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25 de Abril de 2024

Prova produzida em processo penal pode ser utilizada em processo administrativo disciplinar? (Informativo 386)

há 15 anos

Informativo n. 0358

Período: 2 a 6 junho de 2008

As notas aqui divulgadas foram colhidas nas sessões de julgamento e elaboradas pela Assessoria das Comissões Permanentes de Ministros, não consistindo em repositórios oficiais da jurisprudência deste Tribunal.

Sexta Turma

PROVA EMPRESTADA. NECESSIDADE. AUTORIZAÇÃO. JUIZ CRIMINAL.

A interceptação telefônica como meio de prova necessita de expressa autorização do juízo criminal. Sua remessa e utilização em processo disciplinar devem ser autorizadas pelo juízo responsável pela preservação do sigilo de tal prova. Ademais, necessário que se respeitem, ainda, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Caso não observados esses requisitos serão nulos a sindicância e o processo administrativo disciplinar lastreado exclusivamente nas fitas degravadas das interceptações telefônicas. Precedentes citados do STF: RMS 24.956-DF , DJ 10/11/2005; do STJ: MS 9.212-DF , DJ 1º/6/2005, e MS 12.468-DF , DJ 14/11/2007. RMS 16.429-SC , Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 3/6/2008.

NOTAS DA REDAÇÃO

A interceptação telefônica está regulada na Lei 9.296 /96, e logo no primeiro artigo prescreve que sua realização só será permitida para fins de persecução criminal.

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal , observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. (grifos nossos)

AConstituiçãoo da República de 1988 ao mesmo tempo em que prevê o direito fundamental da inviolabilidade do sigilo das conversas telefônicas, prevê também única hipótese para a sua quebra, qual seja: a interceptação para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Art. 5º XII - e inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo , no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (grifos nossos)

Diante dos dispositivos supra citados, extrai-se o entendimento de que a interceptação de conversas telefônicas é exceção à regra de inviolabilidade da intimidade da vida pessoal do cidadão. Por ser exceção, fica limitada a busca de provas em investigação criminal e em instrução processual penal, bem como submetido à existência de fortes indícios de autoria ou participação, de ser o único meio disponível de prova e do crime ser apenado com reclusão, nos termos do artigo da Lei 9.296 /96, in verbis:

Art. 2º Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Atendida todas essas condições, justifica-se a violação do sigilo das conversas telefônicas, da intimidade pessoal, pois há uma violação da paz social capaz de mitigar o direito à inviolabilidade das comunicações. Dessa forma, se somente nesses casos é possível a quebra do sigilo, poder-se dizer que não é admissível o empréstimo dessas provas para subsidiar o procedimento administrativo disciplinar?

Há divergência não só na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais Superiores. Vejamos:

Para o jurista Luiz Flávio Gomes "O legislador constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo. (...) Estando em jogo liberdades constitucionais (direito à intimidade frente a outros direitos ou interesses), procurou o constituinte, desde logo, demarcar o âmbito de prevalência de outro interesse (criminal), em detrimento da intimidade. Mesmo assim, não é qualquer crime que admite a interceptação. Essa escolha fundada na proporcionalidade, não pode ser desviada na praxe forense. Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser 'emprestada' (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito. (...) Urge o respeito à vontade do constituinte ('fins criminais'). Ao permitir a interceptação, como quebra que é do sigilo das comunicações, somente para 'fins criminais', já fazia uso da ponderação e da proporcionalidade, que agora não pode ser ampliada na prática. Impõe-se por último, acrescentar: essa prova criminal deve permanecer em 'segredo de justiça'. É inconciliável o empréstimo de prova como o segredo de justiça assegurado no art. 1º". (Finalidade da Interceptação Telefônica e a Questão da Prova Emprestada. In: Repertório IOB de jurisprudência, v. 4/97, p.75).

Por outro lado, os também renomados doutrinadores Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, entendem ser "possível que, em processo civil, se pretende aproveitar prova emprestada, derivada de interceptação telefônica lícita, colhida em processo penal desenvolvido entre as mesmas partes. (...) Poderá, em casos como esse, ter eficácia a prova emprestada, embora inadmissível sua obtenção no processo não-penal? As opiniões dividem-se, mas, de nossa parte, pensamos ser possível o transporte de prova. O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerando o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável. (...) Nessa linha de interpretação, cuidados devem ser tomados para evitar que o processo penal sirva exclusivamente como meio oblíquo para legitimar a prova no processo civil. Se o juiz perceber que esse foi o único objetivo da ação penal, não deverá admitir a prova na causa cível." (As Nulidades no Processo Penal. SP, RT, 9ª ed., 2006, p. 119-120).

No que tange a jurisprudência, a Suprema Corte já manifestou entendimento no sentido de que se o sigilo foi quebrado e a prova obtida por meio lícito, isto é, com a devida ordem judicial e considerando que a Constituição proíbe apenas as provas colhidas por meio ilícito e não veda o empréstimo de uma prova licitamente apurada, há que se deferir o compartilhamento das provas para fins de instruir procedimento administrativo disciplinar. (Precedente: Inq. 2725 QO/SP, rel. Min. Carlos Britto, 25.6.2008)

Note-se, contudo, que no próprio STF há divergência, pois no Inquérito citado acima os Ministros Março Aurélio e Joaquim Barbosa se posicionaram no sentido de negar o empréstimo das provas colhidas em Inquérito para Procedimento Administrativo Disciplinar, com base na regra do artigo , XII da CF .

No caso em tela o STJ decidiu em consonância com sua jurisprudência predominante e a do Excelso Pretório, ou seja, é cabível o uso excepcional de interceptação telefônica em processo administrativo disciplinar, mas desde que seja também observado no âmbito administrativo o devido processo legal, respeitados os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa, bem como haja expressa autorização do Juízo Criminal, pois as diligências, gravações e transcrições são de caráter sigiloso e compete ao magistrado da vara criminal autorizar a quebra do segredo da Justiça, sob pena de prática de crime, nos termos do artigo 10 da Lei 9.296 /96, a seguir:

Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Não obstante a divergência de entendimentos, predomina a inteligência de ser possível o empréstimo de provas colhidas na interceptação telefônica, desde que haja autorização judicial e seja respeitado o devido processo legal, sob pena do processo administrativo disciplinar se considerado nulo.

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3 Comentários

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Muito interessante o artigo, porém para fins de provas esse uso excepcional da interceptação telefônica poder ocorrer?

Ficarei grato se alguém poder me ajudar!

Cleiton Alencar continuar lendo

foi esclarecedor continuar lendo

no que consiste na prática o contraditório continuar lendo