticos podiam determinar a suspensão de todas as penas temporais e espirituais dos condenados que comparecem à sua presença implorando perdão, sob a condição de que não praticassem novamente os mesmos atos, caso em que as penas suspensas seriam executadas[ 5 ].

    Examinadas as raízes remotas do instituto, encontra-se a origem moderna da suspensão condicional da pena nos Estados Unidos, em meados do século XIX. E, conforme magistério de Gusmão,

    a razão primacial que deu lugar a que se tentasse a aplicação de tal instituto, foi haverem os estudos de direito penal, desde fins do século XIX, começado a descobrir e patentear os efeitos contraproducentes das penas de prisão de curta duração, maximé para os delinqüentes primários, ainda não amestrados na senda do crime.[ 6 ]

    Assim, para correção de menores abandonados, foi criada a Escola Industrial de Reformas em 1846, no Estado de Massachusetts. De acordo com Sales, estabeleceu-se que os juízes poderiam recolher os jovens a tal Escola, ao invés de aplicar a pena de prisão, na condição de não serem reincidentes. Os menores ficavam submetidos à vigilância da administração e aos métodos educacionais ali aplicados, evitando-se, assim, as terríveis conseqüências da prisão[ 7 ].

    Destaca Auler que este sistema logo produziu ótimos resultados, razão pela qual foi estendido também aos adultos primários, por meio do probation Office for Adults , cuja finalidade era evitar o encarceramento daqueles delinqüentes, investigando-se sua vida pregressa e capacidade de emenda independentemente da reclusão[ 8 ].

    Também foi importante para o desenvolvimento da suspensão condicional da pena o surgimento do Reformatório de Elmira, em Nova Iorque, no final do século XIX, que levou a contornos mais humanos a punição dos delinqüentes[ 9 ].

    A Inglaterra, em 1847, passou a prever o chamado Juvenile Offenders Act , e, posteriormente, em 1879, o Summary Jurisdiction Act , institutos por meio dos quais o juiz poderia, em se tratando de delinqüentes menores, omitir a sentença de condenação, apenas declarando a culpabilidade e aplicando uma admoestação, ou ainda substituindo a pena corporal por pena pecuniária. Em 1886, por meio do probation o First Offenders Act , a concessão do beneficio foi estendida a outros delitos cuja pena máxima fosse dois anos de prisão, com a condição de o condenado manter boa conduta durante o período de prova. Atualmente, o instituto é amplamente aplicado por meio do probation o Offenders Act , de 1907[ 10 ]. O sistema adotado na Inglaterra e nos Estados Unidos passou a ser denominado sistema anglo-saxão.

    Em 1884, Bérenger, por meio de um projeto, tenta, sem êxito, introduzir na França o sursis à l'execution de la peine . A Bélgica, reconhecendo a excelência do trabalho de Bérenger, antecipou-se à França e, em 31 de março de 1888, adotou a medida.

    Na Alemanha, esboçou-se o sistema denominado "graça condicional" (bedingte begnadigung), surgido na Saxônia em 1895, que permite à autoridade administrativa fazer suspender, em determinados casos, a execução da pena, e ao chefe de Estado ampliar a graça, se o indivíduo se comporta bem. Dos debates em torno dos projetos de Código Penal , prevaleceu a condenação condicional, sendo certo, porém, que os projetos alemães fundiram a condenação condicional e a liberdade condicional[ 11 ].

    É conveniente apontar que o sursis (sistema belga-francês) apresenta profundas diferenças em relação ao probation (sistema anglo-saxão). Neste, o juiz suspende a condenação, declarando a culpabilidade do acusado e submetendo-o a um período de prova. Já no sursis há condenação, suspendendo-se a execução da pena.

    No entendimento de Basileu Garcia, o sistema belga-francês é mais vantajoso porque nele não se suspende o processo, mas sim a execução da pena, havendo, portanto, sentença condenatória. Lembra o autor que pode acontecer de, durante o processo, constatar-se a inocência do imputado e, não sendo ele culpado, qualquer restrição à sua liberdade seria injusta[ 12 ].

    No Brasil, nem o Código Criminal de 1830 nem o Código Penal de 1890 previram o instituto, que só surgiu entre nós em 1924.

    Em 18 de julho de 1906, Esmeraldino Bandeira, então deputado federal, apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei visando a instituir a suspensão condicional da pena no país. O projeto, salvo pequenas alterações, consistia numa tradução da Lei Bérenger, e, embora recebido com aplausos, não se transformou em lei. Também o senador Gonzaga Jaime apresentou projeto visando à adoção da figura. Em 1920, o Instituto dos Advogados nomeou uma comissão para examinar o assunto, composta por Esmeraldino Bandeira, Henrique Borges Monteiro e Evaristo de Morais, a qual elaborou anteprojeto que, em essência, era bastante semelhante às leis anteriores[ 13 ].

    O Congresso Nacional da época estava hipertrofiado, não conseguia realizar todo o seu trabalho com a devida celeridade, e por este motivo, delegou alguns assuntos para o Poder Executivo. Assim, em 5 de setembro de 1922, o Presidente Epitácio Pessoa aprovou a Lei nº. 4.577 , cujo artigo , dentre outras atribuições, autorizava o Chefe do Poder Executivo a criar a suspensão condicional da execução da pena. Contudo, nenhuma lei a esse respeito foi criada durante seu governo[ 14 ].

    Epitácio Pessoa foi substituído por Arthur da Silva Bernardes, que escolheu para Ministro da Justiça e Negócios Interiores João Luís Alves, que logo providenciou uma lei sobre o assunto - o Decreto nº. 16.588 , sancionado em 6 de setembro de 1924[ 15 ].

    À época, o sursis tinha o nome "condenação condicional". Não seguiu nenhum dos dois sistemas existentes. Nele, o juiz suspendia a condenação e impunha condições. Se, no fixado, fossem cumpridas as condições sem imposição de outra pena, a condenação era considerada inexistente, e o agente não se tornava reincidente.

    Na exposição de motivos da referida lei, João Luís Alves apontou os objetivos do instituto:

    1º.) não inutilizar, desde logo, pelo cumprimento da pena, o delinqüente primário, não corrompido e não perverso; 2º.) evitar-lhe, com o contágio na prisão, as funestas e conhecidas conseqüências desse grave mal, maior entre nós do que em outros países, pelo nosso defeituoso sistema penitenciário, se tal nome pode ser dado a um regime sem método, sem unidade, sem orientação científica e sem estabelecimentos adequados; 3º.) diminuir o número das reincidências, pelo receio de que se torne efetiva a primeira condenação.

    Com razão, afirma Giuseppe Bettiol que a expressão condenação condicional é imprecisa para designar o sursis , porque a condenação não é suspensa (em verdade, é proferida), mas sim a execução da pena[ 16 ].

    Posteriormente, o Código de Processo do Distrito Federal (Decreto nº. 16.751 de 31 de dezembro de 1924) alterou o nome do instituto para suspensão condicional da pena.

    O Código Penal de 1940, originalmente, só permitia a concessão do sursis aos condenados à pena de detenção, e, só excepcionalmente, o permitia em caso de reclusão, quando menores de 21 ou maiores de 70. Tal limitação foi suprimida pela Lei nº. 6.416 de 1977.

    O sursis perdeu força no ordenamento brasileiro com o advento da Lei nº. 9.714 /98. Esta Lei provocou uma ampliação no âmbito de incidência das penas restritivas de direitos, as quais passaram a ser aplicáveis até mesmo para infrações mais graves, cuja condenação seja por prazo inferior a quatro anos.

    Essa modificação abalou a harmonia da legislação anterior, vulnerando a proporcionalidade da resposta jurídica e causando a paradoxal situação de termos no nosso sistema, reprimendas mais graves para crimes mais leves e vice-versa[ 17 ]. Como o sursis é sanção menos benéfica ao condenado que a restritiva de direitos, deve ser preterido em favor desta, sempre que possível. E, como a suspensão condicional é aplicável somente em se tratando de penas não superiores a dois anos - ou quatro, no caso do sursis especial - chega-se à conclusão que tal instituto será utilizado apenas nos casos em que há violência ou grave ameaça contra a pessoa[ 18 ].

    Mas o declínio do instituto no Brasil talvez ainda não tenha terminado. Isto porque o Projeto de Lei nº. 3.473 /2000, em trâmite no Congresso Nacional, altera a parte geral do Código Penal , dando a seguinte redação ao art. 44:

    Art. 44 - A pena de restrição de direito pode substituir a pena de prisão, preenchidas as seguintes condições:

    I - aplicada pena de prisão inferior a quatro anos ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

    II - a culpabilidade e demais circunstâncias judiciais constantes do art. 59 indicarem que essa substituição seja necessária e suficiente à individualização da pena.

    Como se percebe, este projeto elimina a exigência de que inexista violência ou grave ameaça à pessoa para concessão de penas restritivas de direitos. Assim, se for aprovado, o campo de incidência das penas restritivas de direitos passará a englobar totalmente o âmbito de atuação do sursis . Desta forma, a alteração legislativa marcará o fim deste instituto no ordenamento pátrio.

    Ante o exposto, conclui-se que a suspensão da pena, que já ficou deveras enfraquecida com o advento da Lei nº. 9.714 /98, enfrenta agora uma situação ainda pior, podendo ser eliminada do ordenamento. O instituto é benéfico e sua extinção não se justifica, pois é salutar que existam respostas penais de severidade variada à disposição dos magistrados, para que as sanções possam ser aplicadas ao caso concreto de modo individualizado e proporcional.

    1. Derecho penal. tomo I. 11. ed. Barcelona : Bosch, 1953. p. 794.

    2. Cf . MARQUES, José Frederico. Curso de Direito Penal. vol. III. São Paulo : Editora Saraiva, 1956. p. 273.

    3. Suspensão condicional da pena. Rio de Janeiro : Editora Francisco Alves 1926. p. 17.

    4. Da suspensão condicional da pena. Rio de Janeiro : Revista Forense, 1945. p. 36.

    5. Cf . AULER, Hugo. Suspensão condicional da execução da pena. Rio de Janeiro : Revista Forense, 1957. p. 6.

    6. op. cit. p. 25.

    7. op. cit. p. 38.

    8. op. cit. p. 8.

    9. Cf . SALES. op. cit. p. 40.

    10. Cf . AULER. op. cit. p. 8.

    11. LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal . vol. II. Rio de janeiro : Revista Forense, 1942. p. 397.

    12. Instituições de direito penal. vol. 1. t. 2. 3. ed. São Paulo : Max Limonad, 1956. p. 533.

    13. Cf . SALES. op. cit. p. 56.

    14. MELLO, Dirceu de. Palestra ministrada em maio de 2005, no auditório Júlio Fabbrini Mirabete, durante o 7º. Curso de Especialização em Direito Penal, promovido pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo.

    15. Cf . SALES. op. cit. p. 57-58.

    16. Direito penal. vol. III. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1976. p. 205.

    17. AZEVEDO, David Teixeira de. Atualidades no direito e processo penal. São Paulo: Editora Método, 2001. p. 172-173.

    18. Vide nossos comentários em "Reflexões sobre a Lei nº 9.714/98". Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1788, 24 maio 2008. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11308

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15364
    • Seguidores876203
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1455
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/ascensao-e-declinio-do-sursis-no-brasil-uma-analise-historica-jamil-chaim-alves/70685

    Informações relacionadas

    Canal Ciências Criminais, Estudante de Direito
    Artigoshá 5 anos

    Entenda como funciona a suspensão condicional da pena (sursis)

    Artigoshá 8 anos

    Superveniência de doença mental e as penas privativas de liberdade

    Felipe Jurema, Estudante de Direito
    Artigoshá 5 anos

    Incidente de Insanidade Mental na Execução Penal

    Alessandra Strazzi, Advogado
    Artigoshá 9 anos

    Quando a pessoa morre quem paga as dívidas?

    Fabio Colonetti, Advogado
    Artigoshá 4 anos

    Incorporação das vantagens ou gratificações na remuneração do servidor após a emenda 103.

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)