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25 de Abril de 2024

Ausência de defesa preliminar do art. 514 do CPP: nulidade absoluta (novo entendimento do STF)

há 15 anos

Como citar este artigo: DONATI, Patricia; GOMES, Luiz Flávio; PARRA, Daniella. Ausência de defesa preliminar do art. 514 do CPP : nulidade absoluta (novo entendimento do STF) . Disponível em http://www.lfg.com.br. 24 de março de 2009.

"A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 96.058) a um servidor público acusado dos crimes de peculato e extorsão, que teriam sido praticados em concurso material e de agentes. O motivo da concessão foi o impedimento de o acusado exercer o seu direito de ampla defesa ainda na primeira instância, quando deixou de ser intimado a prestar seus argumentos sobre a denúncia. Por unanimidade, o colegiado do Supremo anulou a ação penal desde o início para garantir ao servidor o direito de apresentar defesa preliminar antes do recebimento da denúncia. Segundo o advogado que defende o servidor, houve tentativas - ainda na primeira instância - da não convocação da defesa a ser ouvida. Contudo, a denúncia acabou por ser feita apenas com base no inquérito policial e em informações da instrução, o que, no entendimento do Supremo, não substitui o direito à defesa e ao contraditório" (STF, rel. Min. Eros Grau, j. 17.03.09).

Comentários: mais uma vez foi julgada pelo STF a prescindibilidade (ou não) da notificação do funcionário público antes do recebimento da denúncia, para o oferecimento de defesa, nos termos do art. 514 do CPP (Código de Processo Penal).

O tema, diante da polêmica que o envolve, foi sumulado pelo STJ. Trata-se da súmula de nº. 30 , segundo a qual "é desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 , do Código de Processo Penal , na ação penal instruída por inquérito policial".

Nos diversos julgados que originaram a referida súmula o STJ decidiu que: 1º) a resposta preliminar do art. 514 do CPP é desnecessária quando a ação penal estiver instruída com inquérito policial, sendo necessária apenas nos casos em que a denúncia basear-se, simplesmente, em documentos ou justificação oferecidos com a representação [2] ; 2º) a falta de notificação do acusado para apresentação da resposta preliminar enseja apenas nulidade relativa, dependente, portanto, de argüição em momento oportuno e de demonstração de efetivo prejuízo para o acusado (nesse sentido: REsp 106.491/PR , j. 10.03.97, DJ 19.05.97; Resp 203.256/SP , j. 13.03.02, DJ 05.08.02, 5ª Turma.; HC 28.814/SP , j. 26.05.04, DJ 01.07.04, 6ª Turma; HC 34.704/RJ , j. 28.09.04, DJ 01.02.05, 6ª Turma; Resp 174.290/RJ , j. 13.09.05, DJ 03.10.05, 6ª Turma; Resp 594.051/RJ , DJ 20.06.05, 5ª Turma; HC 29.574/PB , j. 17.02.04, DJ 22.03.04, 5ª Turma).

Ressalte-se que o STF, identicamente ao STJ, também entendia, até a presente decisão, proferida pela Segunda Turma, dispensável a defesa preliminar do art. 514 do CPP quando a denúncia estivesse instruída com inquérito policial, e que a falta dela enseja apenas nulidade relativa. A propósito:

"A inobservância ao disposto no artigo 514 do CPP , para configurar nulidade, exige o protesto oportuno e a demonstração de prejuízo daí decorrente quando a acusação está supedaneada em inquérito (Precedentes do STJ e do Pretório Excelso)" (Resp. 481.974/RJ, DJ de 20.10.2003 e ainda STF, RTJ 110/601)[3].

E ainda:

"Habeas Corpus - crime funcional afiançável - denúncia oferecida com fundamento em inquérito policial - ausência de notificação prévia (CPP , art. 514)- nulidade processual inocorrente - pedido indeferido - Revela-se indispensável a notificação prévia, para efeito de defesa preliminar (CPP , art. 514) nos casos em que a denúncia é apresentada com base em inquérito policial. Doutrina. Precedentes". (HC n. 85.560/SP , j. 13.06.06, 2ª Turma).

Data maxima venia, a verdadeira finalidade do procedimento especial contemplado no CPP , arts. 513 e ss., é a de aferir a regularidade do exercício da ação penal, que deve contar com plausibilidade jurídica. Essa regularidade poderia (e pode) ser averiguada pelo juiz de oficio, mas de qualquer modo, em se tratando de crimes funcionais afiançáveis, entendeu por bem o legislador estabelecer uma fase contraditória antes do recebimento da peça acusatória. O descumprimento dessa regra procedimental, que compõe o devido processo, conduz inexoravelmente à nulidade do processo. O fundamento dado pelo STJ, destarte, é utilitarista, contraria o texto legal e suprime direito fundamental do acusado, a fim de atender a interesses do Estado-Justiça em não anular processos inteiros nos quais foi descumprida a fase do art. 514 do CPP (que integra o devido processo criminal regente).

Ressalte-se que os princípios do contraditório e da ampla defesa aplicam-se aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral (art. , LV , da CF/88). Assim, embora na fase do art. 514 do CPP ainda não tenha havido o recebimento da denúncia, já há acusação formal, e, portanto, já há o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Como se vê, a falta da resposta escrita no procedimento dos delitos funcionais afiançáveis acarreta, de uma só vez, ofensa ao devido processo criminal, ao contraditório e à ampla defesa (que, aliás, deixa de ser ampla se o funcionário não puder exercitar um ato de defesa expressamente previsto no procedimento legal).

Nessa linha, outra não poderia ser a nossa conclusão: a defesa inserta no artigo 514 do CPP não é dispensável e passível de acarretar mera nulidade relativa, mas ao contrário, é ato de defesa obrigatório do procedimento dos delitos funcionais, cuja inobservância acarreta irregularidade processual e constitucional, ensejando, conseqüentemente, nulidade absoluta, por ofensa aos princípios constitucionais citados.

E, sendo nulidade absoluta, independe de comprovação de prejuízo para o acusado, devendo ser decretada de ofício pelo juiz ou tribunal, ou argüida pela defesa em qualquer fase processual ou grau de jurisdição, não havendo preclusão nessa questão.

Esse é o nosso entendimento e, com grande sabedoria, a nova posição consagrada pela Segunda Turma do STF.

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Os argumentos favoráveis e contrários são plausíveis. Aqueles com visão mais processualista certamente se apegarão à posição da nulidade (acreditando ainda ser absoluta), para a falta de oportunidade da apresentação da defesa preliminar.
Para quem pensa assim, entendo que a existência de inquérito policial não é capaz de suprir a ausência da defesa preliminar, dado o caráter inquisitório da investigação. No inquérito policial não há oportunidade formal para apresentação de defesa, embora se possa entender que a defesa pode ocorrer no interrogatório, no acompanhamento e indicação de testemunhas, na juntada de documentos, etc.
Minha opinião é no sentido de que o processo é "instrumento do instrumento", e não se subsiste em si mesmo. O processo existe para instruir e possibilitar a aplicação da lei penal, dentro de parâmetros previamente estabelecidos pelo legislador. No campo das nulidades processuais penais é indispensável a prova do prejuízo experimentado pelo réu. É inviável pensar que um processo penal onde tenha sido garantida a ampla defesa e o contraditório no seu grau máximo, venha a ser anulado pela falta de um ato preliminar e inicial, quando ficar evidente que este ato processual não teria o condão de dar fim ao processo. O prejuízo exigido para justificação da nulidade pela ausência da defesa preliminar, consiste nas razões e fundamentos que poderiam levar o julgador a extinguir o processo. Como pensar que estas razões existiriam no início do processo e não subsistiriam até o final?
Portanto, entendo tratar-se de nulidade sim, por descumprimento de uma regra processual que não pode ser desassociada da ampla defesa, porém, é indispensável a prova do prejuízo, para declaração da nulidade. Pensar diferente seria mero apego ao formalismo e negar o princípio da instrumentalidade das formas. continuar lendo